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Aconteça o que acontecer, o tempo e as horas sempre chegam ao fim, mesmo do dia mais duro dentre todos os dias.
— Macbeth

Forks não era uma cidade acostumada a temperaturas elevadas e sol queimando o asfalto, aqui, chove mais da metade do ano e na parte que resta é úmido, nublado e frio. Por isso, não fiquei surpresa quando a família quis permanecer na cidade por mais tempo, alegando procurar residência permanente na localidade. Estávamos entre os nossos primos depois de passarmos uma curta temporada com outros parentes no Alasca.

— Você pegou tudo? — Gillian se aproximou, tomando as duas bolsas em sua mão pálida e de aparência delicada como se não fossem extremamente pesadas. Ela tomou de mim, sem nenhuma pergunta e fechou o porta mala com um baque. Olhei para o vidro na esperança de que não tivesse sido quebrado ou danificado.

— Sim. — Balbucio, puxando a mala em meus pés. As rodinhas crepitaram no chão de pedrinhas conforme subíamos a pequena escadaria da casa. Ouço o barulho dos galhos roçando um no outro, das árvores e arbustos balançando com o vento. O chiado do vento sempre foi capaz de me acalmar, isso mesmo antes da minha atual condição física.

— Alastor! — O homem parado no pé da escada abriu seus braços e caminhou amistosamente em nossa direção, ele tinha um sorriso sincero em seu rosto e uma bonita mulher ao seu lado. — É muito bom vê-los.

Alastor é, para todos os efeitos, o meu pai. Gillian é, para todos os efeitos, a minha mãe. Mesmo que eles não parecessem muito mais velhos do que eu, mas era assim que tinha que ser, pelo menos para os olhos humanos.

O cheiro salgado do mar me fez sorrir levemente. Quando entramos nos limites da cidade, a primeira coisa que captei foi o cheiro da maresia, eu amo o mar. Quando ainda era humana e sonhava, sempre tive sonhos recorrentes de ondas gigantescas e praias que nunca sequer vi, pesadelos que sempre me assustaram e me afugentaram de praias e qualquer coisa relacionada ao mar. Talassofobia, eles disseram. Contudo, depois que minha vida humana acabou e eu descobri que aparentemente sou o predador mais forte e letal que já existiu, o medo foi embora.

— Obrigado por nos receber em seu seio familiar, Carlisle. — Alastor o abraçou de volta, trocando com ele cumprimentos. A mulher ao seu lado, de cabelos de um castanho médio e cachos soltos nos olhou com um sorriso pequeno, amistoso, maternal... Ela tinha algo em torno de si como se fosse capaz de abraçar o mundo inteiro. — Esta é Gillian. — Ele apontou para a mulher ao meu lado que sorrindo se aproximou, segurando as duas malas com uma mão e apertou a mão grande do anfitrião. — E esta receio que você já conheça, não é mesmo? — Então os olhos dourados caíram sobre mim. Carlisle Cullen, o médico que tanto se ouviu falar em Forks. As minhas lembranças daquela noite eram muito vagas, pouco tempo havia se passado, mas ainda assim já era o suficiente para que a minha mente inumana fosse capaz de recordar os trágicos acontecimentos. Contudo, eu não estava com sorte.

— Tenho certeza que sim. — Carlisle se aproximou, tocando o meu ombro. — Seja bem-vinda de volta a Forks, Alina. É bom vê-la novamente. — A mulher ao seu lado pegou minha mala de rodinhas e com um último sorriso me disse silenciosamente para acompanhá-la.

A casa em si, foi adaptada ao relevo do lugar. Ela é feita de muita madeira e concreto e fica localizada em uma área afastada dos humanos locais, não poderia ser diferente, aqui é onde o clã inteiro se reúne e podem agir com naturalidade, se é que o que somos podemos chamar de "normal".

— É uma bela casa. — Gillian elogia para a mulher cujo nome descobrir ser Esme, depois de colocar nossas malas no hall de entrada e acompanharmos o doutor e Alastor para a sala de visitas.

— Obrigada, eu sempre gostei muito de arquitetura. — Esme tem aquele sorriso jovial que me trouxe lembranças tristes.

Me afastando deles, sigo em direção oposta da sala discretamente. Uma parte onde uma parede grande de vidro me da a visão ampla da floresta densa.

Estar de volta é doloroso, o que não deixa de ser bastante contraditório dado ao fato crucial de que não sinto dor. Na verdade, não sinto nada. Somente sede, muita sede.

Nos primeiros meses após a minha transformação estive dentro de um caos eterno. Eu queria matar, beber sangue, não me importar com as regras, e morrer definitivamente. Mas, havia as regras, não podíamos deixar os humanos descobrirem sobre nossos segredos, matamos discretamente, eles disseram. Mas, minha "família" não atacava humanos e sim animais. De todos os tipos, Gillian me disse, mas tínhamos também que tomar cuidado para não devastar a fauna do local. Ou seja, minha atual condição me limitava.

Eu não estava feliz. Na verdade, não sou capaz de recordar nenhum momento em que a sensação de felicidade tivesse explodido em meus poros até aquele fatídico dia. Tudo mudou, toda a minha vida foi deixada para trás e a única recordação que sou capaz de lembrar com coerência são os bonitos e profundos olhos negros me olhando com desespero e tristeza.

— Não me deixe...

Sua voz ecoava em minha mente a todo momento. A angustia em sua voz trazia a angústia para mim, como uma corrente, me quebrando e despedaçando.

— Faça, não vou perde-la!

Ele não cumpriu a sua promessa.

𝐁𝐥𝐨𝐨𝐝𝐲 𝐒𝐮𝐧 - 𝐓𝐡𝐞 𝐓𝐰𝐢𝐥𝐢𝐠𝐡𝐭 𝐒𝐚𝐠𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora