Quando o filme acabou, eu sentei e me espreguicei.
— Já volto — falei. Quando cheguei perto da porta, Josh perguntou:
— Aonde você vai? — Virei e vi que ele sorria, debochado.
— Quer mesmo saber?
— De jeito nenhum.
Dei risada e saí sem responder, embora tivesse certeza de que ele estava curioso de verdade. Fui até a cozinha, peguei o pedaço de bolo na geladeira e levei de volta para a sala de descanso.
Afastei alguns brinquedos, pus o bolo em cima da mesinha e sentei ao lado dele, puxando metade do saco de dormir sobre nossas pernas. O bolo era protegido por uma tampa de plástico que eu esperava que o tivesse mantido fresco durante o tempo de geladeira. Josh tinha encontrado outro canal de televisão e me concentrei nisso.
— O que está vendo?
— Um documentário sobre Martin Luther King Jr.
— Ah, é. Hoje é Dia de Martin Luther King Jr. Quase esqueci.
— É por isso que a biblioteca está fechada.
— Sim. Vamos perder parte das aulas amanhã — lembrei.
— Que tragédia.
Perdi muitos dias de aula por causa da ansiedade, mas esse era diferente.
— Você falta muito. Por quê?
— Sempre tenho um motivo — ele falou.
— Nossa, quanto mistério. Você gosta desse tipo de resposta, não é? — Ele bateu o joelho no meu embaixo do saco de dormir e fiquei em dúvida se foi de propósito ou sem querer. Provavelmente ele achava que era uma boa resposta para minha pergunta.
— Trouxe isso como instrumento de tortura ou tem a intenção de comer? — Acenou com a cabeça na direção do bolo.
— Queria bolo, Josh?
— Sim.
Dei risada, inclinei o corpo para a frente e tentei tirar a tampa. Era quase impossível. Josh não se mexeu para me ajudar e senti que ele debochava de mim em silêncio.
— Vou comer o pedaço inteiro quando tirar a tampa.
— E vai ter dor de cabeça de culpa.
Finalmente consegui destampar o bolo, passei o dedo na cobertura e espalhei na bochecha dele.
Josh tentou fazer uma cara séria, mas um sorriso transformou seu rosto. Ele deixou a cobertura lá enquanto eu dividia o bolo ao meio e comia minha parte. Era tão doce que senti as bochechas doendo. Ele também comeu seu pedaço, ainda com o rosto sujo de creme.
— Não vai limpar isso aí? — perguntei.
— Não. — Peguei um guardanapo na pilha sobre a mesa e ofereci a ele.
— Mas aí não vai mais te incomodar.
— Acha que já me conhece muito bem, não é? Pois não conhece. Isso aí não me incomoda.
Ele olhou para a televisão, agindo como se nem sentisse a cobertura no rosto.Suspirei e a limpei eu mesma. Olhei em seus olhos enquanto limpava o creme, minha mão em seu rosto, os corpos próximos, meu coração parecendo ter parado.
Recuei, joguei o guardanapo em cima da mesinha e me ajeitei embaixo do saco de dormir antes que fizesse alguma idiotice.
— Bom, é quase impossível te conhecer, mas você já sabe disso. Faz de propósito — eu o acusei.
— Eu faço poucas coisas de propósito.
— É difícil de acreditar.
A mão dele, que descansava sobre a almofada entre nós embaixo do saco de dormir, roçou a minha. Tive um impulso estranho de segurá-la, mas resisti. A perna bateu na minha de novo, mas dessa vez ficou ali encostada, a pressão amolecendo meu cérebro.
— Mas, mesmo que você não ajude muito, acho que agora também te conheço bem — falei.
— Ah, é?
O volume da televisão aumentou, embora nenhum de nós tivesse tocado no controle remoto. O telejornal havia começado, e era bem mais alto que o programa anterior.
— Entre as manchetes de hoje, temos uma atualização sobre o acontecimento que divulgamos ontem à noite do Condado de Utah. Um desaparecido, presume-se que morto, e um ferido, o motorista do automóvel que bateu no desfiladeiro Fork na sexta-feira à noite e caiu no rio. Noah Urrea voltava para casa depois de uma festa com amigos. Não ficou claro se o acidente tem alguma relação com álcool. — Sufoquei um grito quando minha foto apareceu na tela. — Any Gabrielly, aluna da Escola de Ensino Médio Timpanogos, não foi encontrada. As coisas dela foram retiradas do carro de Urrea depois que ele foi levado para o hospital em estado crítico. Equipes vasculham o rio nos últimos dias. Considerando o estado em que Any deve ter ficado após o acidente e as baixas temperaturas, as autoridades temem que ela não tenha sobrevivido. Equipes de busca faziam uma varredura nos bosques às margens do rio, mas a operação foi suspensa ontem à noite, depois que outra nevasca castigou a região. Urrea permanece em estado grave no Hospital Infantil de Base, em Salt Lake.
Uma voz soou perto da minha orelha.
— Você precisa respirar. Respira fundo.
Arfei ao inspirar. Meu coração estava acelerado e o sangue corria, fazendo um barulho alto em meus ouvidos.
— Se você tem alguma informação referente a essa busca em andamento — continuou a mulher na tela —, entre em contato com a polícia.
Meus pais achavam que eu tinha morrido. A pressão aumentou em meu peito e a dor me dominou. Meus olhos não se desviaram da tela da televisão, embora o telejornal já tivesse mudado de assunto. Eu estava completamente paralisada no sofá, sem saber o que fazer. Foi então que surgiu um zumbido alto, e meus ouvidos começaram a apitar. O barulho ecoava pela sala toda e ia além, repetindo-se como o som do meu despertador. E, como meu despertador, eu queria que parasse. Tampei as orelhas e tentei entender de onde vinha aquele barulho. Será que da minha cabeça?
— Você está tendo um ataque de pânico? — Uma voz distante perguntou atrás de mim. — O que costuma fazer quando isso acontece? — Ele massageava minhas costas.
Eu não conseguia pensar direito. Isso era pior que tudo que eu já havia sentido. Eu precisava de ar fresco. Precisava ver meus pais. Meu irmão. As pessoas estavam achando que eu tinha morrido. Isso não estava acontecendo.
— Tenho que sair daqui — repeti insistentemente.
— Any. Você precisa respirar. Põe a cabeça entre os joelhos...
— Por quê? — O mundo à minha volta estava escurecendo.
— Any, olha para mim. — Olhei. O olhar dele era intenso, focado e incrivelmente sério. — Se não respirar mais devagar, você vai desmaiar.
— Eu. Não. Desmaio — falei entre uma inspiração e outra.
— Talvez nunca tenha desmaiado, mas acho que nunca teve um ataque de pânico com o estômago vazio. — Eu não conseguia levar ar suficiente aos pulmões.
— Preciso sair daqui.
— Eu sei. Eles já vão chegar. Tem alguém a caminho. Aguenta firme.
Antes que eu pudesse analisar o que isso significava, tudo virou um borrão.
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Ao Seu Lado {Adaptação Beauany}
RomanceO que fazer quando você se apaixona pela pessoa que menos esperaria? Depois de se ver trancada acidentalmente na biblioteca pelo fim de semana inteiro, Any Gabrielly não acha que as coisas podem piorar. Mas ela percebe que não está sozinha. Josh Bea...