Recomeços

523 40 0
                                    

POV NARRADOR
A vida é feita de capítulos, como um livro em branco que vai sendo preenchido em tempo real, o que a torna um livro mágico ou para os céticos um livro aberto. Qualquer livro comum, que se leia para os filhos ou para si mesmo não possui um verdadeiro futuro. Você pode ler o final antes mesmo de começar a história. Mas não na vida. O livro da vida é preenchido letra por letra, frase por frase, página por página até que finalmente um capítulo termine e outro novo se inicie. Há capítulos mais longos e outros mais curtos. Capítulos cuja essência perdura por anos. Onde aquele evento mal resolvido está sempre implícito nos eventos seguintes da vida. Atrasando a felicidade ou simplesmente impedindo que ela sobressaia.

O personagem principal, que é você, pode modificar-se a todo momento. Os eventos acontecem e a maneira como se lida com eles podem transformar efetivamente você. E é nesses momentos em que refletimos. Geralmente um conflito, uma dor muito grande ou uma situação extrema faz com que você olhe para si e recomece a ler o livro da sua vida. Você recomeça o primeiro capítulo, relendo em suas lembranças o tempo onde tudo que você tinha era um mundo de sonhos e fantasias. Onde a sua preocupação enquanto criança era "qual desenho vou assistir" ou "qual doce vou comer" ou "qual brincadeira vou jogar primeiro". São os capítulos mágicos, escritos na inocência, onde tudo é possível. Onde o mundo é colorido e onde não se tem responsabilidades. Onde as maldades não atormentam.

Você continua avançando no livro, ainda com um sorriso bobo e nostálgico no rosto, lembrando da sua primeira professora – que pode ter sido sua primeira paixão, ou não – e do seu melhor amigo – que ainda pode fazer parte da sua vida se tiver sorte. Você lembra do bairro onde morou, da casa, do cheiro de comida caseira, do parquinho que você ia todas as tardes. Você lembra como a vida era doce e boa de viver.
Os capítulos vão avançando e você começa a se tornar adolescente. Agora, sendo um adulto, você tem um olhar crítico do mundo e tendo esse olhar você pensa na época da juventude e se questiona: "Porque eu deixei meus hormônios me afetarem tanto?". O mundo não é tão colorido assim nesses capítulos. Nosso eu adolescente faz com que a gente passe a ligar para tudo, se importar com tudo intensamente. E nos faz desejar veementemente cometer o maior erro de todos: querer crescer rápido demais. Passamos a não aceitar quando as coisas não acontecem da maneira que imaginamos, afinal, sonhar e pensar positivo são coisas de criança e pura perda de tempo.

E então, a gente se apaixona pela primeira vez. É louco, insano. Sufoca. O mundo passa a ser apenas aquela pessoa e somente ela. Nada mais tem graça a não ser ela. A vida é um saco e só deixa de ser quando aquela pessoa está presente.
Amar é muito bom. Difícil mesmo é não ser amado. Difícil é conviver com a rejeição e ainda assim não querer o mal do outro. É aceitar que alguém não gosta da gente sem pensar "O que há de errado comigo?" Ou ainda "Qual o problema dela, afinal? ". Veja bem, ninguém é obrigado a amar ninguém. E não ser amado - amorosamente falando - não significa que você seja uma pessoa horrível ou que a pessoa seja horrível. Significa apenas que o seu primeiro amor, infelizmente, não foi correspondido. Acontece a todo momento e o mundo continua girando. E isso não necessariamente é ruim. Tudo é aprendizado. Tudo faz com que você cresça, claro, se você permitir. Como você vai apreciar ser amado, sem saber o quanto é ruim não ser? Experiências existem para te fazer viver intensamente e nunca pela metade. A felicidade é sempre mais real depois que conhecemos a dor.
O problema é que a gente muitas vezes complica o simples e faz com que os capítulos da vida se tornem extremos e sofridos. A gente se consome dentro do próprio orgulho e perde a habilidade de criança que nos fazia tão feliz. A gente esquece que tudo passa, que sorrir é melhor que chorar, mas chorar faz parte também. A gente esquece de sonhar e brincar. E os erros se tornam sucessivos. Um emaranhado de linhas do destino que vão nos prendendo, prendendo, até nos deixar sem saída. Transforma nosso presente e vai derrubando nosso futuro. E somente quando estamos totalmente presos na cruel realidade que nós mesmos traçamos e a dor vem é que pensamos: "O que eu fiz com a minha vida? ".

CAMINHOS DO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora