Flashback do Passado

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Ela estava inquieta demais para dormir e nenhum remédio a ajudaria. Sua pele estava ardendo em febre, e o banho frio foi tudo que lhe veio à mente. Bianca deixou a água escorrer por seu corpo e perdeu a noção do tempo. Sempre que pensava na boca de Rafaella, no seu cheiro, nela tão próxima à pela fervia novamente em resposta. Tentava não pensar, mas em vão.

Sentou no sofá com seu hobby azul e um copo de vinho nas mãos. Não tinha o menor costume de beber, mas precisava de algo forte para raciocinar melhor, ou pelo menos tentar. Bianca usou toda sua lógica para entender que sentimento era esse que surgia cada vez mais forte em seu peito. Como isso podia acontecer com ela?

Quando Bianca tinha 10 anos, sua mãe abandonou-a, depois de trair seu pai com o melhor amigo dele, a quem ela chamava de Tio Bob. Foi um choque, um trauma. Ana tinha apenas um ano de idade e provavelmente nem se lembra das muitas noites que a irmã mais velha passou chorando enrolada nas roupas da mãe e da depressão profunda em que o pai entrou. Bianca precisou trabalhar, largou o colégio, aprendeu na marra a fazer comida. Virou mãe de Ana e do pai. A família morava há anos fora, tentando ganhar a vida nos EUA. Não havia nenhum parente por perto. Os vizinhos ajudaram levando o pai para tratamento psicológico e fazendo as compras de vez em quando.

Depois de um tempo, Ana começou a chorar com falta da mãe e adoeceu. Acabou ardendo em febre e com o pai depressivo, Bianca lembrou-se de quando fora desesperada na porta da vizinha pedir ajuda. Com o tempo o dinheiro fora acabando, e Bianca precisou batalhar. Passou a acordar às 3 da manhã para deixar a comida pronta. As sete, saia pelas ruas e usava o quite de engraxate do pai para ganhar uns trocados no Brooklyn. O pouco que conseguia era usado para a comida e o aluguel. O pai tinha poucos momentos de lucidez e chorava copiosamente pedindo perdão a filha. No início Binca tinha pena, depois teve raiva. Começou a acha-lo fraco, covarde.

Decidiu que não ia mais pensar na mãe e que Ana seria sua inspiração para não desistir. Havia dias em que ela estava cansada, os calçados gastos das longas caminhadas criavam bolhas em seus pés. Na maioria passava fome na rua, porque sempre priorizou Ana e se preocupava em deixar o máximo de alimento para ela.
Um dia Bianca estava engraxando os sapatos de um senhor, quando sentiu uma sensação estranha no corpo. Uma gota de sangue caiu no chão e assustada ela viu todo short sujo de sangue. Gritou desesperada e chorou na mesma hora. O senhor, por sorte, muito bondoso, a levou para uma loja na estação de trem e comprou uma roupa nova para ela. Disse a Bianca que ela sangraria todo mês e que deveria conversar com a mãe a respeito.

Mas ela não tinha mais mãe, não tinha mais ninguém. Lembrou sentada no sofá, com uma lágrima pelo rosto, daquele senhor que nunca mais vira, mas que fora a única fonte de carinho que ela recebera de alguém mais velho. Sua única alegria era ver o sorriso inocente de Ana e de sentir a pequenina em seus braços toda noite, com o corpo exausto para dormir.
Foram quase três anos assim. Os vizinhos que ajudavam se mudaram e os que ficaram não eram tão bondosos. Ameaçavam denunciar o pai ao conselho tutelar e com medo de que Ana sofresse ou fosse separada dela, Bianca passou a limpar de graça a casa dos vizinhos toda tarde, depois de andar mais de uma hora após engraxar os sapatos. Até que um dia o pai finalmente despertou de sua inércia.

Mas ele não era mais amável, nem bondoso, não era mais o mesmo. Era frio, calculista e extremamente racional.
Em apenas um ano ele conseguiu montar seu próprio negócio de vendas, começou de porta em porta até que já estava com uma pequena filial. Com o falecimento dos avós de Bianca no Brasil – que nunca ligaram para as netas - o pai herdou toda herança e agora eram oficialmente ricos. Mas Sr. Romeu mesmo rico, continuou a trabalhar e aumentar cada vez mais sua fonte de renda.

- Bianca venha cá!

- Sim papai.

- É sim senhor menina!

CAMINHOS DO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora