VINTE E CINCO

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“À minha carne e o meu coração desfalecem; mas Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para sempre”. (Salmos 73: 26).

A rotina de Angelina se dava em acordar cedo, preparar o café e visitar os muitos feridos deitados nos leitos debaixo daquelas imensas lonas, sendo que bastante já tinham morrido, fosse pelas infecções quanto pelo frio que assolava a todos sem piedade. O inverno havia chegado de modo assolador com muitas tempestades de neve.

A Srta. Jones nunca disporia das palavras necessárias para descrever aquele lugar em que estava há mais de mês. Mas seus primeiros dias foram tomados pelo horror de assistir tantos homens dilacerados e os gritos de pavor e medo eram visitações constantes em seus ouvidos durante o dia e na noite sua consciência o reproduzia novamente. De fato, ela passou muitas luas acordada, sentia que não poderia dormir em paz enquanto muitos sofriam seus terrores. As orações para que o Senhor Deus a usasse de alguma forma a fim de aliviar as dores dos outros eram constantes, apesar do sentimento de inutilidade diante do terror e assombro a dominarem constantemente.

Contudo, aos poucos, o lugar em que executava suas atividades fora se transformando através de seu trabalho aplicado. Ela resolvera fazer uma bebida quente todos os dias pela manhã a fim de ir fortalecendo e aquecendo os doentes; os cuidados dos curativos e limpeza do local auxiliaram bastante para uma melhora significativa de muitos; além da possibilidade de proporcionar uma palavra de conforto aos doentes, até mesmo o canto ajudava a dar cor àqueles dias tão cinzentos. Certamente que todos esses feitos eram feitos de modo rápido e sem enrolação, mas seus esforços foram reconhecidos, levando Angelina a ficar como responsável por duas jovens e o trabalho das três era muito benéfico.  

Naquele amanhecer recorreu tudo de modo igual: as três jovens mulheres alimentando e limpando os doentes. No entanto, ela recebera uma notícia por Feride, uma moça de 18 anos, também voluntaria e que estava sobre a liderança da Srta. Jones.

— Angelina, soube que alguns militares chegaram à base. Eles vieram da fronteira. — Os olhos cor de âmbar da menina brilharam com grande expectativa. Com o decorrer da convivência, Angelina a contara sobre seu noivado, pois passaram juntas muitas noites em claro para dar assistência aos casos mais graves.

— Tem certeza? — Angelina sentiu o coração errar umas batidas.

Teria ela finalmente notícias de Scott?

— É claro! Vá, não perca mais tempo! Quem sabe não obtém informação? — Feride a incentivou. — Eu sirvo os que estão acordando agora — disse, retirando a vasilha de sopa rala das mãos da colega de serviço.

Angelina fez um gesto de assentimento e buscou sua capa para enfrentar o rigoroso vento invernal daquele dia cinzento. Ao sair do escasso calor da tenda seu corpo tremeu diante da dureza do frio. Ao observar o manto branco que cobria a terra não conseguia ter a certeza se realmente aquele lugar um dia poderia tornar-se colorido novamente com árvores frutíferas, flores de variadas espécies e o calor do sol aquecendo a pele. A primavera renasceria, de fato? Balançou a cabeça afastando aqueles pensamentos, era tão certo como a luz do amanhecer que sim.

Ela com suas galochas caminhou sobre aquele turbilhão de neve e cada passo a frente do outro tornavam o caminhar mais pesado, porém não desistiu diante da dificuldade. Continuou andando. Avistando a tenda da base procurou moderar o andar no intuito de ouvir algo, contudo, o silêncio foi o que obteve. Sem pedir licença, a Srta. Jones afastou um pouco a lona e testificou que não havia nada ali, além de mesas, cadeiras, baús e papeis, sua frustração fora imediata, o que resultou num soltar de ar cansado. Naturalmente aquela espera e ansiedade estavam a consumindo. Tinha o devido conhecimento que não deveria permitir seu espírito afligir pelo medo do futuro, no entanto, tinha dias que era inevitável. E, antes que pudesse retroceder, escutou um grito abafado e som de objetos caindo, ela se agitou com o barulho e decidiu entrar de vez na tenda e seguiu para trás de outra lona, que dividia o espaço. Ela encontrou um homem, de idade avançada, lutando com a falta de ar e a mão apertando o peito na direção do coração, enquanto caia de joelho no chão, ele suava frio e demonstrava grande cansaço.

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