18. Fuga - Heitor

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Fiz uma nota mental para nunca mais me comprometer a desempenhar um papel para o qual não estaria apto.

Conjurar portais doía.

Doía como o inferno. Ainda mais quando o portal teria que ser grande o suficiente para a passagem de seis pessoas.

Enquanto Briseis cuidava dos pugnazes que se aproximavam de nós, eu lutava para conseguir ampliar o círculo mágico e torcia para sermos levados a um lugar seguro. Seria desastroso descobrir que empregara todas as minhas forças para abrir um portal no próprio povoado.

Geralmente era necessário que eu conhecesse o lugar de destino para onde desejava ser transportado. Algo desesperador, tendo em vista meu conhecimento restrito às cordilheiras e à planície no lado externo do povoado.

— Não é por nada — Briseis me chamou quando o portal tinha o diâmetro suficiente para a passagem de um alfinete. — Mas vai demorar aí?

O tom ofegante de sua voz me obrigou a desviar a atenção do portal. Sangue escorria de um dos seus braços, porém, o ferimento não parecia profundo o suficiente para impedi-la de lutar. Principalmente porque sua adaga havia acabado de atingir a jugular de um dos cabelos-azuis.

O homem caiu aos nossos pés, afogando-se no próprio sangue.

Briseis ainda insistia em se posicionar daquela maneira estranha, mas eu já havia desistido de considerar como um problema desde que ela me vencera e desde que me provou que Muriel não merecia credibilidade.

Estava me esforçando para não pensar muito nos últimos acontecimentos.

Precisei permanecer imóvel na tenda de recuperação enquanto esperava a magia restaurar minhas células. Quando acordei pela manhã meu peito ainda ardia no local onde a lâmina quebrada adentrara. Apenas uma discreta cicatriz estava impressa em minha pele àquela altura. A magia hanariana não permitiria que eu a conservasse por muito tempo. Ela ainda funcionava, apesar de todas as coisas ao redor me impulsionarem a pensar o oposto.

Se a magia, essência, profecia e toda essa bosta onde me envolvi durante a vida funcionasse, eu não estaria tão profundamente arruinado. Em muitos sentidos.

Não conseguia negar meu ressentimento. Porém, diferente do que seria esperado, eu não estava ressentido em ser atacado duas vezes por alguém que eu era incapaz de machucar. E sim porque, depois de eu quase rastejar aos seus pés pedindo para ficar, Briseis não pestanejaria em ir embora.

Naquela manhã tive medo de que ela não estivesse mais no povoado, mas não me importei em pedir novamente para que ficasse. Ainda havia uma faísca de orgulho dentro de mim. Quando não identifiquei sua aura ao ouvir as trombetas soarem, me tornei ciente de que muito provavelmente me arrependeria pelo resto da vida caso ela houvesse levado adiante a ideia de fugir.

Para minha sorte — ou azar a depender do ponto de vista —, quando tudo começou a dar errado pela centésima vez, ela ainda estava lá. Agora tínhamos os melhores guerreiros hanarianos em nossa cola, mas meu coração palpitava por outro motivo.

Um pugnaz em posse de uma clava gigantesca me afastou dos pensamentos indevidos.

— À sua direita! — gritei.

Briseis girou para o lado e os espinhos da clava rasgaram o chão no ponto onde ela estava. O pugnaz elevou a clava acima da cabeça, preparando-se para me atingir dessa vez. Aquele homem era gigante e forte, como as raízes das sumaúmas hanarianas que se espalhavam pela clareira. Seria impossível vencermos apenas com a adaga de Vornek e minha espada. Poderíamos ser honrados, mas ainda tínhamos apenas cinco dias de treinamento pugnaz. Seríamos massacrados sem dó.

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora