5. Perguntas - Heitor

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Observei de longe Briseis entrar na tenda feminina quando nos aproximamos do povoado, os cabelos negros balançando em suas costas enquanto as chamas de uma fogueira próxima estalavam em minha frente. Inspirei profundamente esperando que o oxigênio me desse algum discernimento, mas ele não veio.

Eu não achava que deveria deixá-la morrer enquanto buscava respostas em mentiras, mas também não me via cercando-a, negando a liberdade de decidir sobre seu próprio caminho. Se o que eu via em seus olhos fosse real e nossa amizade pudesse resistir a um mero mal-entendido, então eu esperaria. Passaria e esqueceria até mesmo qualquer coisa que julguei sentir alguma vez.

Esperava que Briseis entendesse que não precisava carregar aquele fardo sozinha, que voltasse quando estivesse pronta.

Mas ela não voltou.

Aquela noite ainda me causava arrepios. Lembrava com detalhes do frio que me tomou quando as torrentes de água se enrolaram em minhas pernas e impediram que eu a alcançasse. Nunca havia presenciado nada como aquilo, ela havia simplesmente criado um gigantesco labirinto de água que bloqueava o caminho até si. Eu jamais teria forças para fazer algo como aquilo acordado, dormindo então, sem chances.

Ela não me contou o que a assustou ao ponto de fazê-la usar tamanho poder. Se não fosse meu empenho em chegar até a garota e minha desenvoltura ao nadar, eu ainda estaria flutuando em meio a toda aquela água suspensa. Invocar minha magia elemental para afastar a água praticamente drenara todas minhas forças.

Briseis era inegavelmente poderosa.

"A melta mais poderosa que já existiu." dissera Merrick.

Que o exílio me levasse! Eu não poderia estar mais confuso. De um lado havia uma pequena — minúscula — parte de mim que temia o que aconteceria se eu desafiasse a profecia. Se escolhesse uma integrante da missão, que não a imperatriz, estaria traindo o propósito da minha vida? Provavelmente sim.

Do outro lado, havia aquela parte que não considerava qualquer outro caminho que não Briseis, independente de quem ou que ela fosse. Gostaria de dizer que essa última predominava sempre. Seria encantador: o mocinho que não possuía medos, nem media consequências em busca daquilo que queria. Tudo bem, na maior parte do tempo eu era daquela forma. Mas eu não poderia negar o fato de que muitas pessoas morreram para que eu estivesse ali: meus pais, Arminda, o rei Soren e a rainha Aine... Durante toda minha vida ouvi que havia uma conta a se pagar. Um débito que consistia na vitória. A vitória contra a provável espécie de Briseis.

Comecei a me convencer de que em outras existências eu devia ter sido um arqui-inimigo de Vreida. Não havia outro motivo para ser tão odiado pelo destino!

Recordo que entrei na tenda coletiva me sentindo esgotado como se não dormisse há mil dias. O que estava bem próximo à realidade, já que a última vez que conseguira dormir realmente bem fora na noite anterior à chegado do Krenger ao Vale das Estações. Dentro da tenda me convenci de que os matruakys-pais eram homens de trinta e poucos anos que se comportavam como anciões. A decoração do local era deprimente para combinar com seus espíritos, com toda sorte de tons de marrom possíveis. Mas deveria ser muito melhor que dormir no local que avistamos mais cedo, com dezenas de matruakys eufóricos e bêbados.

Fiquei extremamente satisfeito em chegar ao que deveria ser minha cama e encontrar lençóis brancos e confortáveis, semelhantes aos que eu usava na casa de Lucinda.

Queria dizer que dormir foi fácil, mas não foi. Tudo o que se passava em minha mente eram as sombras que Briseis emitia, o seu poder capaz em me quebrar ao meio e em como, apesar daquilo, eu a queria.

Fiquei atento para qualquer som que cruzasse a noite e indicasse que ela precisaria da minha ajuda, mas tudo permaneceu no mais profundo silêncio. Acabei adormecendo, pela primeira vez no último mês, novamente cercado por sonhos que envolviam aquela garota.

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora