Atualmente, 17 de fevereiro
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- E como veio parar aqui? - Michael pergunta.
Já é de noite. O escuro me impede de me acostumar com a figura nova. Tudo parece ainda um sonho. Fizemos uma fogueira, que faz as sombras das árvores dançarem. O garoto se chama Philip, tem em torno de 200 anos de vida e um cabelo loiro bem ralo. Sua voz é confortável de se ouvir - o que é bom para ele, que adora falar. Ele fala muito.
Mordisco o feijão dentro da lata que já esfriou em minhas mãos. Está duro. Hoje é uma noite mais fria que ontem.
- Bom, eu morei em um lar para menores na cidade de onde vim. Eu vi a guerra chegar ao fim. As potenciais mundiais declararam um cessar-fogo um ano depois que invadiram minha vila. Todos os países queriam reorganizar e reestruturar a separação entre Urbanos e Rurais. Os trabalhadores dos campos não eram mais Rurais. Os americanos, entretanto, sabiam que os últimos Rurais estavam em algum lugar dos Estados Unidos, e foi quando o exército inglês decidiu cruzar o oceano até aqui, o único país que não declarou o fim à caçada aos Rurais.
Ajeito minha coluna, que ainda dói. Coço o band-aid em minha cabeça, que às vezes lateja. Caçada.
- Trouxeram minha irmã ao país que agora vive uma ditadura - mais precisamente, esse estado. Os outros lados dos Estados Unidos, logicamente, não queriam estourar uma guerra civil, então concentraram as potenciais Urbanas aqui, na Carolina do Sul. Foi quando viajei para cá, por um navio de carga. A principal base militar deles fica em Belfast. É um lugar muito grande, com três prédios e muito armamento. O problema é que essa ditadura já perdurou por mais de um século. As pessoas das outras cidades já estão fartas. Tentaram inúmeras vezes derrubar o governador deles, Martinez…
Congelo.
- Que nome você disse?
- Martinez.
Encaro Michael, incrédulo.
- Foi o mesmo nome que ele disse no esconderijo.
Michael parece indiferente.
- Acho que faz sentido. Eles encontraram a gente.
- O mais lógico seria deixar o estado, então.
- Aí é que mora o problema - Philip diz. Não gosto disso. - Não tem como sair daqui. Eles fecharam todas as fronteiras. Ninguém entra, ninguém sai.
- Que droga.
- Como foi que você se virou por aqui depois que chegou?
- Eu entrei pro exército. Eles precisavam de vários soldados, então não foi difícil. Fiquei por anos pulando de cidade em cidade para que ninguém desconfiasse. Até que descobri sobre Belfast, então passei a morar por lá. Minha última entrada para o exército, foi, na verdade, nas forças aéreas. Aviões, helicópteros, mísseis navais… - As palavras soam como itens de filmes ou coisas parecidas. - Por fim, quando a base estava prestes a ser desativada, eu ouvi algumas conversas sobre a localização revelada de um Carvoeiro. Haveria uma batida e eles iam o matar. Não consegui me conter, então fui até lá e o avisei. Os soldados não o encontraram, nem sua esposa. A base acabou sendo desativada, então ganhei um amigo Carvoeiro e um jato desativado não muito longe daqui. É onde moro agora.
Engulo a última colherada de minha lata.
- Onde seu Carvoeiro fica hoje?
- Na cidade, mesmo. Ele gerencia uma papelaria.
Assinto.
- Como foi que soube de nós?
- Isso foi logo depois que passei a morar na floresta. Eu visitava meu Carvoeiro periodicamente com a moto dele, que agora é minha. Ele me deu para me ensinar a dirigir. Eu vou lá toda semana. Num dia em que eu estava lá, Sean nos procurou. Ele disse que havia perdido todos os recursos para salvar a família, mas que precisava morar na cidade. Meu Carvoeiro ajudou o seu. Ele se mudou pra algum bairro não muito longe dali e passou a frequentar a papelaria. Ele até me ajudava a procurar pistas sobre o paradeiro de minha irmã. Ele sabe que ela tá viva, mas não sabe onde ela está. Eu suspeito do norte do estado.
Estaco.
- E minha irmã está…
- Não, claro que não. - Ele dá risada. Eu o encaro. Ele é bonito, mas a fogueira e a maneira como ele trata o assunto com naturalidade me assustam. - Ela está um pouco mais ao norte dessa floresta mesmo. Amanhã de manhã a gente vai até lá e descobre como entrar.
- E onde é "lá"?
- É um barracão velho de contrabandistas. Eles odeiam os militares. Acho que planejam ameaçar o governador ou algo parecido. Não se preocupa, ela vai estar bem.
Deixo a lata à direita de meus pés. Minhas mãos se cruzam em meu colo e eu encaro a fogueira. Ela dança.
À minha esquerda, Michael passa a mão de leve no roxo em sua testa. O machucado está feio. Seus olhos parecem cansados.
Philip boceja.
- Estou muito cansado. Sei que vocês podem não se sentir seguros comigo por perto, então vou um pouco para longe… - E aponta para a minha direita, uma parte escura da floresta. Fria.
Ele faz um gesto para se levantar e pegar suas coisas.
- Não faz isso, cara - protesto. Ele me olha, confuso. - Não precisa fazer isso. Tá frio. Deita aí perto da fogueira…
Ele abre um meio sorriso.
- Obrigado, cara. - E começa a se ajeitar.
Michael me olha, muito cansado. Ele sorri. Acho que ele gostaria que eu vigiasse.
Me aproximo dele. Enquanto ele dispensa sua lata, retiro de minha mochila um edredom fino, branco e com cheiro de mofo. Parece algo confortável. Estendo em meu colo enquanto Michael se ajeita em seu próprio, que é azul, e deita a cabeça em sua mochila.
A fogueira ilumina suas lentes. Seus olhos estão quase fechados. Ele me olha e adormece bem devagar. Não desvio o olhar. Quando penso que ele está quase dormindo, sua mão encontra a minha.
Grande, leve, confortável e fria. Seu toque cria a ligação entre nós dois em sinal de proteção. Seguro sua mão com os dedos dançando em sua palma. Estamos juntos. Levo meu edredom para cobrir o caminho de seu braço até minha mão. Philip já está enrolado em sua capa, deitado de lado, adormecido.
Estou cansado, mas não estou com sono, então me concentro no toque de Michael em minha mão. Por fim, me deito ao lado da fogueira e ajeito o braço de Michael em minha clavícula. É quase um abraço, considerando que ele está adormecido.
Ali fico. Não sei descrever o momento, mas não quero que passe.
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Rural
Teen Fiction"Então eu também me viro e deixo ela para trás. Deixo as lembranças. Deixo minha irmã, deixo meu marido, deixo toda a minha vida. Deixo tudo. Bem, quase tudo. Porque o que sobrou ainda estou prestes a perder. Meu filho." Depois de ter sua vida e fam...