PRÓLOGO

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Scarborough Fair-1865

— É amanhã! — disse Kate, empolgada, enquanto organizava suas malas.

— Sim, eu nem acredito que iremos conhecer Capital! — Angelina exclamou, rodando pelo quarto imaginando suas altas aventuras na Capital da Inglaterra.

— Nós iremos mesmo para a Escola de Enfermagem do Hospital St. Thomas.  — Kate celebrou a chance de ouro que elas estavam recebendo. — Meu Deus, nós seremos enfermeiras! Poderemos servir as pessoas e aos necessitados com devida instrução e conhecimento. — Kate pôde contemplar os olhos úmidos de Angelina por também estar realizando aquele sonho.

As duas desde os 15 anos tinham interesse na ajuda ao próximo. Elas partiam para as ruas de sua pequena Scarborough e auxiliavam os pobres e mendigos, além das crianças órfãs. Elas sentiam-se vocacionadas àquilo, e desde quando descobririam uma enfermeira chamada "Florence Nightingale" se inspiraram ainda mais na sua vida e trabalho em favor dos militares britânicos na guerra de Criméia. Ambas acompanharam as notícias da criação da escola de enfermagem por Nightingale, e seus corações ansiavam estudar naquele local como nunca desejaram outra coisa. Depois de 5 anos, agora com 20 anos, receberam a maior de todas as oportunidades: fazer o curso de enfermagem.

— Amanhã às 7:00 a.m partiremos cedo até chegarmos a estação, onde pegaremos o trem rumo a Capital. — Kate detalhou sobre rota dos acontecimentos e no final saíra pulando pelos cantos da casa, mostrando sua mais pura alegria.

— Está certo! — Angelina assentiu, evidenciando a mesma empolgação da amiga. — Agora partirei, e amanhã nos encontraremos logo cedo. — Abraçaram-se e Angelina partiu para sua casa.

A bela donzela andava a beira da praia, experimentando a sensação de liberdade que a areia produzia entre seus dedos. Constatou como faria falta o ouvir das ondas quebrando nas pedras, o cheiro do ar límpido; contudo, sua melancolia logo fora substituída ao lembrar dos motivos que a levariam dali. Oh, nunca teria palavras para agradecer ao Senhor por lhe deixar realizar um sonho tão maravilhoso! Uma miríade de emoções lhe envolveu, levando a lagrimar em gratidão.

Próximo de sua moradia, avistou a mãe lavando as roupas, aquela mulher estava mais do que feliz por saber que sua filha consumaria o sonho de ser uma enfermeira qualificada. Desde quando soube das novidades, ela se organizou para costurar todas as roupas da menina, ajustando tudo para que nada pudesse sair dos planos.

Angelina assim que chegou em casa, auxiliou a mãe nos últimos preparativos para sua viagem. Ambas comeram e se deitaram. Da janela do quarto, a garota sonhadora contemplou as estrelas vislumbrando assim um futuro repleto de possibilidades, tal quanto os pontos brilhantes do firmamento.

*

O brilho do sol se derramou pelos montes do vilarejo. O barulho de algumas pessoas trabalhando já era nítido tão cedo. Então, Angelina se pôs de pé com euforia, pela nova jornada que se iniciaria. Correu para a cozinha a fim de encontrar a mãe, todavia, ao chegar no local não havia ninguém. O cheiro do café não exalava e nem o pão fumegando na mesa com o pote de manteiga ao lado. Um aperto no peito a dominou, e apressou os passos para o aposento de sua genitora. Angelina encontrou a mãe numa crise de tosse. Ela não conseguia respirar. A jovem, imediatamente, abriu as cortinas a fim de proporcionar um ambiente mais arejado e se ocupou em massagear as costas da senhora, tentando lhe trazer algum alívio. Após alguns longos minutos, sua mãe declarou com a voz cansada:

— Precisa ir pegar o comboio.

— Não posso deixá-la aqui neste estado — a moça justificou com muita dor no coração.

— Mas não pode perder esse ensejo, minha filha. — A senhora tocou no rosto da menina e indagou: — Não é seu maior sonho?

Angelina fez apenas um gesto de afirmação.

— Você deve lutar por ele.

— Não posso sacrificar as pessoas ao meu redor para realizar um sonho. A senhora precisa de mim. Nunca partiria sabendo que ficou sozinha e doente. — Os olhos claros da moça brilhavam por conta das lágrimas que se formavam.

— Como vou viver sabendo que desistiu de sua chance por minha causa? — a mãe inquiriu e uma onde tosse iniciou-se sem precedentes, impedindo-a de falar algo mais.

Angelina, ainda tentando fazer algo para a melhora de sua querida mãe, ouviu alguém chamá-la na porta.

— O que aconteceu? Por que ainda não está pronta? — questionou Kate, vendo a amiga de camisola e cabelo desarrumado, assim que pôs os pés no casebre.

— Não partirei mais, Kate — disse Angelina, em razão disso os olhos da amiga se arregalaram.

— Mas por quê? É o nosso sonho, lembra-se? — inquiriu a jovem com as emoções sobressaltadas pela notícia.

— Minha mãe está muito enferma e eu não poderia partir e abandoná-la sem ninguém. — Kate pôde sentir um tom afetado na voz de Angelina. — Que enfermeira seria eu se fosse aprender a salvar vidas, mas para trás deixei alguém morrer.

Com nítida angústia, dispôs de sabedoria para explicar todos os fatores que a impediam de viajar. Kate manifestou sua compaixão através do olhar marejado e trato solidário, assentindo com a decisão da amiga. As duas se abraçaram, transmitidos palavras de consolo e sucesso, assim se despediram. Kate perseguiu seus sonhos rumo à Capital.

Angelina, da porta de sua casa, avistava a sua companheira de aventuras partir. Suas lágrimas desceram, pois ainda que estivesse fazendo o certo, era doloroso abrir mão de seus sonhos e planos. Sua vida! Em favor do próximo.  Mirou o céu, querendo compreender o porquê dEle a fazer chegar tão perto de tudo que sempre imaginara e, no fim, não permitir viver. Não havia resposta para aquilo. E tudo que ficou fora uma jovem com propósitos desfeitos.

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