7. Percepções - Briseis

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Uma tromba d'água foi lançada sobre mim e Heitor no momento em que consegui deter a energia sombria que fluía do meu corpo e devolver o conteúdo do lago para seu lugar. Se eu não fosse uma hanariana, com certeza estaria coberta de escoriações após ter rolado muitos metros à frente, impulsionada pela água.

Tateei na relva macia, tentando levantar, enquanto ficava ciente dos pedaços de vegetação aquática espalhados pelo chão e pendurados nos galhos das árvores.

Eu fiz tudo isso, aquele poder saiu de minhas mãos. Eu sou um monstro.

As palavras incriminadoras seguiam em fluxo constante dentro da minha cabeça. Soltei a respiração contida dentro do peito quando notei cabelos castanhos logo ao meu lado. Assim como eu, Heitor estava totalmente ensopado, os músculos em suas costas se movendo enquanto ele inspirava profundamente, buscando ar. Quando ele ergueu a cabeça e seus olhos me encontraram percebi o alívio imediato expresso neles. Totalmente o oposto do medo que eu esperava.

Por minha culpa o imperador quase morrera no fundo de um lago enquanto eu lutava contra mim mesma.

Mais uma vez.

Como poderia ser tão burra em supor que as coisas ditas por Merrick eram mentiras? Vira o medo nos olhos do mago, sua persistência em me fazer mudar para o seu lado... sentira o prazer que percorreu cada uma das minhas terminações nervosas ao drenar a energia de um ser vivo. E nada daquilo fora suficiente para me manter distante e assegurar que Heitor não se ferisse.

Eu sequer tive a decência de titubear quando ele me segurou em seus braços e fincou o olhar em mim. Havia descoberto que fazia parte de uma espécie demoníaca, que fora responsável por inúmeras mortes, e tudo no que pude pensar foi em como aqueles olhos verdes me tiravam o ar, em como era difícil ficar distante dele e no quanto eu sentia falta de ter seus braços ao meu redor, impedindo que as terríveis imagens conjuradas por minha mente me consumissem.

— Você conseguiu — ouvi a voz de Heitor dizer enquanto ele estendia sua mão para mim, já de pé. — Foi mais forte do que a água, em todos os sentidos.

Agradeci em meu íntimo por suas palavras. Tudo o que eu menos precisava naquele momento era que ele me enchesse de perguntas ou cuidados. Ao invés disso, vi como suas pupilas estavam dilatavas, mas não de medo. Eu arriscaria até mesmo dizer que ele parecia satisfeito apesar do evento passado.

Todas as minhas articulações estavam instáveis quando toquei sua mão, aceitando a ajuda para me levantar, completamente incrédula.

— F-fui? — gaguejei após ficar de pé, atônita por ele se permitir estar tão próximo.

Tentei não me ater aos arrepios que atingiram todos os pequenos pontos do meu corpo quando percebi que ele ainda estava sem camisa.

Era difícil me manter focada em qualquer coisa vendo-o tão de perto sob a luz truhon. E Vreida era extremamente injusta por me proporcionar aquela visão apenas quando estávamos correndo risco de vida minutos antes.

— Heitor, me desculpe eu não pude controlar... Te machuquei? Você está bem? — tratei de perguntar, tentando encontrar formas de manter aquelas observações distantes da minha mente.

— Não tem porque me pedir desculpas, Briseis. Estou bem. — Ele hesitou por meio segundo antes de sussurrar: — Han... acho apenas que precisarei ter um pouco mais de cuidado da próxima vez que pensar em te beijar. — Quase engasguei diante da frase, lembrando do seu pedido antes que eu perdesse o controle. — Embora deva dizer que estou bem disposto a correr o risco.

Pisquei tentando desanuviar minha mente, considerando a possibilidade de Heitor ter dito aquilo para descontrair e mostrar que não estava enfurecido por eu quase tê-lo matado. Contudo, aquela hipótese só se mostraria verdadeira se sua atenção não permanecesse fixa em meus lábios. De imediato meu coração adquiriu um ritmo vergonhosamente rápido. Parecia que ele realmente pretendia me beijar.

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora