Capítulo XXIII: Ansiedade e Paciência

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CLIO PENSAVA QUE UMA ISMINI COLÉRICA DAVA MEDO até ver uma Ismini quieta.

Ela estava sentada na poltrona do térreo, vestida com seu roupão de seda escura como vinho, com as pernas cruzadas e uma xícara de café preto na mão pálida. A bruxa tomou um gole distraído de café, como se Clio nem estivesse lá.

― Mãe... ― Clio não sabia exatamente o que dizer, até porque seu coração batendo como louco dentro do peito não a permitia raciocinar direito.

Ismini cortou sua fala, como sempre, levantando um único dedo e deixou a xícara na mesinha ao lado antes de começar a falar.

― Não precisa se explicar. Eu sei aonde você foi e o que estava fazendo.

Sabia? Como ela sabia?

Clio não era idiota. Se Ismini sabia, ou ela tinha seguido Clio ou...

Lá fora, um grasnado anunciou o nascer do sol.

Ketu, Clio pensou como se fosse um xingamento. Aquela maldita galinha não conseguia ficar de bico fechado. 

Clio ficou com raiva não de Ketu, mas dela mesma. Ela deveria ter previsto isso. Ketu era leal a Ismini mais do que qualquer coisa.

― Tenho que admitir que eu estava furiosa com você. ― Ela finalmente olhou Clio nos olhos. ― Frequentar Vésper sem minha permissão, enfrentar goblins sozinha e trabalhar em uma taverna de feéricos? Honestamente, é uma odisseia suicida. Nem parece que você tem mãe. ― Ela tomou outro gole de café. ― Eu estava mais do que disposta a fazer você ouvir umas poucas e boas, porém, para a sua sorte, Vênus veio conversar comigo antes. Falou para que eu pegasse leve contigo, que você é jovem e espirituosa e deseja um pouco mais de emoção e liberdade na sua vida. Bem, ela não tem ideia do que é ser mãe em uma situação dessas, mas isso me fez lembrar que eu também era assim nessa idade. Claro, não posso afirmar que não me arrependo de certas coisas que eu fiz nessa época, porém isso não quer dizer que eu não... ― Ela fez um gesto com a mão, procurando pela expressão certa. ― ... entenda você. Portanto, façamos um acordo: você pode continuar frequentando Vésper e trabalhando naquela taverna, desde que você regule seu sono de dia, que não vá para mais nenhum canto do Vale Minguante e que Ketu permaneça pastorando você.

Desde que aceitou a de Zori, Clio tinha ficado boa em identificar uma proposta inegociável quando via uma. Isso não fez com que ela aceitasse tudo quieta, no entanto.

As palavras penduradas na língua dela não precisaram fazer muita força para se libertarem.

― Já eu não entendo você ― Clio disse. As sobrancelhas de Ismini saltaram e Clio viu surpresa nos olhos de sua mãe pela primeira vez. ― Tudo bem, eu reconheço, eu errei em esconder tudo isso da senhora e muito coisa poderia ter dado errado, mas não deu. Eu soube me virar sozinha, eu me livrei daqueles goblins sozinha e a senhora continua me subestimando, porque nada é suficiente para você. E você ainda tem coragem de dizer que entende meu desejo de liberdade, quando coloca a sua espiã de rapina na minha cola dia e noite. ― A esse ponto, aquilo tinha se tornado uma enchente. De palavras, de sentimentos, de memórias agridoces. Clio não estava nem um pouco interessada em barrá-la. ― Aliás, sabe por que eu tive tanto medo quando fui a Vergel e a Vésper e quase fui morta por aqueles goblins? Porque você me trancou nessa torre por quinze anos, sem deixar que eu desse um único passo sem ser vigiada, sempre colocando medo na minha cabeça. Seu medo.

Ismini deu uma gargalha medonha e descrente.

― Você está certa, Clio. Eu não te entendo! E realmente não entendo por que você insiste em me vilanizar. Bem, faça o que você quiser. Vá para Vergel. Vá para Vésper. More lá se assim desejar. A única coisa que eu não vou permitir é que você me trate desse jeito. Eu não serei a vilã da sua historinha, Clio, não serei. Não quando tudo o que eu fiz durante esses quinze anos foi por você, para te criar e te proteger.

VÊNUS SEM AMOR [concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora