TRÊS

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Uma corrente de ar fria percorria por toda a região de Scarborough. As ondas agitadas do mar se quebravam na praia e o canto de uma coruja indicava que todos já haviam se recolhidos. Mas Angelina e a Sra. Nagael caminhavam com uma cesta na mão rumo a caverna da qual tinham saído mais cedo. A Srta. Jones limpou e alimentou sua mãe a deixando para trás dormindo com tranquilidade. E seu labor não havia terminado até verificar mais uma vez o soldado ferido.

O fogo já havia se apagado quando as duas mulheres entraram na caverna. O homem, de olhos fechados, se tremia por inteiro, batendo os lábios e resmungando palavras desconexas: "Navio" "Chuva" "Inimigo". "ATACAR" — ele disse mais forte e os lábios se contraíram, contudo ele não abriu os olhos. Estava preso em suas lembranças agonizantes.

— O que será que aconteceu com ele? — Angelina indagou a si mesma.

“Água” “Frio” — Os lábios dele tremiam violentamente ao pronunciar cada palavra.

— Acho que pode ser sobre o ocorrido antes de chegar até aqui — supôs a senhora ao colocar mais lenha no chão, criando assim um fogo ainda maior.

— Ei, não fique assim — Angelina pronunciou com uma voz maternal para o homem. — Você não está mais na água e nem passando frio.

Ela se aproximou e tocou em sua testa, tirando a mão abruptamente ao testificar que o homem ardia em febre.

— O que houve? — perguntou Olivia, notando o afastamento tão volátil da Srta. Jones.

— Deve haver algo infeccionado que eu não reparei — disse Angelina mais para si mesma do que em resposta a amiga.

— Como?

— Vamos, ajude-me! — pediu a mulher e logo tirou as mantas de sobre o homem, vasculhando algum sinal de sangue. Na parte superior do copo, nada havia. Porém, percebeu que na parte de trás da perna esquerda havia uma ferida aberta. — Céus! — Suspirou.

— Está infeccionada? — a senhora indagou ao ver o estado do machucado.

— Não por completo, mas se não agirmos depressa, a situação pode se agravar do dia para noite — respondeu a menina.

Angelina correu na sua cesta e tirou de lá a bandana que iria usar para limpá-lo. Derramou água sobre o ferimento, ela achou que o homem se remexeria, mas sua inconsciência era tão profunda, que apenas continuava com o tremor nos lábios.

— O que colocará nisso, Angelina? — inquiriu a mulher ao ver a jovem tão aplicada em seu serviço.

— Folha seca de esfagno. Ela ajuda a inibir as bactérias, secando mais rapidamente a lesão — explicou, enquanto colocava a planta medicinal em cima do machucado e o enfaixava com pano de algodão, dando um nó seguro ao finalizar.

Ela cobriu novamente e o paciente parecia ter sentindo rapidamente os efeitos do curativo. Seu tremor parou e os músculos de seu rosto relaxaram, levando-o novamente ao mundo dos sonhos.

— Você é a melhor enfermeira que já vi, minha querida — declarou Olívia, ao ficar impressionada com a habilidade da jovem.

— Eu não sou enfermeira — Angelina se colocou de pé rapidamente, como se tivesse sido incomodada com tal elogio, e guardou seus utensílios na cesta.

— Os títulos não nos fazem ser alguma coisa, só nomeiam isso. Você nasceu com esse dom de ajudar os enfermos e isso é algo dado por Deus — replicou a mulher.

Angelina sentiu algumas lágrimas descerem ao tocar mais uma vez naquele assunto. Seus sonhos tinham sido desfeitos e tudo que esperava era nunca mais ter que voltar a eles. Ela tinha se acostumado à desesperança. Não a queria de volta, pois não ansiava sofrer, de novo, por perdê-los.

— Ele precisa se alimentar — disse Angelina, limpando as lágrimas das bochechas, e mudando o rumo da conversa sem pedir desculpas.

A Sra. Nagael a desculpou por isso.

— Sim, mas como faremos isso? — perguntou Olívia ao ver que o homem não podia comer por si próprio.

— Acho que podemos erguer a cabeça dele e colocar um pouco de sopa em sua boca. Precisamos ao menos tentar — ela manifestou sua idéia, com os lábios contraídos.

— Veremos.

Olivia se posicionou atrás do homem e o elevou a cabeça, Angelina devagar colocou um pouco de um ensopado ralo nos lábios do ferido. De alguma maneira milagrosa o resultado do plano se mostrara eficaz.

Posteriormente a parte da alimentação, Angelina mergulhou um pano numa água que já estava morna e limpou o rosto do homem. Ao passar o tecido no contorno da mandíbula, ela observou as belas formas daquele rosto masculino. Um pequeno sorriso escapuliu dos seus lábios.

— Concordo com você. Ele é lindo! — A mulher, de idade mais avançada, exclamou ao ver como a jovem parecia perdida na contemplação do homem a sua frente.

— O quê? — a voz de Angelina deu uma esganiçada e remexeu o corpo inquietamente. — Eu não disse nada!

—Não foi sua voz que disse, querida — Angelina virou-se para ela sem entender. — Foram seus olhos.

A Srta. Jones pestanejou mais do que queria após aquela afirmação embaraçosa. Sem desejar alimentar ainda mais os devaneios da Sra. Nagael, ela disse:

— Eu já terminei, vamos embora. — Angelina pôs, por fim, um pano com água gelada sobre a testa do desconhecido, e juntou todas as suas coisas.

— Vamos sim — concordou a mulher.

Elas o deixaram. Com passos firmes, Angelina caminhou rumo a sua casa. Ela já estava cansada daquele dia. E antes que pudesse entrar em sua habitação, a Sra. Nagael proclamou:

— Não fuja da esperança, querida!

Com o coração pesaroso, a menina respirou fundo e acenou rapidamente, somente para não parecer deselegante. E fechou a porta da casa, assim como a do seu coração para qualquer faísca de sonho que queria entrar e fazer morada.

Benigna Onde histórias criam vida. Descubra agora