29. Andarilho - Briseis

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"Quando pularmos você deverá pensar em Sjin, Karen e no mar sem fim com todas as suas forças. Apenas nisso e mais nada."

Aquela foi a única coisa que Heitor me disse após eu lhe contar que o melta no invólucro era Pietro, meu ex namorado. Pensei que ele fosse fazer perguntas ou desconfiar de mim, mas apenas segurou minha mão e me arrastou para a escuridão do abismo.

Eu não senti medo. Ele jamais me colocaria em perigo, sabia bem disso. Daria minha vida em suas mãos sem pestanejar se fosse necessário. Porém, enquanto a sensação de vácuo me contornava, não pude evitar imaginar que estava prestes a morrer.

O invólucro era frio, escuro e vazio como um abismo deveria ser. A luz emitida pelas mães-de-ouro se fora, assim como a sensação da pele de Heitor em mim. Por alguns instantes não pude pensar em nada. Era como se minha mente estivesse submersa e não pudesse, ou quisesse, emergir. Tínhamos mergulhado no grande e profundo nada.

Tão rápido quanto fui arrastada para o vazio fui retirada dele, no momento em que um turbilhão de pensamentos me atingiu.

Estava morta? Heitor também morreu? Será que eu me sentiria daquela forma para sempre? Quantos segundos existiam no infinito e por que a resposta "infinitos" não me satisfazia?

Qual o seu nome?

A voz suave que ouvi quando estava no charco voltou a invadir minha mente. Tentei responder, mas não conseguia mover os lábios.

Resgate as peças de Vornek, volte até mim, e juro por minha alma no exílio que te contarei.

Uma nova voz se juntou à outra, mais grave, como se pertencesse a um homem. Compreendi tarde demais que as vozes estranhas não falavam comigo, mas dialogavam entre si.

Escuridão e silêncio mais uma vez se fizeram presentes, pelo tempo que pareceu uma eternidade. Até que uma mão surgiu no vazio e me adiantei para segurá-la. Assim que minha pele tocou os dedos estendidos para mim a luz inundou minhas pálpebras. Tanta luz que chegava a queimar, como se meus globos oculares estivessem sob um maçarico.

— Vai ficar tudo bem. Pense nas meninas e no nosso destino — ouvi Heitor tentar me tranquilizar e toda a dor foi reduzida pela metade. De repente não havia mais vazio, medo ou vozes desconhecidas, somente a sensação da completa segurança.

Me obriguei a fazer o que ele pediu e, quando meus olhos se abriram lentamente, fui atingida pela quantidade gigantesca de azul ao redor.

Então desejei voltar ao vazio do abismo.

O chão onde estava estendida era de madeira sólida e escura. Embora inicialmente tivesse me permitido sentir algum tipo de alívio, naquele instante só conseguia me concentrar no movimento tênue do meu corpo em duas únicas direções: Direita. Esquerda. Direita. Esquerda. Direita. Esquerda. O ar úmido cheirava a sal, de forma que eu podia senti-lo se colocasse a língua para fora. Ele preenchia meus pulmões, trazendo lembranças do estuário em Recife e o dia no qual cai no mar como uma humana e depois me reergui. Como um monstro.

O balanço constante sob mim era uma realidade inegável. Alguns dias tinham se passado desde que experimentara a sensação pela última vez, mas o terror que me assolou era vívido como se apenas minutos separassem o presente das piores experiências da minha vida.

Reconheci o local como o convés de um navio — um navio gigantesco a julgar pela quantidade imensa de auras que identifiquei na periferia. A revelação me atingiu como uma onda gelada. Seria questão de tempo até meu corpo me trair e os ataques começarem.

Fechei o punhos firmemente ao lado do corpo, lembrando da promessa que fizera: combateria meus medos de frente, com a garantia de que não era mais indefesa. Conseguiria lutar contra qualquer coisa que surgisse na superfície ou embaixo d'água. Só precisava acreditar em mim.

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora