1. Hanaros - Heitor

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A viagem pelo portal poderia ter durado dias, anos, séculos talvez. Não era possível dizer por quanto tempo viajamos. Uma sensação estranha fervilhava dentro de mim, como se tudo o que eu houvesse visto e ouvido durante meus dezessete anos não fizesse sentido algum. Como se eu fosse nada mais além de poeira.

Só pude supor que ainda estava vivo quando meu rosto tocou o que parecia ser relva. Antes que meus olhos vissem algo, o cheiro me invadiu as narinas: pungente, metálico e familiar. Diferente de qualquer coisa que meus sentidos humanos pudessem ter percebido, a magia hanariana ocupava cada espaço da minha mente, como seu ansiasse por aquilo, como se houvesse passado a vida inteira usando apenas um minúscula parte de tudo o que havia dentro de mim.

Entretanto, quando por fim consegui abrir as pálpebras a primeira coisa que notei foi o tom sombrio e gélido no qual aquele lugar parecia tingido. Como se algo faltasse. Havia três incandescentes e gigantescas bolas no céu que atribuí a alguma coisa correspondente ao nosso sol.

Ao sol deles.

A terra não era mais meu lar, contudo, não consegui deixar de me sentir triste enquanto captava o tom doentio do céu hanariano, ao invés de um escaldante céu azul anil tipicamente humano.

Algo em mim achava que poderíamos estar na dimensão central hanariana, aquela que perdera a conexão com as estações ainda nos tempos dos reis divididos. Vira algumas palavras e representações no livro de Vornek, mas jamais pensei que pudesse ser tão ruim.

Levantei a cabeça, completamente atordoado. Ao longe consegui distinguir algumas árvores de caule longo e copa densa que cercavam o que parecia ser uma extensa planície. Apesar da semelhança com as árvores existentes na terra, algumas folhas não eram verdes ou laranjas, mas cinza como cimento. Estávamos cercados por elas, tal como uma névoa densa e rasteira que se entremeava pela vegetação.

Não era bem aquele cenário que eu esperava encontrar quando adentrasse no mundo pelo qual ansiei estar durante anos. Um arrepio percorreu meu corpo. Estaríamos no local correto?

— Conseguimos? — A voz de Daniel espelhou os meus pensamentos e me trouxe mais alívio do que eu gostaria de admitir. — Finalmente em Hanaros?

Uma parte mim temia que tudo houvesse dado errado, que de alguma forma eu tivesse condenado os escolhidos à morte sem que eles soubessem o motivo. Outra grande parte se envergonhava pelo pensamento, por desconfiar minimamente da pessoa que preferiu dar sua vida para tentar salvar o mundo mágico.

— Tenho certeza que sim — Karen falou ao meu lado. — Veem essas coisas lá em cima? — Meus olhos dispararam novamente para as enormes bolas luminosas que pairavam na malha cinzenta formando o céu. — São as grandes bolas de magia descrita como truhon: os sóis-e-luas hanarianos. No decorrer do dia eles giram sobre si mesmo até que, um por um, se tornem o astro responsável pela noite...

Revirei minha mente tentando resgatar qualquer informação sobre aquilo, contudo, eu estava muito aturdido para desprender energia tentando refletir a cerca de astros celestes.

A verdade era que ainda não havia parado para analisar sobriamente os eventos que antecederam a abertura do portal. Tampouco sabia com certeza se tudo ocorrera bem durante nossa viagem até o mundo mágico. Apenas nós havíamos chegado até ali ou a abertura do portal possibilitara a entrada de todos os seres que nos rondavam? O que me lembrava... Merrick.

Percebi extasiado que minha mente novamente era capaz de identificar as auras mágicas próximas e, felizmente, nenhuma delas pertencia ao mago. Sentir a magia voltar a fluir por mim era revigorante. Eu não costumava ter consciência do quão cômodo era ser uma criatura mágica antes de todos os acontecimentos catastróficos. Fui capaz também de reconhecer Karen às minhas costas, além de inúmeras outras auras que pareciam ainda muito distantes de nós. No meio de toda confusão de auras e magia percebidas por minha mente algo destoava energicamente do resto: Briseis. O padrão emitido por sua aura era, com toda certeza, a coisa mais bizarra que eu já presenciara. Ela remexia as conexões da minha mente tornando impossível ler e atribuir àquela aura qualquer coisa conhecida por mim.

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora