QUATRO

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“A esperança não murcha, ela não cansa. Também como ela não sucumbe a Crença. Vão-se sonhos nas asas da descrença. Voltam sonhos nas asas da Esperança.”

Angelina fechou o livro de poemas e ficou pensativa com aquelas palavras. Há tempos não o lia, apesar de ser sua obra favorita, mas os infortúnios e dificuldade que sofrera a tiraram todo e qualquer sonho, e a jovem afastava de si tudo que pudesse alimentá-los. Entretanto, ao vê-lo novamente na prateleira enquanto se preparava para visitar seu "paciente", refletiu em como seria proveitoso o homem desacordado poder ouvir boas palavras e motivar sua consciência a despertar. Já havia se passado três dias desde que o encontrara. O ferimento melhorou, a febre cessou, os pesadelos o deixaram, todavia, nenhum desses benefícios o fez acordar.

Preparou tudo que necessitava e partiu. No percurso até a caverna, Angelina encontrou a Srta. Emily Brown, a filha única do comerciante mais famoso da região, o Sr. Joseph Brown. A donzela em seus 17 anos exalava uma beleza diferente dos moradores locais, seus cabelos negros combinavam com a pele morena avermelhada e, os traços tropicais denunciavam o seu sangue misturado de um inglês com uma filipina, mas essa junção de genes formou uma bela dama, cujo acréscimo de espontaneidade e alegria em seu caráter contribuíam para o despertar de muitos pretendentes. A moça também vivia entre seus livros imaginando a aparição do príncipe perfeito.

— Angelina — a Srta. Brown chamou-a ao se aproximar com uma cesta de bordados cheia de conchas.

— Como vai? — inquiriu Angelina, com educação e um modesto sorriso nos lábios.

— Vou bem! — a menina respondeu e em seguida abaixou-se a fim de pegar mais um concha, que se encontrava próximo a barra da saia do vestido da Srta. Jones. — Essa aqui é especial. — examinou com os olhos contraídos os lados da concha e depositou em sua cesta.

— Desculpe a intromissão, mas o que faz com tantas conchas? — Angelina franziu a sobrancelha ao verificar de soslaio na cesta o quanto a menina já havia juntado.

— Eu as pinto. É um ótimo passar tempo. — Emily inflou o peito e declarou com orgulho: — E já tenho uma grande coleção!

— Nunca vi pinturas em conchas.

— Qualquer dia eu posso mostrá-las a você. Tenho certeza que irá se surpreender... — a moça, de repente, ficou eufórica e disse: — Tive uma excelente ideia! Eu pintarei uma concha em sua homenagem. — Ergueu a mão e, com seus dedos finos e bem feitos pela natureza, tocou nos fios de cabelo de Angelina. — Me inspirarei no tom ruivo dos seus cabelos, nos azuis de seus olhos e no branco de sua pele. Será perfeito! — Bateu palma para si mesma.

— Não precisa se preocupar com isso — disse Angelina, não querendo ser incômodo para ninguém.

— Não faz mal. Eu já fiz várias, me inspirando em pessoas, até mesmo nas que só aparecem em meus sonhos.

Aquela pequena confissão despertou a curiosidade da Srta. Jones.

— Você vê as pessoas em seus sonhos? — Angelina contraiu o cenho ao ouvir tal relato.

— Só aconteceu uma vez! — A Srta. Brown contou com certa timidez. — Eu, tenho pra mim, que é mais uma visão do meu futuro — cochichou. 

Angelina com o vento açoitando em seus cabelos e a voz um pouco engasgada, questionou:

— Como é isso?

— Eu sei que pode considerar uma loucura, mas eu acho mesmo que vi meu futuro marido em meus sonhos. — A Srta. Brown suspirou sonhadora.

Angelina emudeceu, sem saber o que poderia dizer sobre aquele relato.

— Ele era belíssimo! — a Srta. Brown entrelaçou as mãos, mirou o seu com sorriso no olhos e começou a declaração sobre sua utopia. — Seus cabelos eram loiros, seus olhos azuis como esse oceano — apontou para o mar a sua frente — alto e muito forte. Ele me dizia palavras doces e amáveis nas noites frias — a menina concluiu a fala com um leve toque de emoção e abraçando a si mesma.

— Eu espero que seu sonho se realize, Emily. — Angelina não sabia o que poderia expressar depois de toda aquela manifestação de sonhos e sentimentos de euforia sobre o futuro. Escolheu então seguir pelo lado do senso comum.

Emily balançou a cabeça concordando.

— Para onde está indo? — Emily indagou em sua curiosidade.

— Para nenhum lugar específico. —  Angelina prendeu os lábios, com amargor no coração, por ter mentido.

— Será que posso acompanhá-la? — A moçinha não reparou o fato da Srta. Jones está incomodada com sua persistência de se manter junto a ela.

— Eu... — pensou em como poderia se apartar dela sem precisar ser rude. — Não é um passeio com aventuras. Somente passos lentos para encontrar alívio para meus pensamentos alterados estes tempos.

— Eu compreendo. — A filha do comerciante suspirou. — E, por isso, minha aspiração é caminhar com você. Meus dias são sempre passados com meu pai e seus modos masculinos, anseio por uma companhia feminina — insistiu.

A respiração de Angelina se alterou com a vontade pertinente de Emily. Oh, só Deus para socorrê-la! E como se sua breve petição corresse na velocidade da luz aos ouvidos do Ser Divino, logo foram respondidas.

— Emily! — uma voz feminina bradou pela praia.

As duas viraram-se em direção ao ruído distante.

— Louise! — Emily gritou com alegria e saiu em disparada rumo a sua melhor amiga, de curvas abundantes e sorriso largo.

De longe, Angelina avistou ambas se abraçarem e com um aceno de mão de despediu das duas. Soltou o ar em alívio e murmurou um agradecimento aos céus. Voltando, com calma, ao seu trajeto em direção a caverna.

Ao adentrar no espaço onde o homem se recuperava, Angelina pôs mais umas lenhas na fogueira para o fogo não se apagar.  Ela deveria ser rápida em seus preparos, pois a Sra. Nagael não podia acompanhá-la naquela manhã, e não desejava ficar a sós por muito tempo com um homem. Mesmo estando ele inerte.

Jogou fora a água do dia anterior e repôs a vasilha com uma fresca. Verificou o ferimento, praticamente, curado por completo e fez um novo curativo. Em seguida molhou o pano de algodão na água para limpá-lo da poeira e areia que ficavam em sua pele por causa do vento.

— Será que um dia você irá acordar? — Angelina perguntou para o homem paralisado no seu inconsciente.

Enquanto continuava o serviço de cuidar daquele náufrago, uma melodia entoou em seus lábios. Uma canção antiga de ninar que sua mãe cantava para ela todas as noites. Algumas lágrimas escorreram pelo rosto da bela jovem ao sentir as lembranças infantis sendo despertadas.

Angelina finalizou seu serviço em favor do ferido e, após isso, juntou todos seus pertences. Antes de partir, ela o fitou novamente, segurou na mão dele, que estava sobre o corpo e fez uma breve oração, pedindo a Deus misericórdia para que aquele homem viesse a despertar. Seus familiares deveriam sentir sua falta.

O "Amém" ainda nem havia sido pronunciado quando Angelina sentiu um toque mais forte em suas mãos. Naquele momento, ele abriu os olhos.

Benigna Onde histórias criam vida. Descubra agora