─ Que história é essa, Alicia? ─ Paulo ergueu a voz, irritado ─ Não me diga que você mentiu e eu fiquei xingando um amigo à toa por todo esse tempo?
─ Calma, Paulo, por favor. ─ ela suspirou, encarando os amigos ─ Eu liguei para a Val quando eles terminaram, e ela me contou tudo por telefone. Mas eu tinha acabado de voltar para a faculdade, o Lucas era muito pequeno, eu estava totalmente sem cabeça na época. Ela me pediu segredo, e foi o que eu fiz.
─ Mas por que os pais do Davi ameaçaram tirar a menina dela? ─ perguntou Jorge, confuso ─ Eu achei que eles gostavam da Valéria.
─ Eles adoram ela, ou pelo menos sempre adoraram. Mas não para ser nora deles.
─ Explica isso melhor, por favor.
─ O Davi tinha, ou melhor, tem uma noiva, que nem ele sabia. É parte das tradições judaicas da família dele, sabe? Eles foram arranjados por um acordo muitos anos atrás, quando a menina nasceu.
─ Então ela é mais nova?
─ É, Margarida, ela deve ter feito 18 anos há pouco tempo. Quando os pais dele e da menina fizeram esse acordo, nós éramos crianças, e mesmo que o Davi e a Val já tivessem o namorinho deles, todo mundo, assim com o Jorge, achava que isso não iria dar em nada. ─ explicou a mulher, dando de ombros ─ A dona Rebecca e o seu Isaac deixaram a coisa ir rolando, até que o Davi pediu a Val em casamento.
─ Aí a cobra fumou. ─ deduziu Paulo, recebendo um aceno afirmativo.
─ O rabino ficou possuído, falou um monte para o Davi. Disse que ele tinha um compromisso firmado com a comunidade deles e tudo o mais.
─ Mas nem foi ele quem fez esse acordo. ─ observou Jorge.
─ Sim, mas na religião dele, os pais ou parentes podem assumir esse compromisso em nome dos noivos. Mas o grande lance não era nem o acordo, a tal noiva ainda era uma criança na época. O problema é a Valéria não ser judia.
─ Mas ela não pode se converter?
─ E quem disse que ela quer, Margarida? ─ suspirou Alicia, encarando a amiga do outro lado da sala ─ Ela até achava isso viável quando criança. Mas apesar de achar o judaísmo uma religião cheia de qualidades, não se vê nesse estilo de vida.
─ E o Davi não se vê fora dele. ─ completou Paulo, negando com a cabeça.
─ A ideia de viver em 'pecado' pelo resto da vida não parecia ruim, mas os pais dele disseram que ele não poderia quebrar o compromisso. Os dois então pensaram que um netinho poderia sensibilizar o coração dos dois, e a Valéria engravidou. Mas as coisas só ficaram mais insanas. Era inaceitável o Davi ter uma filha bastarda, afinal esse é um dos principais motivos do casamento para eles. Então eles deram duas opções para o Davi: ou ele renegava e sequer registrava a Sara, ou então os pais dele pediriam a guarda dela e a criariam na comunidade judia, entregando ela para Davi depois que ele se casasse com a noiva.
─ Isso é no mínimo doentio. ─ se horrorizou Margarida.
─ Eles não poderiam tirar a menina dos dois. ─ observou Jorge, irritado.
─ Na verdade, sim. O Davi sempre trabalhou com o pai, sem registro, e quando a Valéria engravidou ela estava no meio da pós-graduação, não estava trabalhando em lugar nenhum. Ia ser um casal bastante influente, com motivações religiosas, contra dois jovens sem emprego e que tinham um apartamento e um carro. Claro, podia não dar ruim para eles, mas o Davi resolveu não arriscar a Sara. ─ Alicia os observou calar, e sorriu compreensiva. Já havia tido aquela conversa com Carmen, Maria Joaquina e Marcelina, diversas outras vezes.
─ E ele sequer registrou ela?
─ Nem registrou, nem a conhece pessoalmente. A Sara não faz ideia de quem é o pai dela. É difícil para a Valéria, mas por sorte ela tem a Maria Joaquina e o Cirilo, que são os padrinhos da Sara, para ajudar ela com a filha. Se não fosse por eles, aí sim, eu acho que a Val já tinha ficado maluca. ─ concluiu Alicia, angustiada.
─ Eu só penso como o Davi está aguentando isso. Só de pensar em ficar longe do Lucas e da Isis, por qualquer motivo que seja, eu já fico desesperado. ─ Paulo fez a observação já se afastando, indo sentar ao lado do filho e o abraçando.
─ Nenhum pai merece ter que ficar longe do próprio filho, por motivo nenhum. ─ Jorge externou seus pensamentos, sendo observado pela namorada e pela amiga ─ E afinal... Quem disse que o Davi não vive desesperado?
Observaram o judeu do outro lado do pátio, se aproximando lentamente da ex-namorada. Valéria sentiu a aproximação, mas preferiu ignorar. Sara havia acabado de cair enquanto corria com Leo e Isis. Agora, a mãe e a madrinha tentavam acalmá-la, mostrando que não havia acontecido nada em seu joelho.
─ Está tudo bem? ─ a voz grave perguntou às suas costas. Valéria cerrou os olhos, mas Sara fez um biquinho fofo e negou com a cabeça.
─ Fez dodói.
─ Ela tropeçou a caiu, e agora o joelho está doendo. Mas não tem nenhum dodói, minha princesa, está vendo? Você acha que a dinda mentiria para você? ─ Maria Joaquina tentava apaziguar a situação.
─ Mas dói, Majoca.
─ E se eu der um beijinho? Meus beijinhos são superpoderosos. ─ ofereceu Davi, se ajoelhando em frente a mureta onde ela estava sentada. Sara concordou, estendendo a perninha, que ele beijou com carinho ─ Melhor?
─ Muito. Obigada, tio...
─ Davi, pode me chamar de tio Davi. ─ ele sorriu, vendo o seu reflexo sorrir de volta.
─ Que tal irmos encontrar o seu padrinho, meu anjo? ─ propôs Maria, vendo que a amiga parecia incapaz de falar algo ─ Fala tchau e obrigada para o tio.
─ Obigada, tio, tchau. ─ ela deu um beijinho na bochecha dele, dando a mão para a madrinha e saindo saltitando. Valéria levantou em um pulo, seguida por Davi.
─ Valéria.
─ Nem começa, Davi, por favor. ─ pediu ela, já secando os olhos.
─ Você sabe que eu odeio isso tanto quanto você. ─ ele bufou, cansado ─ Eu trouxe isso.
─ Quer mesmo o que eu diga o que você faz com esse cheque?
─ Valéria, é só o que eu posso fazer pela minha filha, apesar de querer fazer muito mais. Compre algo que ela quer, que ela precise. Um brinquedo, um vestido.
─ A Maria, o Cirilo e meus pais me ajudam a dar tudo o que ela quer e precisa, pode ficar com o seu dinheiro. Ou melhor, do seu pai. ─ ela se virou para ele irritada, mas para o seu azar Maria Joaquina estava bem na direção do ex, lhe olhando brava. Valéria suspirou, apanhando o cheque ─ Tudo bem, vai para a poupança dela. Assim quando ela crescer vai poder se cuidar sozinha, sem precisar da ajuda de ninguém.
─ Você sabe que eu queria que fosse diferente, Val.
─ Quem quer faz acontecer, Davi, não fica se lamentando ou esperando. Obrigada pelo dinheiro, fará a minha filha muito feliz no futuro. ─ ela passou por ele dando uma ombrada forte, que o fez cair sentado na mureta, suspirando.
Cirilo se aproximou, sentando ao seu lado e colocando a mão em seu ombro. Daniel fez o mesmo, sentando do lado oposto, como quando eram crianças. Os três ficaram em silêncio por um bom tempo, na única forma que sabiam de agir naquela situação.
─ Tudo vai melhorar, cara, tenha fé. ─ disse Daniel por fim, observando que a cerimônia iria começar.
─ O problema todo é esse, Dan... Minha fé e do que ela me separa. ─ suspirou o homem, se levantando e acompanhando os amigos para o local da cerimônia.
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20 Anos Depois - A salvação da Escola Mundial
Romance─ Uma coisa que eu tenho certeza é que nenhum de vocês esquecerá essa cápsula; e então, quando chegar a hora, todos estarão contando os minutos para abri-la! ─ a professora os contagiou com o seu entusiasmo, vendo os rostinhos se iluminarem. Seria u...