QUINZE

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O Sr. Joseph, assim que deixara a sua filha, seguiu para a sala principal para conversar com os dois hóspedes de sua residência, enquanto se aproximava escutou uma conversa interessante entre os cavalheiros, que se achavam entretidos no jogo de pôquer. Ao invés de interrompê-los decidiu escutá-los.

— Na próxima semana, eles devem estar chegando.

— Certamente recrutarão outros jovens — Ian Turner declarou ao colega de profissão. — A guerra no Leste tem se intensificado e muitos homens perderam a vida. O exército teve uma grande baixa.

— Mais mulheres perderão seus noivos, maridos, filhos e netos. Essa maldita guerra parece que não terá fim — esbravejou Josh.

Ele era testemunha de quantos lamentos e traumas famílias carregavam, enquanto partiam sem direção, apenas no intuito de salva a vida dos horrores da guerra, esta que já nem se podia saber se valia a pena preservar.

— Aquele seu amigo me parece familiar, Ian — Josh disse, analisando o rumo do jogo.

— Que amigo? — questionou Ian, com uma sobrancelha erguida.

— Oras, não conversou no festejo com um homem? Iria lhe falar antes, porém, os afazeres fizeram me esquecer por um tempo — explicou o médico, tirando mais uma carta.

— Oh, sim! Mas de onde se lembra de vê-lo? — o jovem perguntou.

— Não faço ideia! Contudo, seus traços não me são desconhecidos.

— Ele estava entre os náufragos desaparecidos nos jornais da Capital — revelou o jovem médico.

— É claro! — exclamou Josh, lembrando-se claramente de ver o autorretrato do homem. — Qual o nome dele?

— Nathan Scott.

— Ora, mas não seria ele o tenente que caiu no mar? Céus! — O homem mais velho lembrou-se dos relatos expostos naquelas páginas amarelas de jornal.

— Sim, é ele. — Ian sorriu ao ver o jogo montado em suas mãos.

O Sr. Brown, escutando a distância, empolgou-se ainda mais ao saber sobre o tal Sr. Scott. Um homem de origem misteriosa e também dado a pouca socialização, mas, sabendo agora sobre sua posição nas forças armadas de Sua Majestade, teve-o por maior consideração.

— Ele sabe sobre a chegada do exército? — O médico inquiriu, semicerrando o olhar para as cartas diante de si.

— Eu avisei rapidamente no festejo, porém, ele pediu-me para manter esse assunto reservado.

— E por que este desejo?

— Não perguntei o motivo, mas respeitei sua decisão. Todavia, receio que seja pela jovem que o acompanhava, parecia-me que desejava poupá-la de tal notícia, mas deveras ter sido somente uma impressão — Ian explicou, o talvez, motivo de Nathan.

Sr. Brown ampliou sua atenção para tentar descobrir qual era a dama que acompanhara o Sr. Scott no festejo.

— A senhorita que o acompanhava era de uma formosura divina, nunca vi alguém de rosto tão angelical — declarou Josh num momento.

— O nome faz jus à beleza: Angelina — Ian, ao pronunciar o nome da moça, não notou como Josh dispôs de muita atenção para ouvi-lo. — E os militares levarão Nathan — declarou, como se houvesse ouvido os questionamentos internos do Sr. Joseph e assim os respondidos.

— A vida de um militar nunca é fácil. — Foi o que Josh disse, antes de dar sua cartada final. — Ganhei!

Ian Turner não se abalou diante do oponente cantando a vitória.

— Um belo jogo, meu caro — disse, observando um Full House sobre a mesa. — Mas não pode superar isso.

Josh Brown vira sua alegria se esvanecer ao contemplar um Royal Flash nas mãos do amigo. Triste ilusão! Certamente, não saíra triunfante naquela noite. O Sr. Joseph, vendo que os cavalheiros finalizaram a partida, resolveu não mais comunicá-los de sua presença, sendo assim, logo se retirou, examinando atentamente aqueles relatos escutados.

*

A luz do sol banhava todas as montanhas que rodeavam Scarborough Fair, trazendo um amanhecer divino e iluminando logo bem cedo os belos olhos azuis de Angelina, que estendia as roupas molhadas sob o clima quente daquela manhã. A jovem cantarolava uma melodia conhecida enquanto fazia seus afazeres diários, contudo, uma alegria perene repousava sobre o coração e um doce encanto lhe inspirava ainda mais a usar de sua voz afinada. A semana que passara fora repleta de convivência com o Sr. Scott, nunca fora tão assistida e estimada como por aquele homem, mesmo lutando, podia se ver sendo enlaçada por um sentimento tranquilo. Os dias ganharam novas cores e as tardes à beira do mar tornaram-se mágicas. Até mesmo as tarefas diárias eram mais leves e acentuava grande alegria e satisfação. Ah, o amor!

Após recolher algumas frutas e hortaliças, entrou em casa a fim de preparar o almoço, planejava fazer bolo de carne acompanhado de batatas cozidas e uma refrescante cidra de maça. De fato, o início de sua manhã percorrera-se calmamente até ouvir um som estranho vindo da parte superior da casa. O que poderia ser? Angelina subiu imediatamente para o quarto da mãe, os olhos se arregalaram ao ver a mulher caída no chão, urrando algo incompreensível. Era um gemido penoso e lamurioso. Ela ainda debatia-se e agitava-se de sobremaneira, feria a si mesmo os braços. Angelina apressou os passos para junto da mãe, contudo, a mulher berrou muitíssimo, quase impedindo a filha de lhe prestar socorro.

— Mamãe, por favor! — Angelina disse.

No entanto, ela agiu conforme já aprendera com as crises anteriores. Colocou travesseiros no chão ao redor da cabeça da mãe, para que não se machucasse, torceu o lençol da cama e, com destreza, segurou os braços da mulher, para que não se batesse mais, prendendo-os entre o lençol. A senhora esperneou mais, contudo, a filha sentou-se ao lado dela e passou as mãos sobre os cabelos ruivos e finos de sua genitora, entoou uma melodia antiga e costumeira para a mãe a fim de acalmá-la. De início, a Sra. Jones não se atentou a canção, entretanto, após uns minutos a mais, uma quietação tomou-lhe de conta e sossegou. Os olhos azuis dela estavam estatelados nas vigas do teto, algo parecia envolvê-la a um passado distante. Fez-se, então, um silêncio profundo naquele cômodo.
Após conseguir frear o surto da mãe, Angelina desceu novamente e preparou um chá de ervas para ajudá-la a dormir tranquilamente. Com os olhos fundos e uma imensa vontade chorar, a jovem tratou da mãe. Depois de pronto o líquido esverdeado, seguiu ao encontro da mulher e lhe deu de beber. Observando a aparência triste da mãe, lembrou-se de como no passado algumas pessoas do vilarejo quiseram pôr fim a vida da Sra. Jones, achavam que ela possuía algum espírito maligno, quando no meio da feira caiu ao chão e fizera a mesma cena, debatendo-se. Angelina lutou bravamente pela vida de sua genitora, e assim, isolou-a em casa pelo resto dos seus dias. Não se podia dizer que era a melhor solução, porém, não havia outra. Amava a mãe mais do que tudo, porém, por vezes sentia-se esmagada pelas dificuldades, por aquela doença invisível e tão poderosa, que lhe rouba a alegria. Um versículo lhe veio a mente: “Alegrai-vos sempre, no Senhor. Outra vez vos digo: Alegrai-vos, no Senhor.” Das profundezas do coração, disse a Deus: “Perdão, Senhor, mas hoje não consigo alegrar-me!” Angelina entreviu a afeição de Eva e acariciou seu rosto, depositou ali um casto beijo, e novamente repetiu sua promessa:

— Não a deixarei. Nem que para sempre negue a mim mesma!

Ao deixar a genitora no mundo dos sonhos e paz, ela desceu as escadas e sentia-se exausta de tudo. Mirou os alimentos sobre a mesa e voltou-se a eles. Seu trato era passivo e angustiante, tal qual sua alma. De repente, ouviu uma batida sobre a porta de madeira. Ela, de olhos vermelhos, abriu e deparou-se com a figura mais improvável diante de si.

— Sr. Brown? — indagou incrédula. — O que deseja?

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