Uma história esquisita

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Em uma tarde do começo de junho, o Vale do Arco-Íris parecia um lugar completamente fantástico para as crianças, sentadas na clareira onde os sinos tocavam magicamente nas Árvores Enamoradas e a Dama de Branco balançava suas tranças verdes. O vento ria e assobiava ao redor deles como um camarada leal e de bom coração. As samambaias jovens exalavam um perfume pungente. As cerejeiras silvestres espalhadas pelo vale, entre os pinheiros escuros, eram de um branco nebuloso. Os tordos cantavam nos bordos atrás de Ingleside. Mais além, nas encostas de Glen, os pomares estavam em flor, doces e místicos e maravilhosos, velados pelo crepúsculo. Era primavera, e tudo que é jovem se alegra na primavera. Todo mundo estava feliz no Vale do Arco-Íris naquela tarde, até que a Mary Vance deixou todos de cabelo em pé com a história do fantasma de Henry Warren.

Jem não estava ali. Agora, ele passava as tardes estudando para o exame de admissão no sótão de Ingleside. Jerry estava pescando trutas no lago. Walter lia poemas de Longfellow sobre o mar para os outros, que estavam mergulhados na beleza e nos mistérios dos barcos. Em seguida, eles conversaram sobre o que queriam ser quando crescessem, para onde iriam viajar e as praias muito, muito distantes que conheceriam. Nan e Di queriam ir para a Europa. Walter ansiava ver o Nilo murmurando por entre as areias do Egito e a grande esfinge. Faith opinou, um tanto desanimada, que ela provavelmente teria que ser uma missionária, e velha senhora Taylor havia dito isso. Pelo menos ela conheceria a Índia e a China, aquelas terras misteriosas no oriente. O coração de Carl pedia pelas selvas africanas. Una não disse nada, achava que preferiria simplesmente ficar em casa. Não existia nenhum lugar mais bonito do que aquele. Seria terrível quando todos estivessem grandes e se espalhassem pelo mundo. Só de pensar nisso Una se sentia solitária e com saudades de casa. Todos os outros continuavam viajando em seus sonhos até que a Mary Vance chegou e acabou com toda a poesia e os devaneios com um só golpe.

- Ah! Estou esbaforida - exclamou. - Desci correndo a colina feito uma louca. Levei um baita susto na velha casa dos Bailey.

- O que assustou você? - perguntou Di.

- Não sei. Eu estava vasculhando por entre os lilases do jardim, tentando ver se algum lírio-do-vale já tinha florescido. Estava um breu e de repente ouvi o barulho de algo de mexendo do outro lado do jardim, perto dos arbustos de cerejas. Era alguma coisa branca, não fiquei ali para saber o que era, então pulei o muro de pedra o mais rápido que pude. Tenho certeza de que era o fantasma do Henry Warren.

- Quem foi Henry Warren? - perguntou Di.

- E por que ele é um fantasma? - perguntou Nan.

- Ora, nunca ouviram essa história? Vocês cresceram aqui em Glen. Bem, esperem um pouco até eu recobrar o fôlego.

Walter sentiu um arrepio delicioso. Ele adorava histórias de fantasmas. O mistério, o clímax dramático e o desconhecido lhe proporcionavam um prazer imenso e assustador. Longfellow instantaneamente tornou-se insosso e ordinário. Ele deixou o livro de lado e inclinou-se para frente, apoiando-se sobre os cotovelos para prestar atenção e fixando os olhos arregalados e luminosos no rosto de Mary. A menina desejou que ele não a olhasse daquele jeito, pois sentia que poderia contar melhor a história de fantasma se ele não olhasse para ela e poderia incluir vários adornos e inventar alguns detalhes artísticos para aumentar o terror. Naquelas condições, era obrigada a ater-se à verdade nua e crua, ou à verdade que haviam lhe contado.

- Bem - começou ela -, vocês sabem que o velho Tom Bailey e a esposa costumavam morar naquela casa há trinta anos. Dizem que era um grande patife e que a esposa também não era grande coisa. Não tinham filhos, mas a irmã do velho Tom morreu e deixou um garotinho para que eles cuidassem, o tal do Henry Warren. Ele tinha cerca de 12 anos quando veio para cá e era franzino e delicado. Dizem que o Tom e a esposa o maltrataram desde o início, que batiam nele e o deixavam sem comer. O povo dizia que eles queriam que o menino morresse para ficarem com o pouco de dinheiro que a mãe deixara para ele. O Henry não morreu logo de início, mas começou a ter ataques... Epilepsia, era como chamavam, chegou aos 18 com uma mente simplória. O tio costumava dar surras nele no jardim porque ficava na parte de trás da casa, onde ninguém podia vê-los. Só que as pessoas podiam ouvi-lo e falam que era horrível escutá-lo implorando para que o tio não o matasse. Ninguém ousava interferir porque o velho Tom era tão ruim que com certeza se vingaria. Ele botou fogo no celeiro de um homem em Harbour Head que o ofendera. Por fim, Henry acabou falecendo e os tios alegaram que foi por causa de um de seus ataques. Porém, todo mundo comentava que o Tom o matou por interesse. Pouco tempo depois, surgiram os boatos de que o Henry havia voltado. Que o velho jardim era assombrado. Era possível ouvi-lo à noite, chorando e gemendo. O velho Tom e a esposa foram embora dali... Partiram para o Oeste e nunca mais voltaram. O lugar ganhou uma fama tão ruim que ninguém ousou comprá-lo ou alugá-lo. É por isso que ficou em ruínas. Isso foi há trinta anos. No entanto, o fantasma de Henry Warren ainda o assombra.

- Vocês acreditam nisso? - perguntou Nan com desdém. - Eu não.

- Bem, pessoas boas viram e o ouviram - retrucou Mary. - Dizem que ele aparece, que se arrasta pelo chão e agarra as suas pernas, e que grita e geme como fazia quando estava vivo. Pensei nisso assim que vi aquela coisa branca nos arbustos, e que se ele me agarrasse daquele jeito eu cairia morta bem ali. Por isso saí correndo. Talvez não fosse um fantasma, mas eu não queria correr nenhum risco.

- Provavelmente era o bezerro branco do velho senhor Stimson - riu Di. - Ele pasta naquele jardim, eu já vi.

- Pode ser. Eu é que não voltarei mais para casa pelo jardim dos Bailey. Aí vem o Jerry com um monte de trutas e é a minha vez de cozinhá-las. Jem e Jerry dizem que sou a mulher cozinheira de Glen. E a Cornelia disse que eu podia trazer esses biscoitos. Quase os derrubei quando vi o fantasma do Henry.

Jerry deu risada ao ouvir a história do fantasma, que Mary repetiu enquanto fritava os peixes, fazendo alguns retoques aqui e ali depois que Walter foi ajudar Faith a arrumar a mesa. Ela não causou nenhum impacto em Jerry, mas Faith, Una e Carl secretamente ficaram muito assustados, por mais que jamais fossem admitir. Não havia problema algum enquanto os outros estivessem com eles no vale, porém, quando o banquete terminou e as sombras surgiram ao redor, eles estremeceram só de lembrar. Jerry foi até Ingleside com os Blythe para conversar com Jem, e Mary Vance foi para casa pelo menos caminho. Assim, Faith, Una e Carl tiveram que voltar para a casa ministerial sozinhos. Eles caminharam juntinhos e passaram bem longe do jardim dos Bailey. As crianças não acreditavam que era assombrado, é claro, todavia não iriam chegar perto para descobrir.

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