27. Charco - Briseis

11 2 2
                                    

Senti minha alma sair do corpo quando o felrit me encurralou no chão, suas presas afiadas pairando a centímetros do meu nariz e o hálito quente enviando lufadas de ar em minhas órbitas ao expirar lentamente.

Diferente das outras ocasiões em que fui exposta ao perigo e precisei usar os poderes sombrios sem sequer pestanejar, naquele instante me vi angustiada. Os olhos amarelos em fenda do felrit não pareciam hostis enquanto me encaravam e sim desesperados, como se implorassem por socorro. Não sabia se era um efeito da sua magia, mas o animal quase conseguia falar comigo e, de repente, não éramos mais inimigos em busca da morte.

A fera negra continuou me encarando fixamente, como se esperasse que eu pudesse entendê-la, a magia de ataque dissipando-se por entre meus dedos. Ele rugiu, o som grave em seu interior reverberando ao redor.

Levei algum tempo para notar que a reverberação, na verdade, não veio do animal. O novo estrondo que ressoou pelo pântano, fazendo com que pedaços podres de galhos despencassem em minha testa, confirmou minhas suspeitas. O felrit cambaleou para o lado, movendo a cabeça em direção ao barulho e, numa fração de segundos, a sombra que o felino alado projetava sobre mim desapareceu repentinamente.

Meus olhos dispararam para o céu, tentando ver para qual direção o felrit fora, porém um miado baixo e agudo, como o de um gatinho, foi emitido em algum lugar sobre minhas pernas. Outro miado me fez olhar para um ponto de pressão onde uma forma felpuda e negra se acomodava em minha coxa esquerda, seus olhos amarelos me encarando com curiosidade.

Okay, aquilo realmente era um gato. Sem sombra de dúvidas. Mas de onde ele surgiu?

Morte.

Sangue.

Mais.

Perto.

Ao ouvir as malditas palavras sussurradas no fundo da minha mente, levei as mãos ao animal e o apertei contra meu peito instintivamente. O gato ronronou enquanto eu tentava levantar, escorregando na lama e tropeçando sobre meus próprios pés.

Morte.

Destruir.

Perto.

Lembrava bem da última vez que ouvira aquela voz cortante e gélida. O som me trouxe a recordação do cheiro do sangue que lavou o solo do Vale das Estações, tão forte como se eu ainda estivesse lá. Porém, daquela vez não tive medo e, quando o krenger se elevou acima das árvores encurvadas do pântano sombriluzente, sequer me permiti ficar surpresa.

Sabia quem era a responsável por aquele monstro estar solto em Hanaros. E estava bem convicta de que, apesar da morte do pai de Sjin ser projetada por Crino, eu também carregava uma enorme parcela de culpa.

Mas o último dos krengers não viveria o suficiente para causar mais dor e destruição. Eu o aniquilaria com toda a força que estivesse ao meu alcance.

Segurando o gatinho preto — que àquela altura eu já desconfiava se tratar do felrit —, levantei sem titubear e marchei em direção à fera.

Estava buscando algum lugar onde pudesse utilizar meus poderes sombrios para matar o krenger sem que os outros vissem. Contudo, assim que ativei meu detector de auras, a magia me fez notar o pulsar de três corações humanos a apenas alguns metros.

Suor frio tomou minha pele. O monstro estava muito próximo, jamais conseguiria dar cabo dele sem uma plateia. Dei meia volta e segui em frente, para qualquer lugar que pudesse distanciar o krenger dos meus amigos.

— Corram! — gritei com toda a força existente nos pulmões, torcendo para que pudessem me ouvir e tentando desviar dos galhos afiados que se agarravam em minha calça. — Por favor, se escondam!

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora