Atualmente, 6 de março
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Finalmente. Que alívio.
De primeira, nem eu nem Jolie nos movemos. A garota não sabe quem somos, mas também não sabemos quem ela é.
É claro que sabemos. Ela está enjaulada.
A cela, em si, não apresenta qualquer dificuldade, caso alguém tentasse escapar. Mas a pessoa em questão precisaria contar com as próprias forças. A garota não parece ter nada disso.
Os barulhos ainda acontecem, periodicamente. O recinto, porém, não apresenta ameaça alguma. É quase calmo aqui.
A cela tem uma pequena abertura, com uma tranca, que se abriria caso estivesse destrancada.
- A chave deve estar por aqui - Jolie diz, e começa a procurar.
A ajudo, não sabendo direito o que fazer. Não sei como seria essa chave. Não sei o que estou procurando.
Embaixo das coisas, em gavetas, dentro de pastas, mas não a encontro.
Então, penso ouvir um barulho vindo do corredor. Paro de procurar.
Sinto a bexiga se expandir. Agora seria uma boa hora. Mas não. Meus poderes não parecem tão simples, que apareceriam na hora que eu quisesse. Talvez eles surjam por convenção, mas é difícil dizer.
De qualquer jeito, levanto as mãos ao checar a porta. Nada.
Jolie bufa. Nada.
Não sei por quê, mas me pego preso no olhar da garota - de Annie. Um olhar assustado e profundo, exausto. Ela não parece ter qualquer resquício de esperança de escapar.
Que espécie de ser humano faria isso com outro?
- Você vai ficar bem - a digo. - Estamos com Philip.
E seu olhar retoma a cor. Ouvir o nome de seu irmão fez algo acordar dentro dela. Ela se ajeita nos joelhos, e entre as grades. Me olha, querendo sair dali no mesmo segundo. Jolie parece prestar atenção nela, também.
Ela levanta seu braço direito, fino e branco, como papel, e aponta para um quadro ao lado da porta - para onde nossas cabeças se viram.
Um quadro, de estrutura grossa - o suficiente para guardar algo entre seu apoio e o vidro que guarda uma pintura de um jardim murcho. O suficiente para guardar uma chave.
Jolie caminha até ali, bate com o cano da arma no vidro, que estilhaça num barulho alto. Eu e Annie trememos. Dali, ela mexe até encontrar um molho de chaves - reparo que são muitas chaves.
- Que droga! - Jolie diz.
Um outro tiro, do lado de fora, me leva a me mover. Pego o molho e olho para Annie. A mostro as chaves, e ela estende a mão direita. Não preciso fazer mais nada.
Olho mais uma vez para o corredor. Ainda não existe nada além de salas e luzes. Nada.
Ouço algo ranger. Annie está saindo da cela. E é aí que eu percebo o problema: Annie não tem forças para correr.
Ela treme em suas próprias pernas, e Jolie a ajuda a se manter em pé, mas quase não funciona. Annie encara os próprios pés, trêmula, respirando pesado, pálida. Praticamente sem vida.
A bexiga se retorce e eu ouço um barulho, que minha cabeça registra, mas eu ignoro.
- Vamos precisar que você seja forte - digo, sem muita convicção. E minhas mãos começam a tremer.
Annie sussurra algo que não entendo, e Jolie a incentiva. As encaro, desesperançoso.
Naquele momento, ouço barulhos fortes de ventos atingindo as janelas, e percebo que eu devo assumir a dianteira agora. Eu quem deve comandar o caminho, e cuidar para que as coisas funcionem, porque Annie não tem mais forças, e Jolie não pode ter forças pelas duas.
Visualizo nosso caminho de volta: refazemos o mesmo corredor, descemos as escadas, virando nas mesmas curvas e repetindo os mesmos passos. Do lado de fora, vamos pelos cantos, pela sujeira e caos, até o depósito. Dali, esperar até a chegada de Philip e Michael, e então vamos embora.
E, dali, morarmos no meio da floresta, visitando a cidade até encontrar Lily, e levá-la conosco. E vivermos juntos, de novo.
Todos esses tiros, essas bombas, essa batalha vão parar. Tudo isso vai acabar. Por isso preciso sair daqui.
Mas é aí que me lembro: essa guerra é minha agora. Eu não posso mais fugir dela. Preciso vencer, ou morrer, e não existe outra opção.
Sinto uma rajada atingir a janela da sala ao lado. Então, despretensiosamente, olho para as duas, e vejo duas figuras estagnadas.
As duas encaram a porta atrás de mim. Jolie segura, vacilantemente, a arma em suas mãos. Annie ainda treme, sem forças.
Então escuto um passo. Tem alguém atrás de mim.
Então, silêncio. Até do lado de fora.
Quando me viro, um pedaço de pau gigante está saindo das mãos de alguém. Se isso descer em minha direção, provavelmente morrerei.
Então os sons voltam, e sinto um corte logo abaixo do cotovelo esquerdo.
Me jogo para a direita, e caio em meus braços, enquanto a estaca desce. Jolie solta um grito, e sei que sua arma foi ao chão.
A estaca não sai das mãos de quem atravessa a porta - uma mulher alta e desengonçada, usando peças de roupas de diversas cores, ofegante e me olhando profundamente.
Os movimentos não param, então. Tudo o que ela quer é me acertar, e tudo o que eu quero é sobreviver, então me mantenho em movimento. Ela grita, e eu também. Meu objetivo é pegar a arma aos pés de Jolie, mas a mulher está em meu caminho. Sua arma acerta a parede, o chão, a mesa, mas não a mim. Me jogo atrás de coisas, enquanto a mantenho em minha visão. Seu rosto é gordo, mas não memorizo sua aparência. Só memorizo o ódio que ela emana.
As luzes dançam, e tudo o que eu enxergo é o pedaço de madeira que quer me alcançar a todo custo, mas não vou deixar. A mulher acerta coisas enquanto desvio.
Preciso fazer algo. Penso na cadeira que está deitada. Vejo minhas mãos viajando até o encosto, o agarrando e o jogando em direção a mulher. Seu rosto se vira bruscamente, e a cadeira cai ao seu lado, e ela, em seguida.
- Leva ela daqui! - grito para Jolie. - Vamos sair! Vamos, vamos!
Olhando para o corredor, o caminho está livre. Quase não parece que acabei de desmaiar alguém, ou que meu coração está prestes a explodir, ou que a bexiga está me apertando no estômago.
Quase não parece que sobrevivi mais uma vez. Não parece real.
Puxo ar para os pulmões enquanto as garotas deixam o recinto, comigo logo atrás.
Então, algo puxa meu pé. É claro que sim.
Meu rosto atinge o chão, e minha visão treme. As mãos da mulher envolvam meu calcanhar direito, e as meninas me olham, implorando para que eu me livre dela e siga meu caminho.
Minhas mãos tateiam em busca de algo, mas não encontro nada, então berro, de raiva, de exaustão, de desespero. Não sei o que fazer.
Jolie encosta Annie na parede e vem para me ajudar. Sem a arma, Jolie pisa na mão da mulher, que grita, mas não me solta. Me viro e olho para trás, e a expressão de Jolie é tão mortal quanto a da mulher. De repente, os dedos largam minha perna e agarram a de Jolie, que cai. Me levanto, e a primeira coisa que faço é correr até ela, mas não percebo que a mulher não se agarra a Jolie, mas se levanta e recupera o pedaço de madeira.
Estamos eu e Jolie presos na sala, e entre nós e a porta, uma mulher com uma estaca gigante. Nós somos os alvos.
A arma de Jolie está em algum lugar que não é de meu conhecimento. Não sei o que fazer.
A mulher olha para o corredor e vê Annie, fraca e assustada. Ela sabe que ela não sairá dali. Ela dá um meio sorriso.
Mas ela não avança. Ela não tenta nos machucar. Ao invés disso, ela curva a cabeça para a minha esquerda, de leve, enquanto leva a mão livre até o bolso de trás. De lá, tira um dispositivo de comunicação a distância. Aperta um botão, e a coisa faz um barulho estranho. A voz dela é fina.
- Todos os militares interrompam a ação. Estou com três Rurais no andar de cima do terceiro prédio. Repito…
E ela repete, ainda segurando sua arma, ainda nos olhando. Annie está semi morta, olhando para a sala.
Como ela sabe que somos Rurais?
Meu braço encosta no de Jolie, e quando a mulher para de falar, ela guarda de volta o dispositivo. Seu olhar em nós apresenta satisfação. Ela está satisfeita porque existem três Rurais no andar de cima do terceiro prédio. E, agora, todos os militares do lado de fora nos querem. Todas aquelas armas voltadas para mim.
Eu devia ter percebido. Estava fácil demais. A chave apareceu fácil demais, Annie confiou em nós fácil demais. A mulher caiu fácil demais. Agora vou lidar com algo que já estou acostumado: quando tudo é desesperador e difícil. Essa é minha realidade agora.
- Vocês acham que podem ganhar essa guerra - Jolie diz. - Vocês não são tão fortes quanto pensam.
Não entendo onde ela quer chegar, nem a mulher.
Algo em minha barriga se agita. Eu também sou uma arma.
- Acho que é o que vamos descobrir agora, não? - a mulher responde. - As pessoas lá fora vão virar poeira, enquanto todos os militares vão se voltar para esse prédio.
Dou um passo involuntário para frente. Não sei o que estou fazendo.
Todos os militares estarão aqui em minutos. Estaremos cercados. Estaremos mortos. Me pergunto onde está Philip, ou Michael.
Meu olhar está fixo na mulher, e em tudo o que está na minha frente. Sinto, por um segundo, que tenho a vontade necessária para me livrar desse lugar.
Vontade, não, mas a força.
A mulher levanta o pedaço de madeira em minha direção, e Jolie grita meu nome.
Minhas mãos flutuam em volta da minha cintura. Não preciso levantá-las.
Meu estômago aperta.
Meus olhos, fixos, não piscam enquanto a mulher atravessa três paredes num barulho alto.
Um corte em minha perna. Solto a respiração. O aperto em meu estômago alivia. Mas continuo, ali, parado, sem entender o que aconteceu.
Estou encarando duas salas com as paredes destruídas. Uma delas está completamente revirada, liberando a saída para o lado de fora. A luz do sol passa por ali, enquanto nuvens de poeira dançam em volta das paredes que acabaram de cair. As salas davam no corredor onde Annie está. Agora, não sei o que são.
Respiro. Isso fui eu. Eu quis isso.
A mulher não se encontra em lugar algum. Em linha reta, os buracos nas duas paredes formaram um corredor até o lado de fora. Só estamos no andar de cima. Não podemos sair por ali.
Nem a mulher, aparentemente. Ela atravessou três paredes e caiu dois andares. Não tento imaginar o que aconteceu com ela.
Finalmente, olho para Jolie. Incrédula.
- Temos que sair daqui.
Ela não se move, só eu.
Caminho em direção ao buraco, passando pelo corredor que acabei de construir. Desvio de destroços. Não esboço expressão. Sinto cheiro de madeira.
Enquanto me aproximo da nova abertura, os sons vão ficando mais altos. Meus olhos acostumam com a súbita mudança de iluminação. Olho para o lado de fora. O campo aberto continua devastado, mas existe menos movimento. Uma batalha ou outra.
Um tiro, alto. Um pequeno buraco surge no teto, para onde meus olhos se voltam. Atiraram pela passagem.
E de novo. E de novo. Múltiplos tiros.
Me afasto de costas. A mulher avisou que estávamos aqui. Isso só pode significar que é para cá que eles virão.
Jolie já está tentando levantar Annie quando começo a ouvir passos altos. Estão invadindo.
- Jolie, estão…
- Eu sei - ela diz, sem olhar para mim. - Mas se eles vêm para cá, as pessoas também. - Com pessoas, ela quer dizer os cidadãos.
- Eles vão batalhar aqui dentro - digo e ajudo também. A pele de Annie parece fina como papel. Frágil. Não preciso fazer esforço. - Quer que eu ajude?
- Não, deixa que eu levo ela. Você precisa ir na frente.
Assinto.
- Sua arma?
- Não vou precisar dela. - E sua voz é firme.
Assinto de novo. Eu sou a arma, então.
- Vamos.
Começamos a caminhar e os sons começam a crescer. A calmaria vai se esvaindo. Vou na frente, pisando devagar olhando cada porta, cada corredor. O prédio parece muito menor do lado de fora, acho que já havia percebido isso. O problema agora é despistar qualquer ameaça. Não tenho garantia de que os cidadãos não irão nos atacar, então preciso ser cauteloso.
Acabei de fazer uma mulher atravessar duas paredes só com minha mente. Simples assim. Agora estou preso em um labirinto, sem saber em quais corredores existirá uma batalha. Meu estômago está apertado.
Desconheço a sensação, mas sei que posso fazer de novo. Fazer alguém voar. Eu só preciso de uma janela ou duas.
Me lembro que até ontem esses poderes eram algo assustador e completamente desconhecido. Agora sinto que sempre fez parte de mim. Engraçado.
Aos poucos, a calma vai se dissipando e se tornando pânico. Isso acontece porque estamos chegando nas escadas que levam ao andar de baixo. Onde o caos existe.
Estico o pescoço para olhar para mais uma sala. Vazia. Jolie e Annie respiram pesadamente atrás de mim.
Tenho a impressão de que existirão dois pólos, como lá fora, lá embaixo. De um lado do prédio, os cidadãos, e, do outro, militares.
Sons altos, explosões e gritos. Tudo um pouco abafado. Não sei dizer de onde vêm.
E chegamos nas escadas. O andar de baixo fica a uns dezessete degraus.
É isso.
Minha mão esquerda aperta a camisa em meu estômago. O toque é opaco.
Olho para as meninas.
- Vocês precisarão ser rápidas. Conseguem?
Jolie olha para Annie. Seus olhos assustados tremem enquanto ela assente, hesitante. Ela larga o ombro de seu apoio e segura no corrimão. Respira fundo, de olhos fechados.
- Vamos até Philip - Jolie diz. Annie assente novamente, mais confiante.
- Vamos - digo, o mais baixo que posso.
Começamos a descer. A sensação é de estar descendo para o inferno. Meu coração acelera.
Enquanto os corredores e salas vão aparecendo, mais escuros do que me lembrava, os sons também vão ficando mais altos.
No pé da escada, absolutamente nada. Calmo.
Uma explosão que faz o prédio tremer. Estou me acostumando.
Quando terminamos, olho para a esquerda e a direita. Se me lembro bem, as escadas ficam mais para a esquerda do lugar. Quero alcançar o lado direito, uma sala com janelas para o campo aberto, que dá caminho ao depósito. Onde Michael e Philip estarão.
Lembrar de Michael faz um frio subir em minha espinha.
Respiro fundo. Vou seguir para a direita, o máximo possível, até uma janela. A janela que for. Preciso sair daqui.
Começo a correr, e as meninas me acompanham.
Luzes fracas, barulho alto e nenhum sinal de vida. Assim é nos primeiros dois minutos. Virando aqui e ali, cuido para que meus passos sejam baixos.
Na próxima esquina, escuto gritos e tiros. Estico minha palma esquerda para trás, em sinal de que precisamos parar. Reluto em colocar a cabeça na virada, mas o faço.
Três pessoas, de costas para mim, atirando em figuras escuras e macabras. Militares. Pouca luz, brilhos, tremores. Nada mais. Uma cena esquisita. Eles atiram e se escondem atrás de armários, mesas e portas.
Escondo a cabeça novamente. O corredor faz parte do caminho. Posso estar perto da liberdade. O que preciso fazer é tirar aqueles dali.
O corredor que leva à esquerda também faz estrondos. Ouço gritos. Preciso ser rápido.
Olho para cima e fecho os olhos com força. Meu estômago aperta. Já sei o que fazer.
Sinto a bexiga novamente. Dessa vez, cheia, mas não prestes a explodir. Num outro momento, percebo que não preciso de janela alguma. Sinto que estou rodeado de vento e ar. Posso levitar.
E isso me acalma.
Olho para as garotas, que estão em dúvida, e viro o corredor.
Piso pesadamente. As pessoas ainda estão há alguns metros de mim. Me mantenho no meio do corredor, no caminho das balas.
Não sei por quê, mas estico o braço esquerdo. Minha mão faz um caminho em linha reta, da direita para a esquerda.
Um corte no indicador direito. Sinto avidamente o corte nascer.
A parede à esquerda dos militares explode. Um armário e os escombros os enterram. A luz acima deles se apaga de súbito. Um pouco do andar de cima desmonta acima deles. Eles somem.
Os cidadãos recuam logo antes de me avistarem. Continuo com o braço esticado.
A bexiga dentro de mim parece aliviar a pressão. E vejo três armas apontadas para mim.
Levanto as mãos. Falo mais alto do que posso controlar. Olhares assustados.
- Não, por favor! Calma!
Olhares assustados. Posso morrer agora.
Ouço passos atrás de mim.
- Niklaus! - grita Jolie.
Estico a palma direita, em sinal de redenção. Por favor.
- Estou com vocês - digo - Olhem… - E aponto para Annie. - É a Rural que eles sequestraram. Nós viemos tirá-la daqui. Estamos com vocês!
E somente respiro. Eles apenas me olham.
A arma da esquerda é segurada por uma mulher muito mais velha que eu. Ela treme.
- Foi você quem fez aquilo?
- Sim. - Não hesito em responder. Levo minha mão direita até o respectivo olho. Dali, tiro a lente. Tenho dificuldade, mas consigo. Revelo o verde do meu olhar.
- É um experimento? - É o homem do meio que pergunta.
- Sim. Eu sou. - E não falo de Jolie. Se algo acontecer, acontecerá só comigo.
- Por que está aqui? - a mulher pergunta, já abaixando a arma. - Não estamos lutando por vocês. Nós sempre achamos que fossem fantasmas. Que estivessem mortos há muito tempo. Que estivéssemos sob tutela do governo por razão alguma. Que estavam invadindo casas, racionando alimentos, presos igual ratos por causa de criaturas inumanas. Mas você se parece com um humano. - E inclina a cabeça para a direita. - Por que está aqui, Rural?
E me faço a mesma pergunta. Por que estou aqui?
- Essa garota foi tirada do meu amigo à força. Eu estou ajudando ele.
- Quando soubemos da explosão na floresta, pensamos que fossem vocês, detonando esses canalhas. Que lutariam conosco. Não sabíamos que estavam vivos. Por que não nos ajudou antes, Rural? Por que não mata todos eles? Você tem olhos de cores diferentes e explode paredes.
E se faz silêncio. Abaixo as mãos à altura do peito.
- Eu ainda sou humano - digo. Engulo em seco. - Eu não posso e nunca pude matar alguém. Eu não tenho tanto poder. Eles ainda são em maior número. Eu nunca escolhi ser caçado, nem ter esses poderes. Eu nasci assim…
Abaixo as mãos. Não tenho mais medo deles, mas sim de que eles pensem que eu tive escolha, antes de me tirarem do meu esconderijo.
- Essa menina é irmã de um outro Rural que me salvou. Eu nunca fiz nada por ele, e ele me salvou. Os militares tiraram o direito dela de viver. E de mim também. E dos meus irmãos. Eu só quero liberdade - e digo a última frase mais baixo.
- Nós também - Uma menina, a da direita, que fala, e ela se levanta, com a arma baixa. - Nossa luta não é com os Rurais, é com os militares.
- Então nos ajude - pede Jolie, se aproximando. - Por favor… - Ela quase não consegue falar. Ao meu lado, ela quase chora. - Nós não somos monstros. Somos só seres humanos. Temos uma família - ela implora. - Nós não queríamos isso. Nunca quisemos.
Se faz silêncio, de novo.
O homem se levanta. Não existe mais nenhuma arma apontada para mim. Consigo respirar.
- Vocês não são humanos. - Sua voz é grossa. - Vocês são outra coisa. Mas a sua batalha também é a nossa. Nós precisamos da sua ajuda pra acabar com esses merdas.
Eu assinto. Ele é alto.
- Nós não vamos vencer hoje, mas nós vamos - digo. - Por agora, já enfraquecemos eles. A gente precisa sair daqui.
Ele olha para trás, onde existem escombros.
- Por aqui, você não vai conseguir - e ele passa por mim, olhando para a direita. Aponta para outro corredor, que termina numa sala. - Você segue até ali e vira a direita. A parte esquerda do prédio tá cheia de militares. - Olha para mim. - Você segue e encontra a porta do pátio.
Assinto. Olho para o corredor e olho para as meninas. Elas começam a caminhar. Olho para os três.
- Obrigado, gente - e assinto, mas o homem segura meu ombro.
- Qual é o seu nome, menino?
Hesito, não sei bem por quê. Ele pigarrea.
- Meu nome é Dakota. Eu tenho uma filha, Rebecca. Eu estou aqui por ela. - E aperta meu ombro, e me olha mais de perto. - Eu não sei como essa guerra começou, ou como você nasceu, ou do que vocês são capazes, mas eu sei que você não é meu inimigo. Sempre soube.
Assinto.
- Você não é o meu.
- Ótimo. - E suaviza meu ombro. - Garoto, estou fazendo isso pela minha filha. Eu preciso que você me prometa que vai lutar com a gente.
- Eu prometo. - E olho para as duas. - Eu prometo que vou lutar.
- Obrigada, Rural - diz a garota, segurando sua arma.
Como não há mais nada a se dizer, começo a andar, sem me virar.
- Meu nome é Niklaus.
Dakota me encara.
- Boa sorte, Niklaus.
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Rural
Teen Fiction"Então eu também me viro e deixo ela para trás. Deixo as lembranças. Deixo minha irmã, deixo meu marido, deixo toda a minha vida. Deixo tudo. Bem, quase tudo. Porque o que sobrou ainda estou prestes a perder. Meu filho." Depois de ter sua vida e fam...