1 - Foi cômico, para não dizer trágico

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Um ano e meio antes da catástrofe



— Merda! — gritei assim que tropecei no cadarço do meu all star rosa ao descer as escadas do pequeno prédio que morava. — Eu tô muito atrasada. Meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Era o primeiro dia de aula depois das férias de verão, e eu estava atrasada. Havia dormindo tarde na noite anterior, não porque quis, mas porque fiquei remoendo minha briga com meu pai. Mais uma das inúmeras que passamos a ter assim que decidi sair de sua casa e viver do meu próprio jeito. Estava cansada, com um pouco de olheiras, e precisando de um café extremamente forte. Mas eu precisava correr. Eu tinha que ir ao primeiro dia de aula, precisava me organizar para o semestre. Assim como não queria iniciar minha volta às aulas tendo intriga com nenhum professor.

Não sei o que havia me dado na cabeça para me inscrever no grupo de pesquisas para conseguir as horas das atividades extras que a faculdade exigia. Odiava fazer atividades extracurriculares, ainda mais quando se tratava do senhor Greene. Sujeito babaca que se achava o melhor professor do mundo, mas não passava apenas de mais um arrogante imbecil no mundo. Já havíamos nos desentendido no semestre anterior, e nos desentenderíamos mais uma vez. Era ele quem ministraria as atividades na qual tinha me inscrito. Meu azar era muito grande mesmo, só não sabia o que me esperaria assim que entrasse naquela sala.

Me atrasar, mesmo que por cinco minutos, era um problema enorme. Morava do outro lado da cidade, demoraria uma eternidade até chegar à universidade, tudo por culpa do trânsito infernal de Los Angeles logo pela manhã. Nem ao menos tinha tomado uma xícara de café. Só desci as escadas do prédio correndo para não perder o táxi. O que não adiantou muito, já que o taxista fez o imenso favor de dirigir com toda a calma do universo. Tive que apressá-lo umas três vezes, sendo até um pouco rude na última, mas eu precisava chegar na maldita universidade.

Assim que fui deixada na entrada do campus, apenas paguei e sai correndo. Atravessei o campus como se minha vida dependesse daquilo, e bem, talvez minha vida acadêmica dependesse mesmo. Sabia que o senhor Greene poderia me proibir de entrar em sala por causa do atraso. Então corri mais, até mesmo empurrei alguns alunos que estavam em meu caminho. Não me importava o que pensariam de mim, eu só tinha que chegar na porcaria do prédio C e entrar na sala de debates.

Ao chegar no fim do corredor e ver a porta da sala ainda aberta, parei alguns passos de distância da porta e ajeitei os cabelos. Podia sentir a franja ainda úmida demais e os fios repicados batidos na nuca escorrendo água. Eu estava um caco. Então passei as mãos pelos cabelos numa última tentativa de arrumá-los, e olhei meu relógio de pulso. Oito e treze, poderia entrar em paz na sala, ainda estava dentro do limite de atrasado que a faculdade permitia.

— Está atrasada, senhorita Earl. — o professor Greene disse enquanto escrevia algo no quadro.

— Não estou. A faculdade permite até quinze minutos de atraso, a aula começa às oito, e são exatamente oito e treze. — disse ao passar por ele.

Pude sentir seu olhar sinistro sobre minhas costas assim que caminhei em direção a roda de alunos na sala de aula. Eu não me importava muito com a opinião dos outros, muito menos com a de um professor que não suportava, então apenas agi como se nada tivesse acontecido.

Quando olhei para o quadro, vi que o primeiro tema de pesquisa seria a legalização do uso de entorpecentes. Era um tema idiota, em minha opinião. Existiam outras pautas mais atuais e até mesmo mais importantes para serem discutidas, mas a universidade insistia em debater sobre temas que a juventude mimada e imbecil da minha geração adorava falar. Era uma espécie de massagem ao ego dos alunos por eles já serem torturados demais pelos professores ao longo de suas graduações. Não que eu não fosse falar sobre, até porque não podia me dar o luxo de escolher as pesquisas que faria, tinha que fazer todas para ganhar as horas necessárias, mas achava inútil.

CatástrofeOnde histórias criam vida. Descubra agora