4. Pesadelos do Passado

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Cascavéis. Ouço seus chocalhos e suas línguas sibilantes antes de realmente enxergá-las na escuridão. Elas estão por toda parte.

Atrás de mim, uma parede. O concreto gelado faz minha nuca se arrepiar. Não há saída.

Eu tenho minha adaga. Nunca estou sem ela. Desembainho, e percebo com uma surpresa que aquela não é minha adaga. O cabo de prata ornamentado, em formato de cascavel, com rubis para representar olhos da cobra peçonhenta, só podiam pertencer a uma pessoa.

Gaspar.

– Roubando de novo, S/N? Ladrazinha...

Ele aparece das sombras naquele corredor escuro, seguido por suas horrendas cascavéis. Sua voz era quase tão melódica e pavorosa quanto o canto das cobras.

Gaspar estava exatamente como eu me lembrava: cabelos negros e ondulados na altura da orelha, pele pálida como a lua, e os olhos...

Não... Os olhos estavam diferentes. Bem em seu olho esquerdo, um corte horrendo, dissecando toda sua íris verde e cegando-o daquele lado.

Eu tinha feito aquilo. Eu o tinha cegado com sua própria adaga.

Não. NÃO.

– Sabe o que fazemos com ladras dentro da organização, não sabe? – sussurrou ele para mim. Ele estava perto demais, e eu sentia seu bafo venenoso, como o das cobras.

– Espera. Gaspar. ESPERA!

– Vão, meninas. – ordena ele às cascavéis que, como sempre, obedecem seus comandos.

***

Acordo suando frio.

O céu está escuro lá fora. É madrugada. Tento normalizar minha respiração por alguns segundos. O sonho foi muito real.

Sento na minha cama, tentando não fazer nenhum barulho para não acordar as meninas. Depois de muito nos divertimos, elas tinham se espalhado no chão e dormido em colchonetes. O barulho baixinho de suas respirações indicavam que todas dormiam.

Eu precisava de ar.

Levanto da cama e logo procuro minha prótese.  Predo-a firme no que restou da minha perna direita e sigo em direção à varanda entreaberta. A corrente de ar que beija meu rosto é reconfortante. Me apoiando no parapeito, respiro. Uma, duas vezes.

Foi só um sonho. Eles não podem te machucar agora.

Puxo a manga do meu moletom quentinho. Desenrolo as bandagens que eu estava usando para cobri-la. Eu precisava vê-la.

No meu pulso esquerdo, aquela tatuagem. Aquela marca do meu passado.

A cascavel enrolada em um galho de oliveira. Ao lado dela, o meu número de identificação: 20092020.

Aquela tatuagem me dava desgosto. Me relembrava de coisas que, no momento, eu só queria esquecer.

"Esquecer... Há. Eu sou literalmente incapaz de esquecer", disse a mim mesma. Droga de hiperminésia.

Ok. Talvez não esquecer. Mas quem sabe seguir em frente. Sem ter repetidamente os mesmos pesadelos. Sem pensar a cada momento o quanto eu não presto.

– Olha só... Perdeu o sono, novata? – disse uma voz que eu percebi que conhecia.

A uma distância de alguns metros, estava o garoto loiro (Bakugou, se me lembro bem – e eu sempre me lembro) em sua própria varanda, na ala dos meninos. Ele olhava debochadamente para mim. Pra quem reclamava que queria dormir cedo, me surpreendi de vê-lo acordado.

Droga, a tatuagem! Puxei rápido a manga do casaco. Acho que ele não viu. Pelo meu bem, espero que ele não tenha visto.

– Sua festinha do pijama não acabou ainda não, foi? – perguntou ele, em tom debochado.

Eu estava sem paciência para as afrontas daquele babaca. Então, fiz o que toda pessoa sensata passando por uma crise de pânico faria.

Apontei o dedo do meio para ele. E voltei para a cama.

Sentimentos Explosivos - UA de BNHAOnde histórias criam vida. Descubra agora