Como um mar agitado assim refletia os olhos azuis do homem. Eles pareciam perdidos no horizonte, tentando se encontrar. A visão turva o impedia de enxergar nitidamente alguém a sua frente, mas a sensação era de familiaridade ao ouvir o timbre da voz que exclamava com euforia:
— Você acordou! Louvado seja Deus!
— A... A... — A língua lhe pesava dentro da boca, não o deixando expressar sua necessidade naquele instante. Tentou mais uma vez: — Ag...
Angelina, com uma esperta percepção, entendeu o murmúrio das palavras.
— Água? Você quer água?
Ele balançou a cabeça positivamente.
— Mas é claro! — Com rapidez, ela tomou a vasilha com água nas mãos e apoiando a cabeça dele o fez beber.
Ele sorveu o líquido com avidez, como se há anos estivesse percorrendo um deserto arenoso e agora havia encontrado uma fonte de vida. Ao terminar, voltou a sua posição de descanso e fechou os olhos novamente. Dentro de sua cabeça parecia haver uma agulha cutucando seu cérebro de modo agoniante.
— Essa dor vai passar com o tempo — Angelina declarou como se estivesse sentindo o mesmo.
Ele apertou os olhos, esperando que aquela ação lhe aliviasse da dor latejante. Sem esperar sentiu um pano com água fria em sua testa. Ao abrir os olhos, observou as ações daquela jovem mulher em seu favor. E como quem tivesse encontrado algo, enfim, achou sua voz.
— Quem é você? — perguntou.
Angelina fitou-o e despreocupada sentou-se numa pedra que ficava não muito distante dele.
— Meu nome é Angelina Jones — respondeu com um sorriso nos lábios. — Encontrei-o desmaiado na praia e desde então tenho cuidado de você.
Ele engoliu em seco ao ouvir a história. Ainda conseguia se lembrar dos sons de tiros que estavam sendo disparado no campo de batalha e da imensa tempestade surrando o navio em que ele se encontrava. O grito dos homens e alarido do marinheiro no cofa; uma perfuração em sua perna levou-o a cambalear pelo convés da embarcação. Suas memórias inundaram sua mente, fazendo-o sofrer ainda mais com sua cabeça dolorida.
— Eu trarei ervas para suas dores — Angelina declarou suas boas intenções. Não gostava de ver alguém padecendo e não poder providenciar algo para atenuar o problema.
Ela ergueu-se de sua posição, alisou a saia com as mãos úmidas e se propôs a sair da caverna, mas a voz grave dele a fez parar.
— Para onde vai? — o homem perguntou em meio a euforia de sua respiração.
— Irei atrás de algumas ervas para ampará-lo em sua dor.
— Não! — Ele umedeceu os lábios e continuou: — Por favor, fique aqui. Eu posso agüentar — disse, fechando os olhos novamente por sentir uma nova pontada.
— Mas... — ela identificou um impacto em seu coração pelo pedido dele. — O que eu faria por você aqui?
— Pode me falar algo... Não sei, mas não quero ficar só. — Aquelas palavras tiraram o chão dos pés de Angelina, provocando-lhe algo desconhecido.
— Tenho uma ideia — ela falou rapidamente, enquanto seguia em direção as suas coisas. — Trouxe um livro! — Mostrou a obra de capa de couro surrado.
— Eu gostaria de ouvir.
Angelina assentiu e retornou a pedra. Folheou o exemplar e com os dedos sensíveis para achar as mais doces palavras já escrita, recitou:
"Vou contar os frutos das ejeções abundantes deles, assim como conto os frutos das ejeções abundantes que eu agora dou. Vou aguardar as colheitas de amor, desde o nascimento, vida, morte, imortalidade, do que planto tão amorosamente agora."*
Ele permanecia de olhos fechados, deleitando-se naquela voz doce e angelical, que lhe trazia conforto a alma agitada e aos pensamentos conturbados. Por uns minutos, tudo ficou em silêncio e somente o som de um fugado fora ouvido no local.
— Porque está chorando? — ele inquiriu ao observar as lágrimas descendo no rosto da bela donzela de tez corada e bochechas avermelhadas.
— São pensamentos bobos — Angelina balançou a cabeça. — Esses versos provocaram em mim sentimentos profundos.
— Eles são sensíveis, de fato! — ele replicou, examinado as expressões suaves da jovem.
— São sim! — Ela limpou o canto de seus olhos e respirou fundo. — Eu gostaria de saber — ela iniciou uma novo diálogo —, como se chama, Sr. Desconhecido.
O homem ficou emudecido por alguns instantes, até declarar:— Meu nome é Nathan Scott, senhorita. Primeiro Tenente das forças armadas de Sua Majestade!
*
Poema do britânico "Walt Whitman"
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Benigna
SpiritualAngelina Jones desejava poder conhecer o mundo e teve sua oportunidade quando junto com sua amiga recebeu a chance de estudar na Capital, numa escola de enfermagem, contudo, um grande imprevisto arruinou seus planos. Ela escolheu ficar e cuidar de s...