Capítulo XVI: Guerra e Paz

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A COLINA NASCENTE ERA O MORRO DO VALE MINGUANTE mais próximo da Clareira, a pouco mais de oitocentos metros da torre, sem contar com os trezentos metros da base até o topo. A colina era conhecida como "o lugar onde o Senhor dos Ventos para pra descansar". A brisa vinda do Crescente atingia em cheio a costa virada para o rio, fazendo com que a caminha até o topo parecesse um teste de resistência.

Por sorte, fadas seelie tinham encontrado o trecho por onde a subida era mais fácil e o demarcado com pedras de quartzo colorido. Se você seguisse a estrada de quartzo e usasse suas melhores calças ao invés de saias (Clio aprendera isso na vez em que o vento levantou seu vestido, um verdadeiro espetáculo para o grupo de fadas peregrinas que passavam ali), a experiência de subir a colina não seria tão ruim.

E a chegada ao topo compensaria toda a jornada.

Lá em cima, a brisa era mais suave. Ela fazia a grama alta farfalhar, os dentes-de-leão flutuarem e as fadas rodopiarem no ar caso estivessem acordadas e, portanto, visíveis. De dia, apenas o silêncio e as andorinhas habitavam a colina.

Lá de cima, era possível observar as duas partes de Atera. De um lado, estava Vergel a todo vapor no pico do seu horário comercial. Do outro, estava Vésper, a principal cidade do Vale Minguante, adormecida até que o sol fosse embora, e a floresta de Hadria mais adiante. Dois mundos opostos com a Colina Nascente no limiar entre eles como se fosse um terceiro mundo a parte.

― No que você está pensando? ― Vênus perguntou a Clio quando a híbrida sentou para apreciar a vista.

As duas tinham passado a manhã ali com Astro. Após comerem todos os sanduíches que Clio tinha preparado e as frutas que Vênus insistira em trazer (para que o piquenique fosse mais saudável), a híbrida se deitara para tomar um sol enquanto a humana e o cachorro brincavam. Ele corria atrás de flores selvagens pela colina e ela as trançava em coroas.

― Em como eu não tenho que escolher quem eu sou quando estou aqui. ― Ela inspirou o ar da colina. Cheirava a grama fresca e orvalho. Às laranjas que ela, Vênus e Astro tinham descascado. À fragrância de jasmim de Vênus ao lado dela na toalha de piquenique. ― Não tenho que escolher em qual mundo quero viver. Eu faço parte dos dois e os dois clamam por mim. Eu me sinto uma princesa, ainda que eu seja uma bruxa.

― Eu venho pensado nessa história de princesas, bruxas e guerreiras desde que nós conversamos sobre isso a caminho de Vergel. Você lembra? ― Clio assentiu. ― Pois bem, eu concluí que é pura besteira.

― Eu já tinha noção disso, mas por que você chegou nessa conclusão?

― Porque não faz sentido. As criaturas são mais complexas do que esses papéis toscos, você sabe bem disso como híbrida. Por que alguém não poderia ser a princesa e a bruxa simultaneamente? O mesmo vale para a princesa e a guerreira. ― Vênus terminou uma coroa de flores de dente-de-leão e a colocou na cabeça de Clio. A garota sentiu um arrepio sob o seu toque. ― Depois de muitos anos eu descobri que não tinha que largar mão da feminilidade ou, ainda nessa metáfora, deixar de ser uma princesa para empunhar uma espada. Prova disso... ― Ela aponta para a própria coroa feita de hortênsias. 

A coroa ficava fofa nela. Clio deu uma risada involuntária.

― Ei, acho que nunca te ouvi rir.

― Que mentira! Eu já ri na sua frente, várias vezes.

― Pode ser, mas suas risadas foram todas... Como eu posso dizer... ― Vênus grunhiu, um barulho vindo do fundo da sua garganta e que soava estranhamente sarcástico.

O queixo de Clio caiu quando ela entendeu o que Vênus insinuava.

― Eu não rio assim!

― Ri sim! ― Astro gritou ao longe. Clio nem sabia que ele conseguia escutá-las daquela distância.

VÊNUS SEM AMOR [concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora