Capítulo XXIV: Sacrifício e Sentimento

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O MUNDO PASSOU COMO UM BORRÃO POR CLIO a medida que ela seguia uma Emerys frenética e levemente alta pelo labirinto de ruas de Vésper. Duas ruas à direita, atravessando uma praça com uma estátua de unicórnio, mais duas ruas à esquerda, subindo um morro e depois descendo uma escada estreita na parte externa de um edifício, andando em frente até... a praça com o unicórnio novamente?

― Emerys? ― Clio chamou, mas a bruxa continuou andando. ― Emerys! ― A híbrida segurou a bruxa pelo ombro e ela se virou. Agora que elas tinham enfim parado, Clio percebeu o quanto a sua respiração estava pesada. ― Tem certeza que não estamos andando em círculos?

― Estamos? ― Emerys olhou ao redor e se deparou com a estátua. ― Estamos! Interessante, acho que esqueci o caminho para a minha própria casa. ― Ela começou a gargalhar e Clio teve certeza que Emerys tinha um parafuso a menos. ― Mas não tem problema. Aqui, pegue na minha mão.

E menos parafusos ainda tinha Clio de seguir aquela mulher. Mas Clio não podia sair andando, podia? Ela tinha ido longe demais para desistir agora.

Clio pegou na mão de Emerys.

O barulho da cidade cessou. Um zumbido familiar começou dentro da cabeça de Clio e cresceu sem parar. A cidade ao redor delas parou e começou a girar que nem uma colher em um caldeirão, fundindo os prédios, as ruas, os feéricos e o unicórnio de pedra-sabão em uma amálgama. A única visão nítida era a do sorriso de orelha em orelha de Emerys.

Quando as coisas pararam de girar, Clio tombou em um chão de mármore. Emerys aterrissou do lado dela, plena e de pernas cruzadas.

― Ai, como eu amo a emoção de um teletransporte! Você não? ― Emerys se levantou, desamassando seu vestido.

― Emoção demais para mim ― Clio gemeu, sentindo seu quadril doer ao tentar se levantar também.

O escritório na casa de Emerys era brilhante e reluzente como ela. Piso de mármore, estantes de vidro e mariposas de cristal penduradas na cúpula do teto. Bem ao centro, havia uma mesa acompanhada por duas cadeiras de madeira esculpidas com porquinhos alados e, nos fundos, um telescópio gigantesco apontado para a janela principal do cômodo, praticamente um buraco no meio da cúpula.

― Rosso, onde está você, meu filho? Mamãe chegou com visitas!

Emerys foi respondida com um ronco vindo do cômodo ao lado. Um javali, que Clio assumiu ser o familiar de Emerys, entrou no escritório, carregando nas costas uma bandeja com um par de xícaras em pires, um bule fumegante e um prato de bolachas.

― Fui eu quem fiz esse jogo de chá, gostou? ― Emerys falou animada enquanto colocava tudo em cima da mesa do centro e dispensava o javali com um carinho no focinho dele. Clio murmurou um "sim" só para não deixá-la sem resposta. ― Eu sou uma entusiasta de artesanato, inclusive escrevi um livro sobre: "A Antiga Arte do Artesanato". Conhece?

Aquilo explicava muita coisa.

― Já ouvi falar.

― Que maravilha! Mas chega de falar sobre mim, vamos falar sobre você.

Emerys fez um sinal para que ela se sentasse em uma das cadeiras e depois a acompanhou. Segundos depois, a mesa e as cadeiras começaram a flutuar até elas pairarem entre as mariposas de cristal. Clio se agarrou nos braços da cadeira dela, tentando seu melhor para não olhar para a queda de cinco metros que a separava do chão.

Do outro lado da mesa, Emerys cantarolava uma melodia enquanto servia chá para as duas. De rosas, pelo aroma.

― O que te traz aqui, docinho? ― Emerys perguntou com um tom mais sério. ― Digo, Zori me contou que você está atrás de livrar uma amiga de uma maldição, mas eu preciso de mais detalhes para poder lhe ajudar. Maldições são feitiços complicados.

VÊNUS SEM AMOR [concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora