Capítulo 46

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Eu estava correndo. Simplesmente isso, estava correndo pela mata da floresta e me arranhando por completa com aquele tanto de galhos e pedras. Mas mesmo assim eu continuava correndo como se minha vida dependesse disso.

Foi então que eu percebi que eu não estava só correndo, estava fugindo. Percebi também que eu não estava vendo aquilo pelos meu olhos. Era como se eu fosse uma expectadora e estivesse assistindo a mim mesma em uma tela de cinema.

Ainda assim vi meu rosto cortado na bochecha, as pernas todas arranhadas pela mata e eu ainda corria desesperada. Ninguém estava ao meu lado, mas aparentemente atrás de mim vinha alguém.

Tentei olhar bem, ver quem era essa tal pessoa. Foi então que me vi tropeçando e caindo de cara com o chão úmido, quase lama. Eu tentava me levantar com rapidez, mas a imagem de alguém por trás de mim foi mais rápida.

Vi a silhueta de alguém alto, estava vestindo um preto opaco e o capuz cobria seu rosto. Eu me encolhi, mas a outra de mim que estava caída na mata olhando para a pessoa com medo começou a murmurar algo.

"Não há mais como fugir" foram as únicas palavras que saíram da boca do bruxo vestindo preto. Sua voz era firme e rouca, e estranhamente familiar. Ele então estendeu a mão para a outra de mim no chão e segurou o pescoço dela, ou o meu, não sei bem. Apertou com rigidez e murmurou algo contra seu ouvido que não fui capaz de ouvir.

Me inclinei para frente para escutar, mas uma folha roçou contra meu cotovelo e na mesma hora os dois desviaram o rosto para mim. Os dois. Primeiro olhei para a outra de mim, agarrada pelo pescoço com sangue escorrendo por sua bochecha. Mas não era só isso, tinha algo de diferente nela, em mim. O cinza dos olhos havia sumido.

Meus, nela, eram castanhos, um castanho escuro, comum. Mas não podia ser, eu não era assim, os olhos cinzas são parte de mim e aquilo simplesmente não fazia sentido. Ela começou a desviar os olhos por vários ângulos diferentes e percebi que não foi só a cor dos (meus) olhos dela que tinham mudado. Ela estava cega.

Desviei o olhar para o bruxo vestido de preto e uma mecha loira de cabelo escapou de seu capuz. Draco. Ele soltou a outra de mim e entortou a cabeça enquanto me olhava. Seus olhos também estavam diferentes, muito diferentes. Um deles continuava brilhando o mesmo azul de sempre, mas o outro... O outro era cinza, o meu cinza.

Ele abriu um sorriso diabólico e foi dando passos até mim. Tentei correr, mas era como se eu não tivesse controle sobre o meu próprio corpo. A cada passo agonizante que ele dava, mais eu tremia. Merda, o que diabos está acontecendo? Merda, merda, merda.

Um terror ardente cresceu dentro de mim e tudo o que eu queria era desaparecer. Ele foi chegando tão perto que apenas um metro nos separava e eu me via morrendo de agonia. Ele estendeu a mão lentamente até minha bochecha enquanto dava mais um passo até mim.

Seus dedos roçaram minha pele da bochecha como se me acariciasse e o sorriso diabólico continuava estampado em sua boca. Minha respiração era desregular, mas eu ainda não conseguia me mover. Draco então se inclinou um pouco mais para perto de mim e sussurrou com um gosto amargo em cada palavra: "Sempre amei cinza".

meu cinza" falei, sem nem perceber que estava falando. Tentei falar algo mais, mas não consegui. Ele aproximou ainda mais nossos rostos e senti que ia desmaiar. 

"Não, não mais" disse ele, rindo com escárnio. Seus dedos, que antes deixavam carícias em minha bochecha, foram até minha garganta e me enforcaram. A falta de ar logo me atingiu e senti os pulmões dilatando. Ele apertou mais ainda meu pescoço e me encarou. Ela estava tentando roubar algo de mim, da minha alma.

Tentei falar algo, mas as palavras entalaram em minha garganta e fiquei na ponta dos pés para não morrer sufocada. E então senti algo saindo de mim, algo saindo de dentro de mim. Era como se estivesse me tirando de mim mesma.

An angle in hell // Um anjo no infernoOnde histórias criam vida. Descubra agora