O que está acontecendo

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Rafaella andava na sala de seu escritório de um lado para o outro, agitada. Ora passava as mãos nos cabelos, ora bufava angustiada, ora soltava o corpo em sua cadeira e fitava o teto branco da sala. Sua inquietude tinha nome: Bianca Andrade. Desde o dia na Pedra da Gávea em que Bianca deitou a cabeça em seu ombro ela não conseguia parar de pensar no cheiro que ela tinha, na maciez de seus cabelos negros, no contato do rosto dela em seu ombro e os arrepios que sentiu diante disso. Sonhara com Bianca nas noites seguintes.

Já quase fim de semana e ela não tinha coragem de falar com a Andrade. Sequer conseguiu começar a montar seu perfil de noiva, com base em todas as perguntas que fez a ela enquanto riam de suas dúvidas na Gávea.

Rafaella se lembrou de tudo. Lembrou-se dela dizendo que sua cor favorita era verde, que adorava o mar e o por do sol, que queria aprender a tocar violão um dia... A cena vinha em sua cabeça repentinamente e ela não tinha com quem conversar a respeito. Sua melhor amiga havia se mudado para França para fazer uma pós- graduação. Seu irmão Renato também estava fora do país. Era um médico renomado, especialista em Oncologia Pediátrica. E seus pais? Não, ela não poderia contar para eles. Apesar de aceitarem sua sexualidade eles haviam sofrido muito pelo último relacionamento dela. Desabada na cadeira, Rafaella mergulhou em seus pensamentos. Lembrou- se de seu casamento de cinco anos que havia terminado após uma dura traição que atingiu toda a família. Desde então, as festas familiares eram raras e difíceis para ela.

Sem que ela pudesse controlar, seus olhos ficaram marejados em lágrimas e logo chorou em silêncio com as lembranças que ainda doíam. Tinha jurado para si mesma que não ia mais se apaixonar de novo por ninguém e estava cumprindo essa promessa, até que aqueles olhos azuis começaram a tirar seu sono. Sua cabeça girava e doía. Como ela poderia se envolver com alguém assim? Bianca era noiva, até onde ela sabia heterossexual e a contratou para organizar o casamento dela. Era impossível! Mas impossível seria Rafaella conviver com ela se se deixasse levar pelo sentimento que insistia em crescer em seu peito. Não queria mais sofrer depois do que houve. E tinha ciência que persistindo, seria inevitável o sofrimento. Pensou em se afastar, mas o que diria a Bianca? "Desculpe, não posso mais organizar seu casamento porque me sinto perdidamente atraída por você!" Ridículo! Pensou. Ela era a organizadora mais conceituada da cidade e sempre se orgulhou pela perfeição de seu trabalho e pela sua ética. Iria de encontro a tudo que sempre presou se insistisse nessa história.

Levantou novamente andando inquieta. Lembrou-se de Mari e Manu, que conhecera no domingo. Das coisas que Manu disse a ela. Havia se aproximado muito delas, mesmo em tão pouco tempo. Sentiu aquela afinidade instantânea, que a gente sente às vezes quando conhece alguém e parece que já conhecia faz tempo. Discou o número da casa delas que Manu havia lhe dado por mensagem. Nem percebeu que ainda chorava e sua voz assustou Manuela.

- Alô?

- Oi é a Rafaella .

- Rafaella ?! Que houve?! Porque chora? Mari ouviu o espanto da esposa e se aproximou dela preocupada com a conversa.

- Eu... não... não estou chorando. Ficou constrangida.

- Não, eu que estou! Me diz logo o que houve mulher!! Sua voz tinha o tom preocupado. Manu também sentiu uma grande afinidade com Rafaella e de uma forma engraçada, quase irônica, Mari sentiu o mesmo por Bianca.

- Nada, eu só, liguei para saber como estavam. Mentiu.

- Rafa dá um tempo hein!! Nem tenta me enrolar que não rola viu? Você tá precisando conversar né? A espontaneidade de Manuela fez Rafaella sorrir. A amiga que estava na França tinha o jeito muito parecido. Ela gostava de pessoas assim, diretas.

- É, estou.

- Anota meu endereço aí. Mari está fazendo panquecas você gosta?

- Adoro, mas não quero incomodar indo assim de última hora. Marcamos outra coisa mais tarde pode ser?

- Vou fingir que não ouvi ok? Anota aí e vem logo pra cá.

Rafaella riu de novo e anotou o endereço. Ficou animada de repente. Faria bem desabafar. Quem sabe assim colocando o que sentia pra fora não parava de pensar naqueles olhos azuis?

******

Depois de uma reunião exaustiva, Dani estava morrendo de fome e convidou a amiga para almoçar. Bianca pensou em não ir, mas acabou aceitando. Dani a levou para um restaurante no centro. Estavam muito perto do prédio onde Isabel trabalhava. Fazia alguns dias que a organizadora nada dizia. Nenhum e-mail, telefonema ou pista do próximo encontro. Bianca se viu irritada e ansiosa com o desaparecimento dela. Às vezes achava que era ansiedade pelo casamento e às vezes achava que era por vê-la, pela companhia dela. "Só posso estar louca" Repetia pra si mesma todas as vezes que considerava essa possibilidade.
Estava olhando a Av. Rio branco totalmente fora de órbita. Esqueceu até que Dani estava à sua frente. Não ouviu quando o garçom chegou perguntando o que ela queria e Dani ficou desconcertada, quase atônita. Nunca tinha visto sua amiga assim tão área. Sabendo dos seus gostos, pediu para ela um espaguete com frutos do mar. Ficou em silêncio observando o olhar perdido de Bianca. Pensou se deveria tirá-la de seus pensamentos e no fim achou melhor aguardar. Andrade só saiu do transe quando o garçom chegou ao seu lado e colocou o prato à sua frente. Olhou para Dani meio que espantada.

- Nossa, porque não me deixou pedir? Ela realmente não havia entendido nada. Sua feição era de espanto.

- Eu faria isso se tivesse com a alma presente no restaurante Sra Andrade! Dani respondeu ironicamente, tentando trazer a amiga para si.

- Como?!

- Bia o que está acontecendo? Você está há mais de 15 minutos olhando para rua totalmente inerte! Tem noção? O garçom te chamou e você simplesmente não ouviu! Posso trocar o prato se quiser...

- Não... eu... adoro esse prato! Riu sem graça, constrangida.

- Eu sei! Não vai me dizer o que está acontecendo Bianca?

- Eu... não... Não é nada amiga! Eu só estou estressada, minha vida está de pernas pro ar! A empresa não dá sossego e Tomas insiste em não entender isso. Diz que não dou atenção pra ele. Eu ando meio irritada, meio que discutimos ontem. E ainda tem a organização do casamento! Esbravejou.

- Ei calma! Isso tudo vai passar! E você disse que foi ótimo o passeio na Gávea... né?

Bianca se lembrou de Rafaella de repente. Às vezes ela tinha impressão de sentir o perfume dela quando acordava. Corou como se a amiga estivesse lendo seu pensamento.

- Bia tem algo que queira me dizer? Dani fitou os olhos da amiga. Ela tinha a sensação que havia algo escondido dentro dela e sendo reservada como era não seria nenhuma novidade.

- Já disse que não... O coração de Bianca estava apertado.

- Está bem. Não vou insistir... Olha você sabe que pode me contar tudo né?
Dani falou de um jeito que desarmou Andrade. Parecia que ela sabia o que a incomodava. Teve vontade de dizer que estava irritada porque Isabel sumiu e que estranhamente sentia...
"Falta dela" Pensou.

- Eu sei amiga, Obrigada! Sorriu.

- Então vamos comer que estou varada de fome!Riram.

O almoço correu tranquilo. Quando Dani
levantou para pagar, Bianca novamente olhou para Avenida Rio Branco dando espaço a seus pensamentos. Primeiro achou que era uma miragem, mas seu coração acelerou no peito de uma forma que a fez acreditar. Rafaella andava em direção a um estacionamento. Estava de calça de giz preta, uma blusa branca de seda com decote que realçava seu colo, os cabelos de mel soltos e caindo em seus ombros. Usava óculos escuros. Abriu um sorriso para um senhor que parecia ser o manobrista e entregou a chave a ele. Ficou parada aguardando o carro do lado de fora. Andrade quase não respirava olhando-a hipnotizada. O coração ainda mais acelerado. "Nossa ela está linda" Pensou. Em seguida "Mas o que esta acontecendo comigo?" Ficou nervosa. Muito nervosa.

Rafaella entrou no carro e saiu em seguida. Bianca sentiu vontade de atravessar a rua enquanto ela esperava, de ligar pra ver a reação dela e até de segui-la para ver aonde ela iria. Mas ficou imóvel com o coração pulando no peito.
"O que está acontecendo comigo?" Ficou se questionando por um tempo até que Dani apareceu, tirando-a de seu transe.

CAMINHOS DO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora