DE TODOS OS PLANOS DE CLIO, esse, sem dúvidas, era o mais arriscado. Porém, como Astro tinha feito questão de esfregar na cara dela, ela tinha ido longe demais. O sacrifício já estava muito grande. Ela tinha que fazer valer a pena.
Antes de adentrar a clareira, ela verificou que Vênus estava no quintal, focada no seu treino. Assim que entrou na torre sem ser vista pela humana, ela exclamou:
― Astro?! ― chamou no térreo. ― Astro, você está aqui?! ― chamou mais uma vez, nas escadas.
Ela verificou no quarto dela, na cozinha e nas salas-de-estar. Nenhum sinal de Astro. Ela provavelmente tinha ido caçar. Essa era a chance de Clio. Ela subiu até o quarto de Ismini e abriu a porta com cuidado.
O quarto de Ismini era bem arrumado, até porque a bruxa só o usava para dormir. Para o quarto mais alto da torre, perdendo apenas para o sótão, ele era coberto de penumbra graças às cortinas que Ismini insistia em deixar fechadas dia e noite. A fresta entre os tecidos, no entanto, deixava passar um solitário facho de luz enquanto o sol se punha. Clio o aproveitou para vasculhar a mesa de cabeceira de Ismini. Nada. Depois a penteadeira. Também nada. As gavetas da escrivaninha. Também... não, havia algo ali.
Clio abriu a última gaveta e se deparou com uma pilha de pedaços afiados de cerâmica. Os mesmos que ela estilhaçara no chão quando o presente de Ismini não deu certo. Os mesmos que tinham causado a briga das duas na primeira e última vez que ela foi a Vergel. Eram também os mesmos que ela jurava ter jogado fora e agora estavam nas coisas da sua mãe.
Clio fechou a gaveta. O que quer que aquilo significasse, ela poderia pensar depois, quando toda essa situação estivesse resolvida. Agora ela tinha que manter o foco e não arranjar mais um motivo para surtar.
Clio olhou ao redor do quarto. Onde ela ainda não tinha procurado?
Ela puxou a cadeira da escrivaninha, subiu nela e esmiuçou a estante de Ismini, prateleira por prateleira. No canto da prateleira mais alta, disfarçado entre meia dúzia de frascos com loção de banho, estava um vidrinho do tamanho do dedo mindinho de Clio contendo um líquido que nem ouro líquido.
Clio suspeitara desde que Zori tinha lhe falado sobre Nilan, e todo o seu plano A dependia do quão boa era a sua intuição, mas ali estava a prova concreta de que sua mãe tomava Calmamente escondido para balancear o sono. Não à toa ela parecia tão... acabada.
Manter o foco e não arranjar mais um motivo para surtar, Clio repetiu para si, guardou o vidrinho dentro do bolso e desceu da cadeira.
Já na cozinha, Clio abriu o frasco e deixou um pingo de Calmamente cair na ração de Ketu, o suficiente para fazê-la dormir a noite toda e permitir que a híbrida fosse a Hadria em paz. Imediatamente, ela sentiu o o arrependimento e a culpa rastejarem nas suas costas, mas ela os arrancou de lá com um sacudir de ombros. Manter o foco e não arranjar mais um motivo para surtar.
Com as mãos tremendo, Clio colocou a ração de Ketu perto do seu poleiro, voltou ao quarto de Ismini para devolver o vidro ao seu esconderijo e arrumar o cômodo do jeito que Ismini o deixara, saindo de lá antes que ela fizesse outra descoberta terrível sobre a sua mãe.
Ela esperou Ketu pousar em seu poleiro e comer seu jantar envenenado e então, tão sorrateira quanto entrou, Clio fugiu da torre outra vez.
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Clio poderia ter inventado alguma indisposição e não ter aparecido na taverna naquela noite, mas (1) ela não queria deixar Zori na mão em uma sexta à noite, (2) limpar e organizar coisas bizarramente ajudava Clio a desanuviar sua mente e (3) era a última noite dela ali.
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VÊNUS SEM AMOR [concluído]
FantasyQUE SEU CORAÇÃO DE FERRO SEJA SUA ARMADURA, TE PROTEGENDO PARA SEMPRE DA LÂMINA DO AMOR. Clio é filha de Ismini, uma das bruxas mais poderosas do condado de Atera. Sua linhagem deveria fazê-la tão respeitada quanto sua mãe, mas o sangue humano de se...