Ano: 2349
Local: Órbita de Saturno
Naquele estado febril em que se encontrava, conseguia ver com mais nitidez, conseguia ouvir com mais precisão, conseguia focar todo e qualquer pormenor que pudesse aparecer, sentindo o caudal enraivecido do seu sangue a passar pelas veias, de forma alucinada e audível, ecoando por todas as células do corpo, num turbilhão anárquico, prestes a explodir pelas suas entranhas. Por mais que quisesse agir, voar contra o seu maior inimigo, algo o paralisava, imobilizando-o no mesmo espaço que tinha ocupado desde que ali chegara. Gritava para si mesmo de forma a acordar daquele transe inquietante, em berros nunca proferidos, perdidos na efemeridade de um instante nunca vivido. Durante anos, esperou por aquele momento, fantasiando, noite após noite, com as formas que iria usar para o matar, contudo, agora que o via de forma lúcida e real, não passava de um mero prisioneiro da sua própria insanidade.
Vendo que não podia continuar daquela maneira, decidiu deixar de pensar, acordando, novamente, o seu inquilino definitivo, aquele que o acompanhava para todo o lado, que lhe dava força quando não a conseguia encontrar, que lhe dava coragem quando fugir era tudo o que podia imaginar. Aquela sombra sempre presente que o envolvia nos dias mais escuros, tornando-o um com a beleza das trevas, aliciando-o a continuar a sua jornada ingrata, rumo à infelicidade cabal. Repleto pela sua essência, e alheio a tudo que acontecia à sua volta, fixou o espaço atrás do Imperador, saltando para lá, de forma rápida e precisa, na esperança de o surpreender com o seu ataque usual, com o qual tinha morto centenas dos seus adversários.
No momento em que chegou ao espaço pretendido, deixou o seu braço mover-se, guiando a faca eletrizada rumo às costas do oponente, que sem parecer admirado, o imobilizou por completo, prendendo-o com uma força desumana, capaz de partir uma rocha. Desesperado, Rami tentou uma cabeçada de forma a soltar-se, acertando no espaço vazio, onde o Imperador já não se encontrava. Merda! Ele é melhor nos saltos do que eu. Indagou, vendo-o na outra ponta da divisão. Sem pensar duas vezes, correu até ele, tentando golpes consecutivos com a sua arma, que em deleite, soltava um ligeiro assobio pelo ar, cortando-o com a sua lâmina bem afiada. Todos esses movimentos foram previstos pelo homem, que sem dificuldade, se desviou de maneira irrepreensível, demonstrando uma agilidade fora do vulgar, digna do maior guerreiro já feito. Só sabes fugir, maldito? Porque não me atacas? Gritou Rami, disferindo um potente soco com o seu braço esquerdo.
Queres mesmo que ataque? Não vai acabar bem para ti, rapaz. Atirou, com desdém, depois de parar o golpe com o seu braço esquerdo. Um som agudo ecoou por todo o quarto, sinalizando o choque de duas superfícies metálicas. Que merda é esta? Ele tem um braço robótico como eu? Pensou, horrorizado.
Aproveitando o facto dos seus membros estarem conectados, agarrou-o, impulsionando-o para longe de si, num movimento que, aparentemente, surpreendeu o misterioso sujeito, que acabou por cair ao aterrar. Sabendo que podia ser a única oportunidade, voltou a correr desenfreadamente na sua direção, com uma velocidade que nunca tinha conseguido atingir, tentando golpeá-lo com o seu punho enrijecido, no entanto, tudo o que conseguiu acertar foi o chão frio que o sustentava, produzindo um buraco devastador, perpetuado pela fúria que o cegava. Como? Ele estava desnorteado e caído. Como conseguiu prever o meu golpe?
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Ponto de Fuga - Dois Destinos
Science FictionO ano é 2316. Uma grande guerra intergalática com uma desconhecida civilização extraterrestre assola todos os territórios terrestres. Colónias inteiras são dizimadas em batalhas catastróficas e desumanas. Já no Planeta Terra, a tecnologia fervilha...