Capítulo 12

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    Acordo uma hora antes do habitual e decido não dormir mais. Já perdi a hora uma vez, não quero perder de novo. Mesmo com o despertador... organizo minha mochila e me arrumo também. Então desço para a cozinha e encontro Fabrício.

 – Bom dia, Anna.

– Bom dia! Como vai você?

 – Bem, e você?

Encaro ele. Normalmente eu diria "bem também" ou algo parecido. Mas, preciso de um amigo, de um conselho, de uma ajuda. Eu não sei o porquê, mas vejo isso tudo nesse garoto que eu mal conheço.

– Não. Fabrício... se você quer muito uma coisa, para ter a compreensão de amigos, mas ao mesmo tempo fica indeciso, pois acha que fez outras amizades. E, essas amizades são compreensivas com você, sem esperar nada em troca. Bem, não sei explicar... O que você acha mais sensato? Quais dos amigos é a melhor opção?

– Anna, algo verdadeiro te dá o necessário por pureza e não por condições ou momentos. Pense nisso.

– Ok... – digo, e depois de tomar um suco e comer um pão, subo para o meu quarto.

   Certo. Vamos por partes... "Algo verdadeiro [...]". Algo verdadeiro, no caso, as pessoas verdadeiras, amizades. "[...] Te dá o necessário [...]", no caso, a compreensão...que eu preciso. Confiar e acreditar em mim. "[...] Por pureza e não por condições ou momentos [...]" Condições, no caso, seria o fato deles quererem que eu pegue um relógio. Só assim terei compreensão... Pureza... Os meninos são simplesmente meus amigos. Eles não querem nada em troca...

   Pego minha mochila e desço para a sala. Preparo um sanduíche na cozinha para levar para a escola e jogo na mochila. Então, fico assistindo TV até o meu pai e a Lary estarem prontos. Assim que estão, vamos para a escola.

   Quando chegamos na Martin Hous, vejo o Nathan e Lucas conversando na porta da sala. Vou até eles.

   – Oi!!! – digo, animada.

   – Olá, Anna. – eles respondem.

   – Nós estávamos falando sobre o quanto a Lara, professora de Artes, é preconceituosa. Nós temos que fazer algo em relação a isso, poxa. Não podemos deixar que ela prossiga com tanta... desumanidade. – diz Lucas.

– Pode crer! – digo. – Algum plano?

– Eu estava pensando em fazermos um protesto aqui na escola. – fala Lucas, com os olhos brilhando. – Eu já fiz estes folhetos para distribui pro pessoal. – E mostra um bolo de folhetos com os dizeres "Preconceito, não mais!".

– Nossa! Muito maneiro! Se contagiou mesmo, em! – digo.

– É, pois é. – ele diz. – Estou fazendo uns cartazes também. Vocês vão participar, não vão?

– Claro! – digo.

– Pode contar comigo. – fala Nathan.

– Certo então. Vou falar com as outras turmas. O protesto vai ser na segunda, ok.

– Ok! – Nathan e eu dizemos enquanto entramos na sala. Sento na carteira ao lado dele.

– Você é bem tímido, em!

 – É....sei lá, não gosto muito de conversar. Não há necessidade nisso. Viver é chato! Se eu pudesse, acabaria com o mundo. Certo. Agora sei porque não é seguro deixar o relógio com esse garoto.

– Por que você acha isso? Nathan, viver é uma coisa incrível!

– Você diz isso, porque não perdeu os pais sem nem ao menos conhecê-los direito! Porque você sempre teve facilidade em fazer amizades, em ter namorado. Você não sabe o que é a solidão! A minha vida é chata, eu não sou feliz. Odeio todo mundo, assim como todos me odeiam. Todos são falsos e sempre querem algo para si. São egoístas egocêntricos! Estou farto dessas pessoas! Farto!

   Não sei o que é a solidão? Tenho mesmo que escutar isso? Eu vivi 700 anos sem os meus pais. 700 anos na solidão. 700 anos!

   – Nathan, acalme-se... – digo, tentando ficar calma. Afinal, o garoto está depressivo. – Eu não odeio você!

Me lembro que ele acha que eu odeio ele porque eu vivia dizendo isso, e acrescento:

– Eu falava que te odiava, pois... tinha inveja de você. Você é um garoto tão inteligente! Poxa, eu vi que você tirou 10,0 no último teste de matemática!

– Ah, inteligência não é nada! Eu não sou um cara legal...

– Olha só, se você continuar falando para as pessoas que querem ser suas amigas, que você é mau, sanguinário e cruel, realmente não vai ser nada fácil alguém gostar de você! Acredite em mim. Não sou sua amiga por interesse. – as últimas palavras falham quando saem da minha boca. Infelizmente, eu estou mentindo. – Eu gosto de você. Eu acho você um cara muito maneiro e por isso quero ser sua amiga. Quero te mostrar que a vida é linda, sim! 

    O primeiro passo para se ter amizade de alguém é a confiança, não é? Acho que já tropecei nesse caminho e estou quase caindo no poço. Ele nunca vai me perdoar.

– Ok.

– Ok? Hm...tá! Então, para começar, coloque um sorriso no rosto!

– Claro... até porque, agora teremos aula de Física, e eu amo essa matéria!

– Sério? – pergunto incrédula. Eu também gosto de física!

– Não! – ele diz e rimos.

   Lucas e Hugo entram na sala. Lucas se senta na fileira do Nathan, e Hugo na carteira atrás de mim. O professor Maurício começa e termina sua explicação de física. Ninguém conversa na aula dele. A maioria dorme.

   No início da aula de Sociologia, sinto alguém cutucar minhas costas. Hugo.

   – Ajeita a coluna, moça! – ele diz. 

    - Quê?

– Você se senta de forma muito ereta. Está vendo as pessoas ao seu redor? Eles estão relaxados, uns quase deitando na cadeira. Já você não, está toda certinha. É estranho.

– Ah, tá. – digo. Como sou uma Deusa, é natural para mim ter postura. Tento descontrair os músculos e me sentir mais leve. – Melhorou?

– Uhum. – ele diz.

Será que percebeu que há algo anormal comigo? Após 10 minutos, ele me cutuca de novo. Viro para trás.

– O que foi? – pergunto.

– Ajeita a coluna!

– Aiê! Cê vai mesmo ficar me perturbando? – digo, tentando relaxar os músculos de novo.

– Aham. Para que mais eu vivo, se não para perturbar os outros?

   Me viro para a frente novamente e tento prestar atenção na aula. Não sei o porquê, mas gosto da vida de estudante. Apesar de não ser fácil. Depois de 15 minutos... novo cutuque. Nem olho mais para trás, apenas ajeito a coluna. E foi assim em todas as aulas, até o recreio. Quando finalmente o sinal tocou, e eu estava pegando o sanduiche dentro da mochila, David vem falar comigo:

– Oi, amor!

– Não. Me chame. De. Amor! – digo, com pausas, tentando não me irritar.

– Quer ir ao baile comigo nesse sábado...?

– Ahm, valeu, mas não.

– Anna, nós somos namorados. Namorados saem juntos!

– É, mas sei lá. Acho que nem vou nessa festa.

– Se eu fosse você, iria... Seria uma boa oportunidade para tentar roubar o relógio do Nathan... Encaro ele.

– Tá. Me busque as 6:30h. Nem um minuto a mais. Tchau.

– Tudo bem então, namorada. Enfim, vou passar este recreio com você.

– Não vai, não. – digo, saindo da sala.

– Vou sim. Afinal, somos namorados, lembra? Há tempos não ficamos juntos... O pessoal vai desconfiar. – diz ele me puxando pela cintura.

A Traição - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora