NOVE

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O espírito de Emily pareceu desfalecer ao constatar que havia caído nos braços do homem de seus sonhos. Era obra do "Destino", confirmando ainda mais as certezas que cresciam no íntimo. Contudo, o momento mágico se desfez quando Scott firmou os pés dela no chão, tirando-a de seus braços.

— Senhorita, espero que fique bem. — Ele fez um leve aceno e, sem demoras, reiniciou sua caminhada para a barraca devida.

A jovem piscou inúmeras vezes ao perceber que fora tratada de maneira tão seca. Sentiu-se embaraçada por ter sido deixada sozinha em meio ao barulho das pessoas na feira. Outro cavalheiro, certamente, teria se proposto a conduzi-la até em casa ou qualquer lugar mais reservado e avaliar sua condição, mas aquele homem não se importou nenhum pouco com seu bem-estar. Como podia ser? Ela, ainda magoada, sentiu uma mão suave nas costas e reconheceu o timbre da voz de quem lhe falava.

— Filha, você está bem? — Joseph, assim que soube do ocorrido, largou o comércio nas mãos dos empregados e correu para ver a situação de sua preciosidade.

A menina aparentava estar bem fisicamente, mas seus olhos fundos e perdidos no chão de pedra da feira mostravam a tristeza do orgulho ferido.

— Sim, estou — ela declarou com um tom funéreo. — O Sr. Scott me salvou.

— Quem é o Sr. Scott? — o pai perguntou confuso, pois naquele vilarejo não havia nenhum "Scott".

Emily buscou com o olhar o paradeiro de seu salvador e o encontrou, não muito distante, comprando alguns vegetais. Ao apontá-lo, o pai da jovem visualizou o homem de estatura alta e postura ereta, observou o jeito diferente de apreciar da filha em relação ao ser desconhecido. Preocupou-se.

— Deseja mais alguma coisa, senhor? — Na pergunta tão simplória, Scott notou o tom, nada decoroso, da jovem vendedora.

Não pôde deixar de perceber os muitos olhares curiosos em sua direção. Aquelas meninas não eram em nada opostas as outras que encontrava nos vilarejos que passara com o regimento militar. As táticas das formas de falar e andar eram as mesmas. Naquelas horas de ataques femininos, os conselhos da mãe lhe voltavam à mente: "Uma mulher virtuosa não está à disposição de todos e sim escondida debaixo das asas do Senhor. Ache-a e terás encontrado a benção do Criador". Aquela voz maternal em seus ouvidos o ajudou fugir muitas vezes.

— Não preciso de nada mais — respondeu para a moça loira e virou-se para partir da feira, mas seus passos foram impedidos por um homem alto e moreno.

— Sr. Scott? — O homem estendeu a mão.

— Pois não? — Nathan estreitou o olhar, porém aceitou o cumprimento do homem.

— Meu nome é Joseph Brown e essa é minha filha, Srta. Emily Brown. — A jovem que salvara minutos atrás saiu detrás do pai. — Quero agradecê-lo por seu gesto heroico em relação a minha filha. Por favor, diga-me como posso recompensá-lo por tal feito?

— Não é necessário, senhor. — Nathan comprimiu os lábios. — Acho que atitudes gentis devem ser costumeiras aos seres humanos.

— Sábias palavras, Sr. Scott — o imponente comerciante sorriu. — Mas permita-me mostrar a gentileza e o acolhimento do povo de Scarborough Fair — insistiu em mostrar sua nobreza em atos de solidariedade.

— Eu conheço bem a hospitalidade de vocês — ele sorriu levemente. — Agradeço, mas estou bem servido.

Joseph, ao escutar aquilo, não soube o que responder diante dos argumentos de Scott. Nathan supondo que nada mais haveria de ser dito resolveu se retirar, mas Emily tomou a fala.

— Sr. Scott, no sábado teremos a festança da vila. — Umedeceu os lábios e continuou: — Não gostaria de participar conosco? Seria oportuno para que viesse conhecer mais pessoas. — O tom da voz dela denotava esperanças.

Nathan atentou-se para o jeito da menina. Os olhos dela brilhavam em expectativa para sua resposta, as mãos não paravam de esfregar uma na outra, os lábios contraídos e os ombros murchos, demonstravam ansiedade. Era natural para ele esquadrinhar a postura das outras pessoas, pois seu trabalho demandava isso. Então qualquer tentativa de querer esconder dele seus modos fora frustrada, mas Emily não sabia disso.

— Pensarei no assunto, senhorita — disse somente.

A donzela deixou escapar um sonoro pesar diante de tão rude resposta.

— Obrigado mais uma vez — o pai pronunciou, vendo que não conseguiria mais nada do homem. E abraçou Emily ao ver o aborrecimento estampando em sua face.

— Disponha, senhor. — Nathan assentiu para os dois e seguiu seu caminho ao encontro de Angelina.

                                                                                          *

— Perdeu-se no caminho? — Angelina inquiriu ao vê-lo se aproximar da casa.

— Não, apenas tive um imprevisto.

— O que aconteceu? — Ela perguntou enquanto Nathan depositava a cesta de compras sobre a mesa.

— Um porco se soltou e houve um grande alarde, mas conseguiram recuperar o animal — ele contou. Nathan parou por uns instantes, virou-se para Angelina e com olhos semicerrados e perguntou: — Saberia me dizer quem é Joseph Brown?

— Sr. Brown é o comerciante mais afortunado de Scarborough Fair — respondeu a jovem, colocando as verduras numa tigela com água. — Ele tem uma filha chamada...

— Emily Brown — completou Scott. — Eu a conheci hoje.

Angelina o mirou e não soube descrever as expressões faciais de Nathan feita em relação ao nome da moça mais bem quista da pequena cidade.

— Uma bela dama, a Srta. Brown! — ela elogiou, começando a cortar as cenouras.

Nathan não expôs sua opinião sobre os atributos de beleza de Emily.

— Ela disse que haverá uma festa no sábado. É verdade? — desviou o assunto.

— Sim, uma família generosa promoverá o evento antes da chegada do inverno. — A Srta. Jones explicou sem desviar sua atenção do alimento. — Toda a comunidade é convidada a participar.

— Isso parece ser bom!

Angelina nada declarou. Há anos não participava dos festejos da cidade, era sempre um pretexto para ouvir as senhoras dizer como ela era uma solteirona, além de não ser convidada para nenhuma das danças que era promovidas. Cansada daqueles cortejos sociais se enclausurou em sua casa.

— Angelina? — a voz grave de Scott soou bem perto dela, despertando-a dos pensamentos sombrios.

Ela lentamente elevou seu olhar para ele e seus olhos azuis se arregalaram ao contemplá-lo com uma rosa em mãos.

— Gostaria de ter sua companhia no sábado — estendeu a rosa para ela. — Aceita ir comigo? 

Benigna Onde histórias criam vida. Descubra agora