Prólogo

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Mônaco

Acabado.

Estava tudo acabado.

Todo dinheiro de Bryan foi gasto há muito tempo nos Cassinos Montalbán, em Mônaco. Só no último ano, também perdeu o apartamento de Londres, a mansão na Ville de France e a Ferrari vermelha que havia ganhado de presente de seu pai.

Tudo perdido no simples giro de uma roleta.

E ele não conseguia se controlar. Era uma doença. E sabia que era. Mas por mais que tentasse, não conseguia se curar.

Naquela noite perdeu a única coisa que sempre jurou nunca apostar, e sua atitude impulsiva e desesperada, deixou a família em uma situação delicada.

Deus!

Respirou fundo e suas mãos se crisparam no volante do veículo que ele guiava, um carro alugado. Não tinha mais dinheiro para comprar um e dirigia quase que por instinto, enquanto manobrava as curvas da estrada sinuosa que o levava para longe de Monte Carlo.

Se recusava a pensar que depois de ter perdido tudo que possuía para Ettore Montalbán De La Guardia, também o enriquecera mais, se indignando a alugar-lhe um veículo miserável como o que guiava no momento.

O cintilante azul cobalto do Mediterrâneo logo abaixo era um convite tentador. Talvez fosse a única coisa certa e digna a ser feita. Afinal, estava morto há muito tempo quando se tornou um escravo de seu vício.

Há muitos meses o Montalbán Casino em Monte Carlo se tornara seu paraíso e também o seu inferno. Sentia-se atraído por aquele lugar como uma abelha que era atraída pelo pólen. Era uma viagem que, apesar dos seus esforços para lutar contra o desejo, voltaria a fazer naquela noite, quando a febre do vício se tornasse insuportável, fazendo-o voltar mais uma vez à fascinação das mesas de jogo.

Mas como poderia enfrentar o pai e sua irmã, Blanche, para lhes contar o que havia feito?

Como explicar sua traição?

Bryan sabia que não podia causar esse desgosto ao pai. Afinal, depois de toda a dor de cabeça que já lhes causara, de fato não podia! Tentou conter as lágrimas enquanto o azul cobalto do mar Mediterrâneo reluzia como a única resposta plausível ao seu desespero.

E aquele mar azul silencioso parecia tão tentador...

Uma promessa silenciosa de que sua alma atormentada encontraria paz.

Respirou profundamente e deixou-se levar. Trouxe a memória o tom melodioso de sua mãe, Carmem, acalmando-o como na infância. A alegria eufórica em campo nos jogos de Polo ao lado do pai, Oswald. E os abraços reconfortantes de Blanche, a irmã que tanto amava. Talvez fosse melhor não virar o volante na próxima curva. Talvez aquela fosse a resposta para sua doença, como uma febre em seu sangue, atraindo-o repetidas vezes para os braços da Dama da Sorte.

Uma dama que já o havia abandonado completamente...


(...)


Acabado.

Estava tudo acabado.

Elora sentiu ódio. Amou, entregou-se e de nada adiantou. Não havia nada mais doloroso que não ser correspondida. Sentiu-se tomada pela vergonha e soube que jamais voltaria confiar em homem nenhum que lhe jurasse amor.

Todas as suas esperanças e sonhos não significavam nada agora que sabia que Andrew nunca havia amado-a. Por certo, ele jamais tivera a intenção de deixar a esposa para ficar com ela. Acreditara, um ano atrás, quando ele disse que a amava, não se importando com o fato de ele ser um homem casado; pois só queria estar a seu lado, amá-lo e ser amada por ele.


Estava certa de que o filho dos dois, que nascera dois meses atrás, seria o estímulo necessário para que ele deixasse a mulher. Mas, em vez disso, o covarde preferiu confessar tudo à esposa, implorar-lhe perdão e ficar ao seu lado.

Benjamin, seu pobre filhinho.

Elora havia ignorado todos os seus princípios por um homem que nunca chegou amá-la e nem ao seu filho. Tornou-se a amante que jurou que jamais se tornaria. E apaixonou-se por um homem que a fez se perder em meio às suas próprias convicções. Ela era motivo de vergonha. Permitiu-se chorar e expurgar toda a dor que corróia o seu coração dilacerado.

Havia desgraçado a vida da família, trazendo aquela criança ao mundo. Escondendo de Ettore, seu irmão, a paternidade de seu bebê. E tudo isso por nada. Acreditava que em breve formaria a sua própria família. Porém, Andrew, não a amava. Seu coração, se é que possuía um, pertencia a outra mulher.

Na noite anterior, deitada em seus braços, após terem feito amor, implora-lhe que ficasse com ela e a criança, mas ele preferiu lhe contar a verdade, que jamais a amara. E que jamais sentiria nada além de desejo por ela e que ela havia sido apenas um passatempo. Apenas outra conquista em sua longa lista de casos extraconjugais.

Lágrimas rolavam-lhe pela face, enquanto dirigia ao longo da estrada sinuosa que a levava de volta a Monte Carlo e ao hotel que sua família possuía.

Voltava para o seu filho. Seu lindo filhinho sem pai.

Tomada pelo ódio e por um sentimento de vergonha jamais experimentado antes, pensou por um segundo que o menino ficaria melhor sem ela! Presumiu também que o amor enlouquecia as pessoas. Por amor, tornara-se uma espécie de animal irracional. E foi só nesse momento que compreendeu que era essa a sua sina, por ter amado alguém que nunca seria seu e por ter ignorado o sofrimento da mulher que o aguardava em sua cama, noite após noite, enquanto ocupava seu lugar nos braços daquele ser tão desprezível quanto ela.

Seu coração estava partido e sabia que jamais se recuperaria. Se partisse deste mundo, o irmão, Ettore, cuidaria de Benjamin, o protegeria do estigma relacionado ao seu nascimento, o amaria como se fosse seu, educando-o, de forma que nada e ninguém pudessem feri-lo como ela própria havia feito.

Mas seria capaz de tal ato? De pôr fim à dor da rejeição que Andrew lhe causara? Haveria perdão pelos seus atos e sua grave falha de caráter? As mentiras daquele homem a levaram àquele estado de desespero. Sua traição absoluta a um amor que ela julgara tão belo e perfeito...

Sim, assentiu, enquanto olhava para o convidativo mar Mediterrâneo cintilando e acenando tão tentadoramente, como um diamante, embaixo dela.

Sim, seria capaz.

Poderia guiar o carro até a extremidade do precipício e terminar de uma vez por todas com aquela dor...

...

Bryan não fazia a mínima ideia de que havia um carro se aproximando na direção contrária.

Era assim que a vida realmente acabava?

Os pensamentos na mente de Elora silenciaram no momento que a luz do farol do outro carro iluminou o seu olhar. Só houve tempo para perceber que nenhum dos dois tentou virar a curva na estrada.

Era assim que a vida realmente acabava?

Os dois veículos colidiram, chocando-se com um enorme ruído metálico. Zonzo com o impacto, a última coisa que foi capaz de fazer foi se virar e olhar para a motorista do outro carro, notando a beleza deslumbrante da face da jovem mulher. Imaginou quem teria tido a coragem de fazê-la chorar. Ela o fitou de volta com os olhos azuis translúcidos e completamente banhado por lágrimas com verdadeiro assombro. Benjamin foi a última palavra pronunciada por seus lábios. E então os dois veículos começaram a cair, mergulhando no precipício, em direção à profundidade fascinante do mar Mediterrâneo... Houve silêncio e, finalmente, houve paz. 

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