Capítulo XVIII: Aranhas e Árvores

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POSSÍVEL GATILHO: Aranhas.

ERA ENGRAÇADO. A importância dos ingredientes de uma poção não estava propriamente neles. Óbvio, propriedades físicas importavam. Não dava para triturar pedras e esperar pó de fada. Mas o essencial estava na simbologia.

Magia era um universo simbólico, como uma linguagem. Quando se tratava de poções, cada ingrediente era a rima de um poema, os pedidos de uma prece, as palavras de uma benção. Tudo variava conforme a intenção de quem estava por trás.

Por exemplo, na poção de Cura, a areia significava a solidez do machucado e a erosão do corpo. As cinzas significavam a extinção do que estava danificado. A adição de sangue bruxo era a adição de magia. A da água era a fluidez que magia precisava para funcionar. A glândula de aranha vinha da tenacidade da sua teia, que era passada para o usuário de Cura, e do poder criativo do aracnídeo. Esse poder tinha muita afinidade com Magia, o que fazia com que aranhas, glândulas e teias no geral fossem ingredientes frequentes em diversas poções. Os estoques acabavam rápido, então a maioria das bruxas fazia o seu máximo para morarem o mais perto possível de ninhários de aranha.

Havia um no bosque perto da torre, com quinze a vinte ninhos, dependendo da estação. Não era grande como os ninhários de Hadria ― a floresta feérica era um lugar proibido para Clio por determinação de Ismini ―, porém era mais do que suficiente para a demanda delas. A coleta era feita de mês em mês, mas com a necessidade de glândulas para as Curas de Vênus, Clio precisou visitar o ninhário uma semana mais cedo.

― Sinto muito por te dar trabalho extra. Você não tinha falado que pegar seda crua de aranha era horrível? ― Vênus perguntou. Ela estava de pé no meio do ninhário, praticando diferentes golpes com a espada.

― Estamos aqui para pegar glândula de aranha, não seda crua ― Clio respondeu. Pegar glândulas envolvia matar várias aranhas adultas, cortar seus abdômens e delicadamente retirar as glandes. Era repulsivo, mas não tão ruim quanto esguichar aranhas vivas atrás de seda crua.  ― E eu que te peço desculpa por te trazer aqui. Não é lá o mais agradável dos passeios.

― Por mim tudo bem. Experiências nojentas tornam qualquer aventura mais interessante na minha opinião, que nem em uma das histórias que Andreas contava. O sujeito tinha que enfiar a mão em um buraco cheio de insetos para salvar a namorada, ou era o contrário? ― ela ponderou ao zigue-zaguear a lâmina no ar, tentando seu melhor para não acertar nenhum ninho. ― De qualquer jeito, não me importo de vir aqui, só não entendi o porquê.

― A melhor estratégia de coleta é vir em dupla. É bom distrair as outras aranhas só para ter certeza que elas não vão te atacar enquanto você sequestra as irmãs delas. ― Sequestrar, no caso, era um eufemismo para o que Clio estava fazendo. Colocando as aranhas mais afastadas em uma sacola com veneno, onde elas morriam com um pouco mais de dignidade do que se fossem esmagadas, e sem danificar as glandes. ― Astro odeia vir no ninhário. As aranhas o deixam nervoso. E quando Ismini vem aqui, é ela quem me usa como distração.

― Mas ela foi para a boutique hoje. Eu vi ela saindo mais cedo — Vênus constatou.

― Sim, foi por isso que eu te trouxe. Mas não se preocupe, as aranhas não vão fazer nada com você. Elas apenas gostam de observar. Afinal de contas, os oito olhos delas têm que servir para alguma coisa.

Clio aproveitava as vezes dela como distração para praticar outras formas de magia fora da sua zona de conforto, como enfeitiçar as árvores para que dessem frutos fora de época e conjurar flores de fogo controlado, o tipo de truque que hipnotizava as aranhas. Vênus não precisava dessas artimanhas. Precisava apenas de ser ela, uma humana onde ninguém da sua espécie havia pisado, uma figura estranha para as aranhas. O brilho da espada também ajudava a encantá-las.

VÊNUS SEM AMOR [concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora