Capítulo 4

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- Hannah

   Na manhã seguinte, Urânia e eu nos encontramos em uma lagoa que sempre íamos, para nos divertimos juntas por uma última vez. Nos vestimos com maiôs pretos, e levamos mochilas com nossos pertences, que deixamos em cima de um banco próximo ao local.

   – Ah, Hannah. Vou sentir tanto a sua falta! Essa lagoa não será a mesma sem você aqui, achando que sabe cantar! – diz Urânia assim que entramos na água.

   – Há. Há. Deu para fazer piadinhas agora? A Musa da comédia é Talia. Você é apenas a Musa da Astronomia e Astrologia. Só isso. – digo, e jogo água em Urânia.

    – Sim, assim como você é a Deusa do Ébano, e não alguma Deusa ou Musa do canto, ok – diz Urânia jogando água em mim também. – Mas é sério. Vou sentir sua falta.

   – Também sentirei saudades de você, Urânia. – falo um pouco mais séria. – Você é uma das poucas amigas de verdade que eu tive aqui.

   – Eu sou a única amiga que você teve aqui!

   – É....Você foi a única... – pausa. – Ah, Urânia. – Desato a chorar.

   – Calma, Hannah – diz Urânia, abraçando-me. – Tudo vai ficar bem, você vai ver!

   – Urânia... você sabe que eu não roubei joia alguma, não sabe? – pergunto com receio. – Aquilo foi uma armação contra mim.

   – Sei, Hannah. É claro que eu sei. Você nunca faria isso.

   – É, mas segundo protocolos e registros eu...fiz.

   – Ainda assim, acredito em você! Nós somos amigas. Amigas devem acreditar e confiar umas nas outras, não é?

   – É...

   – E, mesmo que eu não acreditasse... Bem, você por acaso acha que eu costumo fazer amizade com ladras? – diz ela, debochando.

   Não consigo responder, apenas sorrio e digo:

   – Obrigada, Urânia! Por...tudo.

   – Eu que agradeço, amiga – diz Urânia – Pela convivência, por me aguentar nos momentos de crise, pelos conselhos, pela diversão... Você não é falsa e egoísta como as Deusas que vivem por aqui. Você não pensa só em si mesma.

   – É, acho que somos um pouco parecidas. – falo, sorrindo.

   – Sim. Acho que é fácil lidar com você, por sermos tão parecidas. – diz Urânia seriamente – Não sei o que será de mim sem você aqui...só que sabe, eu não podia me dispor a ir à Terra também. Tô quase completando 800 anos, o que significa...

   – O que significa – interrompo – que você se formará em Astrologia e se tornará uma Musa superior.

   – É... E se eu fosse pra Terra e não conseguisse voltar, bem...você...

   – Eu não tenho família, não sou respeitada, e, fora você, também não tenho amigos. Não há motivos para eu continuar vivendo no Olimpo. – digo – Se eu não conseguir voltar, não faria diferença para as pessoas daqui.

   – Faria para mim – interrompe-me Urânia.

   – Já você... – continuo – Você tem parentes e amizades aqui. Eles ficariam tristes, se não voltasse. Então...eu entendo o porquê de você não querer ir e concordo que deva permanecer no Olimpo. 

   – Ah...eu até quero ir Hannah! – diz Urânia – Viver aventuras nesse planeta, conhecer as pessoas de lá. Mas, eu realmente não posso.

   – É, eu sei...

   Faz-se silêncio por alguns minutos. Nenhuma das duas estava preparada para a despedida. 

   Urânia sai da lagoa e se enxuga com uma toalha. Em seguida, abre sua mochila e pega um pote de vidro pequeno.

   – Para você. – diz ela entregando-me o pote, enquanto saio da água também. – É uma nebulosa.

   – Obrigada Urânia! – digo, surpresa, enquanto pego a toalha para me secar. Enrolo-a em meu corpo e então seguro o pote com um líquido avermelhado e azul-violeta brilhante. – É a Nebulosa de Órion? Sensacional!

   – Sim – ela responde. – Eu coloquei um pouco nesse pote para você levar contigo, e não se esquecer que tem uma amiga chata aqui, que te ama.

   – Own, Urânia. Também te amo! – digo, abrindo minha mochila vermelha e guardando o pote dentro dela. – Não vou me esquecer de você! Assim como quero que não se esqueça de mim! – E pego na mochila um pacote minúsculo. – Para você. – entrego-o a Urânia, que abre instantaneamente e encontra um colar com um pingente de coruja feito de madeira.

   – É lindo, Hannah. Você que fez? – pergunta ela admirando o presente.

   – Sim – digo, contente.

   – Vou usá-lo sempre! – fala Urânia. – Obrigada! 

   – De nada! – digo. – Então... é isso.

   – É. – fala Urânia fixando o chão.

   Colocamos nossos vestidos em silêncio, pegamos nossas mochilas e caminharmos um pouco pela orla da lagoa. Mas paramos subitamente.

   – Promete que vai me escrever cartas e mandar por Hermes? – pergunta Urânia abraçando-me fortemente

   – Claro – digo retribuindo o abraço – Assim que eu descobrir como.

   Caminhamos por mais alguns instantes.

   – Está na hora. Tenho que arrumar minhas coisas e encontrar Hefesto, que me ajudará no transporte para a Terra. – digo olhando para minha melhor amiga.

   – Certo. Então...tchau. Se cuida, está bem?

   – Sim, vou me cuidar direitinho mamãe! – digo com ironia, e abraço-a por uma última vez – Adeus Urânia.

   – Adeus, Hannah.

   E fomos para caminhos distintos, sem olhar para trás. Urânia em direção à cabana em que morava, e eu a caminho de casa, onde faria minhas malas.

A Traição - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora