Capítulo Trinta e Um

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Ettore teve o cuidado de poupar alguns detalhes durante sua conversa com D'auvergne, como havia prometido para Blanche. No momento certo, saberia lidar com a situação e lhe diria toda a verdade sobre seu deplorável comportamento. Sabia que, se fosse o causador de um novo ataque cardíaco em Oswald, Blanche jamais o perdoaria.

Durante uma hora inteira descreveu em detalhes os momentos de horror vividos pelo casal, assim como sua viagem na tarde anterior, onde havia tomado conhecimento de todo trabalho social realizado pela Editora.

Oswald se abriu, e falou com orgulho sobre o trabalho social financiado pela iniciativa de sua filha. E Ettore não pode deixar de sentir-se orgulhoso da mulher que, em meio ao seu ódio juramentado, começava a descobrir.

Em silêncio, orou por sua mulher, não se lembrando da última vez que tivera a coragem de implorar a Deus para que não o continuasse punindo com mais perdas. Sequer sabia se ainda lembrava-se de como era orar. Mas, desta vez, não pediu por ele. Pediu pelo pai que não podia sofrer mais uma perda por sua culpa, pela filha que merecia ter o sonho de ser mãe, realizado. E pelo filho que precisava de uma mãe, tanto quando ele precisava da mulher que, sem o menor esforço, apresentou-lhe uma vida pela qual valia a pena lutar.

Oswald levou a mão ao coração, e foi então que Ettore viu as marcas de fadiga por trás daquela fachada impecável. Então, levantou-se e o ajudou a fazer o mesmo. E respirou aliviado quando o mesmo disse-lhe que estava a sentir-se bem. No entanto, o médico recomendou-lhe descansar.

Quando retornaram para a sala de espera, na companhia de uma enfermeira, Charlotte apressou-se em ampará-lo. Lorenzo juntou-se a eles, com Benjamin dormindo em seus braços, e ofereceu-se para acompanhá-lo até a casa. E então, Ettore o instruiu a acomodá-los em sua própria casa, onde seu filho e seu sogro teriam todo acompanhamento necessário para o bem-estar de ambos.

Quando Oswald se preparava para ir embora, Ethan Beaumont ressurgiu na sala de espera, informando-os da transferência de Blanche para a UTI. O homem de meia idade crivou o médico de perguntas sobre a evolução do quadro de saúde de sua filha e, durante a conversa, ambos concordaram que Ettore devia ser o primeiro a ver Blanche, o que o deixou agradecido. Entrar sozinho em um quarto todo esterilizado, onde, na cama gradeada, via-se a silhueta da mulher sempre tão cheia de vida, forte e dona de uma personalidade brilhante. Só isso já era ruim o bastante, mas desnudar suas próprias inseguranças em público, mais uma vez, só agravaria a situação.

Ettore precisava daquele momento sozinho com a mulher que amava. Precisava de seu perdão.

Ettore aproximou-se do leito em silêncio, registrando com a mente uma máquina encostada na parede e múltiplos suportes de soro intravenoso ao lado da cama. Mas seus olhos não demoraram a encontrar o rosto de Blanche e fixar-se nele. O médico havia descrito seu estado de saúde com precisão absoluta. E, mesmo sob a luz fraca do quarto, ele notou que, em volta de uma esfoladura em carne viva, o lado esquerdo do rosto inchara e começou a ficar roxo. Nela, tudo o que se via era uma infinidade de cortes expostos e hematomas roxos em sua pele oliva.

Blanche tinha os olhos cerrados, marcados por olheiras roxas, os lábios pálidos e a pele lívida.

Ettore sentiu o coração parar de bater por um segundo. Tomou-lhe a mão mais próxima, a direita. Os dedos não respondiam-lhe seus toques, e a pele estava gelada. Mas, com todo o cuidado que possuía, envolveu-a com a sua.

— Blanche? — chamou, baixinho. — Sou eu, meu amor, Ettore.

Ela continuou dormindo.

— Meu amor? Está me ouvindo? — Ettore engoliu em seco. — Por favor, meu amor.

Mas ela não se moveu, nem deu qualquer sinal de tê-lo escutado.

Ettore ergueu a mão de Blanche, então beijou-a e levou-a ao peito. Com um leve movimento, encostou-a à altura de seu coração.

— Está sentindo? — Os batimentos eram fortes e acelerados. — Está assim desde que recebi a ligação de seu pai, meu amor. Sentir que poderia perdê-la foi a pior sensação do mundo. Esta noite foi quase tão horrível quanto àquela em que perdemos Elora e Bryan, mas desta vez, eu não saberia viver em um mundo sem você. Benjamin também precisa de você.

Ela permanecia imóvel e em silêncio.

— Acorde, Blanche. — ele implorou, apavorado. — Eu preciso saber como está se sentindo. Eu preciso que me perdoe por tê-la feito sofrer, meu amor. — ele disse, numa salmodia meio frenética. — Eu preciso que você saiba que eu desejo passar o resto dos meus dias ao teu lado, Blanche Leroy D'auvergne.

Como ela continuou em silêncio, ele sentiu-se frustrado. Frustrado por não tê-la protegido como deveria. Mas, principalmente por não conseguir despertá-la. Frustrado também porque as mágoas e as rusgas do passado desfizeram-se no ar diante daquela situação crítica, mas não podia lhe dizer isso, caso houvesse a possibilidade dela escutá-lo. Blanche era uma mulher obstinada, mas que se preocupava muito com os outros. E, agora era ela, quem precisava de todos esses cuidados.

Ettore lembrou-se de sua irmã. Elora era quase tão compassiva quanto sua mulher, quase tão bonita e inteligente quanto. Mas nem de longe tão cheia de vida e abnegada quanto era Blanche. Sempre perderia em comparação.

Sentindo-se inútil e de repente mais exausto do que imaginara ser possível alguém se sentir, disse:

— Eu não vou desistir de nós dois, meu amor. Por favor, Benjamin e eu, precisamos de você. Acorde, meu amor, e eu prometo que nós vamos vencer o medo de nos querermos juntos, apesar de todos os meus erros. E, mesmo que você me diga não, nosso filho e eu, passaremos os restos das nossas vidas te fazendo acreditar que você é o amor das nossas vidas.

Com toda atenção, examinou as pálpebras de Blanche, à procura do mínimo movimento. E nada. Abatido, reconduziu sua mão inerte à posição anterior, pousando-a cuidadosamente sobre o lençol engomado do hospital. Então, curvou-se e deu-lhe um beijo breve nos lábios, acariciando com delicadeza a lateral de seu rosto.

Eu vou ficar aqui, esperando por você, até que esteja pronta para me perdoar, meu amor. 

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