19. Barganha - Briseis

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Demoramos menos tempo do que eu gostaria para chegar até Crino e seus homens.

Tentei não olhar muito para o chão conforme nos dirigíamos aos campos de combate. Muitos rostos conhecidos jaziam em poças de sangue. Rostos de matruakys mães e pais que ainda ontem vibravam e dançavam felizes no culto; rostos de pessoas que haviam lutado tanto...

Como alguém era capaz de matar metade o seu povo para obter poder?

— Tenham cuidado — Heitor alertou. — As ilusões criadas pelos cristais são fortes. Crino se utilizará disso para tentar nos vencer.

O imperador tinha certa propriedade para falar, já havia caído no encanto dos cristais algumas boas vezes.

— Crino não conseguirá usar os cristais contra nós, imperador. Estão enfraquecidos depois da morte do meu pai.

— Depois que ele foi morto — Karen corrigiu. — Pelo merda do seu irmão.

A antiga Karen, disseminadora de palavras ácidas e desprovida de empatia, havia tomado conta do seu corpo de novo. Eu até temia que não fosse mais vê-la, infelizmente, estava enganada.

Meus pensamentos foram interrompidos quando cruzamos a rarefação de relva que evidenciava o início dos campos de combate. Fiquei com a respiração entalada na garganta ao me dar conta da quantidade de cabelos-azuis que aguardavam por nós. O irmão de Sjin havia conseguido reforços que pareciam muito superiores, tanto em preparo quanto em armamento, àqueles enfrentados antes.

— São os homens que estavam nos castelos — Sjin murmurou. — Crino deve ter inventado uma boa história para que se juntassem a ele.

Pugnazes que estavam nos castelos significavam pugnazes tão bons que não precisavam mais de capacitação no povoado. Homens que já haviam passado por todas as etapas que preparavam um guerreiro e o deixava apto a proteger os soberanos e habitantes de Hanaros central. Embora nossa presença ali e a ocorrência da Grande Queda trouxesse uma informação paradoxalmente satisfatória: eles seriam falhos. Principalmente contra mim.

— Por que você não cria logo o maldito portal e damos o fora? — Karen disse entredentes para o imperador. — Não pode haver mais nada para salvar aqui.

Heitor não se preocupou em explicar o óbvio à imperatriz, ainda que compreendesse seu temor. Supor que poderíamos continuar a lutar contra os pugnazes era atestar nossa derrota evidente. A única chance seria a fuga, mas deixar nossos amigos para trás não era uma opção. Daniel e Laya estavam vivos, eu os sentia através da aura.

— Inimigos adiante!

Um cabelo-azul gritou quando não paramos de andar. Um a um, os homens fincaram os pés no chão e estenderam as armas para nós.

Até que avistei Crino ao centro de um dos campos de batalha. Ele segurava o flanco esquerdo no ponto onde sangue fluía de uma ferida. A visão me proporcionou uma dose extra de satisfação. Torci para que Laya houvesse fincado a lâmina naquele infeliz, mas era bem improvável.

Ela e Daniel estavam próximos a Crino, lado a lado, presos pelos capangas, que puxavam seus braços para trás como se buscassem arrancá-los. Daniel lutava para se livrar, os cabelos loiros tingidos por sangue nas têmporas e uma de suas pernas dobrando-se em um ângulo não-natural.

— Mais um passo e esses profanadores morrerão.

A voz de Crino me enviou seiscentas espécies diferentes de calafrios pela espinha. Eu o odiava e odiava ainda mais saber que havia a possibilidade de acabar com ele em menos de dois segundos, mas estava cercada por uma intriga política de merda que sequer pertencia a mim.

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora