O São Jorge sabe de tudo

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À meia-noite, Ellen West voltava caminhando das bodas de prata dos Pollock. Ela havia ficado um pouco mais depois que os outros convidados se foram para ajudar a noiva de cabelos grisalhos a lavar a louça. A distância entre as duas casas não era grande e a estrada estava em boas condições, de maneira que a caminhada sob o luar lhe agradou.

A noite foi agradável. Ellen, que não ia a una festa há anos, divertiu-se muito. Todos os outros convidados eram do antigo grupo de amigos dela e não havia nenhum representante da juventude intrusivo para estragar a festa, já que o único filho do casal estudava em uma faculdade muito longe e não pôde estar presente. Norman Douglas também compareceu, eles se reencontraram socialmente pela primeira vez depois de muitos anos, embora ela o tivesse visto na igreja naquele inverno uma ou duas vezes. O reencontro não despertou nenhum sentimento no coração de Ellen. Ela havia se acostumado a imaginar, nas raras vezes que pensava no assunto, como podia ter se interessado por ele ou ter se sentido mal por causa do casamento que não dera certo. Independentemente disso, foi bom revê-lo. Ela havia se esquecido do quanto ele podia ser cativante e estimulante. Nenhuma ocasião era tediosa quando Norman Douglas estava presente. Todos se surpreenderam quando ele chegou, pois era de conhecimento geral que ele nunca ia a lugar algum. Os Pollock o chamaram porque ele era um dos convidados originais, sem a menor expectativa de que ele fosse. Ele levou uma prima de segundo grau, Amy Annetta Douglas, com quem foi muito atencioso durante o jantar. Ellen sentou-se na frente dele e os dois tiveram uma animada discussão, durante a qual nem todos os gritos e gracejos do Norman Douglas foram capazes de enervar Ellen, que acabou saindo vitoriosa com tamanha compostura que ele ficou em silêncio por dez minutos. Ao final desse tempo, ele murmurou em meio à barba avermelhada, "vivaz como sempre, vivaz como sempre" e começou a atormentar Amy Annetta, que ria de maneira abobalhada de suas provocações ao invés de respondê-las com mordacidade, como fizera Ellen.

Ellen revivia esses momentos enquanto caminhava para casa, degustando-os com deleite. O ar enluarado estava salpicado pela geada e a neve estalava sob seus pés. Lá embaixo estava o vilarejo de Glen e mais além o porto encoberto pela brancura. Uma luz estava acesa no escritório da casa ministerial. Então, John Meredith já estava em casa. Será que ele pedira a Rosemary em casamento? E de que forma ela recusara? Ellen sentiu que jamais saberia, por mais curiosa que estivesse. Ela não tinha dúvidas de que a irmã nunca contaria nada sobre aquela noite e ela tampouco se atreveria a perguntar. Ela deveria se contentar com o fato de a Rosemary ter dito não. Afinal, era a única coisa que importava.

- Espero que ele tenha o bom senso de aparecer de vez em quando para uma visita amigável - disse para si mesma. Ela detestava tanto estar sozinha que pensar em voz alta era uma de suas artimanhas para escapar da solidão indesejada. - É horrível nunca ter uma companhia masculina com cérebro para conversar de vez em quando. E o mais provável é que nunca volte a se aproximar de casa. É o mesmo caso do Norman Douglas, eu gosto dele e adoraria ter um bom debate acalorado com ele de vez em quando, mas ele nunca viria me visitar por medo das pessoas pensarem que ele está me cortejando de novo. Por medo de que eu pensasse isso, principalmente, por mais que agora ele seja mais um desconhecido do que o John Meredith. Parece um sonho a época em que quase chegamos a ser um casal. Enfim, a verdade é que há dois homens em Glen com quem eu gosto de conversar e com todas essas fofocas e essa tolice de pedido de casamento, é provável que eu nunca mais os veja. Eu - acrescentou Ellen dirigindo-se às estrelas imóveis com um rancor enfático -, eu poderia ter feito do mundo um lugar melhor.

Ela parou no portão com uma sensação vaga e repentina de alarme. A sala ainda estava iluminada e projetadas na persiana havia as sombras de uma mulher que andava sem parar de um lado para o outro. O que a Rosemary estava fazendo acordada àquela hora da noite? E por que estava agindo feito uma louca?

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