Havia um pequeno riacho gélido e cristalino que nunca deixava de correr em certa baixada oculta pelas bétulas do Vale do Arco-Íris, no extremo inferior próximo ao pântano. Poucas pessoas sabiam de sua existência. As crianças de Ingleside e da casa ministerial sabiam, é claro, uma vez que conheciam cada canto do vale mágico. Ocasionalmente iam até lá para matar a sede e em muitas de suas brincadeiras eles figurava como a fonte de alguma história antiga. Anne o conhecia e adorava porque, de certo modo, ele a remetia à adorada Bolha da Dríade em Green Gables. Rosemary West também o conhecia, era também a sua fonte de velhos contos. Dezoito anos atrás, ela sentou-se ali em um entardecer e ouviu o jovem Martin Crawford balbuciar a confissão de um amor febril e juvenil. Ela também sussurrou uma confissão e os dois se beijaram e fizeram promessas junto ao riacho. Os dois nunca mais voltaram ali, poucos depois, Martin zarpou rumo ao seu destino fatal. Para Rosemary West, aquele continuou sendo um local sagrado, santificado pela juventude imortal e pelo amor. Sempre que passava ali por perto, ela travava uma batalha secreta com um sonho antigo, um sonho cuja dor há muito havia se dissipado, deixando apenas uma doçura inesquecível.
O riacho era um segredo. Era possível passar a três metros de distância sem suspeitar da existência dele. Duas gerações atrás, um imenso pinheiro havia caído quase sobre ele. Nada sobrara da grande árvore além do tronco, do qual brotavam samambaias viçosas, criando um telhado verde e uma cortina de renda para a água corrente. Um bordo cresciam bem ao lado com um tronco curiosamente retorcido e nodoso, que rastejava pelo chão antes de elevar-se, formando um belo lugar para se sentar e em setembro surgia uma faixa de ásteres de um azul pálido e esfumaçado ao redor da baixada.
John Meredith, ao pegar um atalho pelo Vale do Arco-Íris enquanto voltava para casa de suas visitas pastorais por Harbour Head, parou para tomar um pouco de água. Walter Blythe havia lhe mostrado o riacho poucos dias antes, ocasião em que os dois tiveram uma longa conversa sobre o tronco do bordo. John Meredith, por baixo de toda a timidez e aparente indiferença, tinha o coração de um garoto. Ele era chamado de Jack quando pequeno, e ninguém em Glen St. Mary acreditaria nisso. Walter e ele simpatizaram um com o outro e conversaram sem reservas. O senhor Meredith encontrara o caminho para alas sagradas e seladas da alma do menino que nem mesmo Di sabia da existência. Eles se tornaram amigos depois daquele papo amigável e Walter nunca mais teve medo do ministro.
- Nunca imaginei que fosse possível ser amigo de um ministro - disse ele para a mãe naquela noite.
John Meredith bebeu nas mãos brancas e magras, cuja força sempre surpreendia aqueles que não as conheciam, e sentou-se no banco formado pelo tronco do bordo. Ele não estava com pressa para ir embora, aquele era um belo lugar e ele estava mentalmente cansado depois de uma ronda de conversas desestimulantes com muitas pessoas boas e estúpidas. A lua surgia. Somente aquele ponto do Vale do Arco-Íris era atravessado pelo vento e vigiado pelas estrelas, e do extremo mais longínquo vinha o som alegre das risadas e das vozes das crianças.
A beleza etérea dos ásteres sob o luar, o cintilar das águas, o murmúrio do riacho e a graça das samambaias agitando-se ao vento criavam uma atmosfera mágica ao redor de John Meredith. Ele se esqueceu das preocupações e dos problemas espirituais, os anos retrocederam, levando-o de volta à época em que fora um jovem estudante de teologia e as rosas de junho, vermelhas e perfumadas, adornavam regiamente os cabelos negros de sua Cecilia. Sentado ali, ele sonhou como um garoto. E foi nesse momento propício que Rosemary West afastou-se da trilha lateral e parou ao lado dele naquele lugar perigoso e hipnótico. John Meredith levantou-se quando a viu, quando realmente a viu pela primeira vez.
Ele já a avistara uma ou duas vezes e apertara a mão dela distraidamente como fazia com todo mundo que encontrava pelo corredor da igreja. Ele nunca a encontrara em nenhum outro lugar porque a família West era episcopal e frequentava a igreja em Lowbridge e porque nunca tivera a oportunidade de visitá-la. Antes daquela noite, se alguém tivesse perguntado para John Meredith como era a Rosemary West, ele não teria a mínima ideia, mas ele jamais iria se esquecer da aparência dela naquele momento, surgindo em meio à doce magia do luar sob o riacho.
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Vale do Arco-Íris
RandomOs seis filhos de Anne e Gilbert já estão crescidos e perseguindo aventuras. Em uma delas descobrem o Vale do Arco-Íris e começam a visitar o local para brincar. Então, novas crianças chegam a Glen St. Mary: os travessos Meredith. Contrariando as ex...