Atualmente, 16 de março
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Parando para pensar, Lily também terá habilidades em algum momento. Se até lá ela estiver viva, ela pode sobreviver.
Não me lembro de ter me questionado sobre isso antes, mas meus outros irmãos também terão. Não sei se eles pensam sobre isso também, tampouco sei se tais poderes serão iguais, ou parecidos.
Michael, alguém tão ligado a músicas, poderia desenvolver algo relacionado a sua audição. Lily poderia se comunicar com animais, ou convocá-los, algo assim. Jolie poderia criar universos - pensando bem, ela já é capaz disso. Ela é uma artista. Criaria universos como nas pinturas, bonitos e das cores certas, somente com elementos necessários. Cada coisa no seu mínimo detalhe. Entretanto, não desenvolvi nada relacionado a meu traço mais forte, a escrita. Nunca escrevi uma poesia sobre os ventos, os ares. Se eu o fizesse, criaria furacões, vendavais, o que o vento é quando está forte o suficiente. Não parece fazer sentido.
Também não parece mais apropriado chamar isso de poderes - parece algo que você controla. Não se trata disso. Não sei que nome usar. Eu gostaria de saber agora, cercado do que quer que isso seja.
Perdido em algum ponto da floresta, me lembro pouco de como retornei da cidade. Me recordo de perder Philip em algum momento, e começar a correr sem rumo. Estou perdido agora, e parece que as árvores vão desmoronar à minha volta, como fiz com o prédio, e com aquelas pessoas.
Como posso controlar isso, se toda vez que me machuco, ele quer fugir de mim?
Toxinas? Não. Meu DNA, talvez, mas também não. Poderes e ventos se tornou monótono em minha língua.
Estou com a cabeça entre as pernas, chorando desesperadamente, o céu escuro, e parece que tudo o que me cerca vai desmoronar.
É caótico e barulhento. Furacão parece apropriado, e estou no centro dele.
A sensação é de que isso não vai acabar. Segundos arrastados como horas, dias e semanas batidas. Vivo aqui há lendas, tão antigas quanto o próprio tempo.
Me sinto cercado da escuridão e do caos. Ainda não sei qual o nome disso. Tudo o que posso fazer é deixar sair. Estou mil vezes mais alto do que já me senti em qualquer outro momento. Estou fora de órbita, num lugar onde não há oxigênio.
Em queda livre, tudo parece voltar ao devido lugar: para dentro de mim. O som começa a desaparecer.
Numa pancada, acerto o chão e desmaio.Martinez surge em minha cabeça. Todas as coisas que perdi começam com ele: a explosão da floresta de pinheiros, a armadilha no trem, Jolie sendo levada, Lily sendo perseguida. Tudo.
Me lembro de sua imagem distorcida, a voz calma, dizendo que o Carvoeiro estava morto e que Lily, em breve, também estará.
No silêncio e no escuro, desejo, num sussurro, que ele esteja morto quando eu acordar.Sei que estou sonhando.
Estou na praia. O sol está se pondo - se pondo, não. Está nascendo.
Não sei quais roupas estou vestindo. Jolie, ao meu lado, não veste nenhuma.
Mesmo não olhando para o lado, sei que os traços de seu corpo são como uma obra de arte - cada um desenhado e perfeito, feitos para se encaixarem perfeitamente em minhas mãos, como peças de um quebra-cabeça de Van Gogh e que, com todas elas juntas, se formaria um quadro.
Continuo encarando o mar. Ele se agita.
Já aprendi a lidar com o sentimento duplo que sinto em mim. Ele nunca deixará de doer. Tudo que precisa de minha atenção agora é os manter vivos e por perto, porque são importantes.
O Carvoeiro está morto. Os dois. Não sei qual será o próximo passo.
Philip obviamente está abalado. Quando eu sair daqui, irei ver como ele está. Como todos nós estamos. Como eu estou. Talvez morto, considerando o que aconteceu. Considerando tudo o que tem acontecido.
Até agora não tive tempo para pensar no Carvoeiro. No meu Carvoeiro, meu tio. O tio de nós quatro. Na verdade, tive tempo de pensar em tudo, e não pensei em mais nada.
Em contrapartida, sei exatamente o que estou fazendo: pensando. Acabei de dar uma pausa. Acabei de me dar a chance de pensar no que está acontecendo e no que farei a seguir.
Apesar do estrago que sempre faço, sempre existe a calmaria depois da tempestade.
Tempestades. É um bom nome. Traz destruição, é barulhenta, mas também traz a chuva, e, quando passa, tudo parece melhor. Não vou me deixar esquecer.
Philip saberá o que fazer, eu espero.
Lily escapou, e está viva. Permanecerá assim, até que eu a encontre. Ela estará nas florestas, numa como essa. É lá que nos encontraremos.
O mar se agita. Não sei quais roupas estou usando. Jolie não veste nenhuma. O sol já nasceu.
Sei que tudo é um sonho. Mas também sei que, assim que eu acordar, vou arranjar tempo para visitar o mar de verdade. Saber qual a sensação de mergulhar nele. Nos caminhos que fiz de moto, observei que ele não está muito distante, só preciso pegar a estrada correta.
Por enquanto, vou aproveitar a vista. Olho para a direita. Ela está linda. Não sei quais roupas estou usando.
Por enquanto, vou aproveitar a sensação de tranquilidade. Por enquanto, não preciso me preocupar com onde me encontro.

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Rural
Teen Fiction"Então eu também me viro e deixo ela para trás. Deixo as lembranças. Deixo minha irmã, deixo meu marido, deixo toda a minha vida. Deixo tudo. Bem, quase tudo. Porque o que sobrou ainda estou prestes a perder. Meu filho." Depois de ter sua vida e fam...