16. Palavras difíceis e generosidade inusitada

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Alerta de gatilho⚠️🔞

Quando terminei de contar essa parte da minha história, eu não estava bem. Por mais que eu me esforçasse contra, as lágrimas insistiam em cair. Tive que parar várias vezes, e a Sra. Kobayashi respeitou meu tempo e não fazia perguntas muito dolorosas. Até porque, quando eu comecei a falar, tudo saiu como uma enxurrada.

— S/N... Você não tem culpa do que aconteceu, você sabe disso, não é? — dizia a Sra. Kobayashi, me passando uma caixinha de lenços. — Isso que você está me contando... Você sofreu um estupro.

Aquelas últimas palavras ecoaram de mim até que me atingisse por completo. Eu sabia que tinha sido usada... Mas aquela palavra me fez ver as coisas por outra perspectiva.

— Eu não neguei. — tentei argumentar.

— Você foi coagida. Esse Gaspar te usou, S/N... E isso não é culpa sua. Aquela foi sua primeira vez?

Confirmei com a cabeça. Gaspar foi meu primeiro e único. As lágrimas voltaram a cair. Doía. Doía muito. Mas era verdade.

Tentei segurar as lágrimas. Era vergonhoso e eu me sentia humilhada.

— S/N... Você não tem culpa.

Eu sabia que era verdade, mas por que ainda assim eu me sentia tão culpada?

Ela me passou mais lencinhos e ficamos um tempo em silêncio enquanto eu me recuperava. Acho que ela percebeu que eu estava exausta, porque disse:

— Por que não paramos por aqui? Você foi muito bem hoje, S/N. Eu reconheço que é difícil tocar nesses assuntos, mas você precisa exteriorizar toda essa dor que você tem guardado para poder se libertar.

Acabamos nos despedimos rápido. Eu queria sair logo dali.

Caramba, como eu odeio revirar meu passado.

***

— Não vou mais lá, sr. Aizawa. — disse, assim que cheguei na ala de treinamento de herói em que estava ocorrendo a aula. Já estava acabando, mas mesmo assim coloquei o traje de educação física. Eu precisava socar alguns sacos de boxes.

— S/N, acho que já conversamos sobre isso. — Aizawa me respondeu sem nem me olhar enquanto anulava a individualidade de um aluno.

— Aizawa, é horrível. Por que não posso fingir que os últimos 6 meses não aconteceram? Seguir em frente?

— Você chama seu estresse pós traumático de seguir em frente? E seus ataques de pânico?

Ai. Touché.

— Você vai a Psicoterapia e isso é inegociável. — ele disse

Droga. As vezes, eu esqueço que o sr. Aizawa salvou minha vida, porque ele me dá muita raiva.

Saí bufando em direção aos sacos de boxes extravasar minha raiva. Eu precisava me providenciar meu "traje de herói"... Afinal, quem era Mei Hatsume?

Tanta coisa pra fazer antes de me tornar uma heroína... Fiquei pensando se algum dia eu realmente vou chegar lá.

Dei o primeiro soco.

Você nunca vai se tornar uma heroína, a voz de Gaspar ecoava na minha cabeça.

"Para de pensar, S/N." , disse a mim mesma, dando outro soco.

Você sempre será minha, sabe disso, não é?

"Para com isso. Cala a boca.", dei mais socos.

Você sempre será propriedade dos Cascavéis. Minha propriedade.

É o seu dever, S/N...

"PARA. COM. ISSO.", fechei os olhos e deferi mais socos.

E mais socos.

E mais socos.

Eu nem via mais o que eu estava fazendo.

— EI! VOCÊ TÁ LOUCA?! — Bakugou apareceu do meu lado e segurou minhas mãos.

Argh, esse garoto de novo.

Abri meus olhos. Quando olhei para os nós dos meus dedos, eles sangravam.

— Você nem pensou em pegar uma luva de box, né?

Meu sangue estava marcado no saco de pancada.

— Tá achando que você tem a individualidade do Kirishima, é? Quer sangrar até morrer?

Eu nem tinha percebido os machucados. Talvez porque aquilo que mais doía estava dentro de mim.

— Me solta. — disse, puxando minhas mãos dos punhos de Bakugou.

Então ele viu minhas lágrimas.

— Ei, você tá legal? É outro ataque de pânico, né?

Ele parecia genuinamente preocupado, mas eu não estava com paciência para aquela generosidade inusitada. Ele havia me dedurado pro Aizawa! Agora eu estava obrigada a ir naquelas consultas que só prejudicavam minha cabeça.

— Vai a merda, garoto. — disse, e saí.

***

Eu fui direto para o meu quarto depois de um banho quente. A água fazia meus machucados arderem, mas era bom sentir aquela dor tangível.

Não desci para o jantar. Ainda me doía muito aquelas memórias que eu tinham me obrigado a desenterrar. Era recente demais. Acariciei a borda da minha amputação, sentido a falta que minha perna fazia.

"Droga, Gaspar. Queria ter te matado quando tive a chance.", pensei.

E assim que esse pensamento surgiu, minha mente reviveu toda a manhã do dia que eu tinha perdido minha perna. Droga de hiperminésia que me impedia esquecer.

Eu precisava de ar, então saí para a minha varanda. Respirei devagar aquela brisa fria que batia em meu rosto.

O Japão era um bom lugar para se estar. Não tinha mais perigo. Aqui eu estava segura.

Mas eu não me sentia mais segura, não depois de tudo que aconteceu.

Ouvi batidas na porta do meu dormitório. Senti pelas sinapses agitadas do outro lado da porta que eram as meninas. Quando abri, cada uma segurava seu jantar, e Mina trazia minha bandeja.

— Viemos jantar com você. — explicou Jirou.

— É! Ficamos preocupadas! — explicou Mina, entregando meu jantar.

— Desculpa meninas... Hoje foi difícil. Não estou me sentindo muito bem. — eu disse.

— Tudo bem, S/N. *kero* O que aconteceu com sua mão? — perguntou Tsuy.

Eu havia envolvido os machucados com bandagens.

— Eu... exagerei no treino.

— Caramba. *kero*

— Venham, entrem.

Passamos o resto da noite jantando e conversando amenidades. Não tocamos em nenhum assunto delicado, como porque minha mão estava machucada ou porque parecia que eu tinha acabado de chorar litros (o que eu de fato tinha feito). Não, pelo contrário. As meninas me faziam me sentir em casa, e pela centésima vez me senti grata de estudar na UA.

Mas para aproveitar plenamente a minha nova vida, eu precisava urgentemente de me libertar da antiga.

Sentimentos Explosivos - UA de BNHAOnde histórias criam vida. Descubra agora