20. Veneno - Briseis

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Se na última vez em que havia dormido os sonhos não me acompanharam, agora eu estava prestes a implorar para acordar.

Em meu pesadelo eu via Laya, Sjin e os escolhidos com espadas sangrentas brotando por suas bocas. Pedaços de corpos se espalhavam pelo chão da clareira. Vi a cabeça de Tanai sem dentes me encarando através de um mar de fogo.

Era horrível.

Foi a sensação estranha de estar sendo pressionada contra uma superfície macia que me fez abrir os olhos depois do que pareceram longos dias ininterruptos de tortura. Me preparei para arranhar a pessoa cujos braços contornavam minhas costas e pernas, antes de perceber a quem pertenciam.

Meu detector de auras mostrou a presença de Heitor no exato momento em que estive prestes a atacar para que me soltasse. Fiquei paralisada ao notar que o detector mal conseguia delimitar a presença do garoto sem que se confundisse com a minha própria. O que significava que estávamos bem próximos.

Próximos o suficiente para que eu pudesse ouvir as batidas frenéticas do seu coração, como se estivesse encostada em seu peito. Bem, talvez eu realmente me encontrasse encostada em seu peito. Embora minhas pernas se estivessem esticadas sobre uma superfície macia, meu tronco e braços estavam aninhados junto ao garoto. Tinha noção daquilo porque suas mãos se apertaram um pouco mais ao meu redor, me trazendo para mais perto e diminuindo a distância que já era quase nula.

— Por favor... — ele murmurou e senti meus pelos se eriçarem quando sua respiração encontrou o meu rosto.

As palavras soavam como uma prece. Uma prece repetida centenas de vezes.

— Heitor? — minha voz mal escapou, como um sussurro hesitante.

Senti quando todos os seus músculos ao meu redor foram contraídos. E eu finalmente percebi que estivera sobre seu colo o tempo inteiro.

Não pude conter o frio esquisito em meu estômago.

O lugar onde estávamos era sombrio e, por mais que buscasse distinguir contornos, o breu ainda se debruçava sobre nós. Ao tentar me mover detectei uma superfície macia e fria sob meus pés, como lençóis de seda. Já o local sobre o qual estava sentada não era macio, porém, ainda assim, extremamente confortável.

Primeiro o imperador empertigou a coluna, tal qual uma pessoa que era flagrada em um instante muito pessoal. Logo depois ele mergulhou o rosto em meus pescoço e seus braços me pressionaram com tanta firmeza que tive medo de ser quebrada em duas.

— Você está aqui... — falou aliviado, sem diminuir a intensidade do abraço.

Inspirei profundamente o irresistível aroma de lar que sua pele tinha. O cheiro de Heitor era absurdamente bom. Semelhante, mas superior, às prateleiras de uma aconchegante biblioteca, tardes chuvosas e o piso de carvalho polido da minha antiga casa.

— Tive medo de não te encontrar, tanto medo de que não acordasse... — As palavras saíram abafadas, como se ele tentasse falar ao mesmo tempo em que beijava minha pele.

— Você voltou por mim — lembrei, me movendo toda desajeitada enquanto procurava uma maneira de retribuir seu abraço.

Todo o meu corpo doía, mas não me importei. Lágrimas incontroláveis me escapavam. Todas as lágrimas que lutei para não derramar no povoado matruaky.

Eu mal conseguia acreditar que estava segura. Sem meltas ou hanarianos assassinos querendo meu pescoço.

Senti as mãos de Heitor me acariciarem os cabelos, de um jeito tão delicado e compassado que eu poderia facilmente dormir mais uma vez se não tivesse acabado de acordar.

Ventos do Outono - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora