A senhorita Cornelia intervém

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No dia seguinte, a senhorita Cornelia foi à casa ministerial e interrogou Mary, que, sendo uma jovem de considerável discernimento e astúcia, contou a história de forma simples e verdadeira, sem absolutamente nenhuma queixa ou petulância. A senhorita Cornelia ficou mais impressionada do que esperava, mas considerou que tinha o dever de ser severa.

- Acha mesmo que está demonstrando gratidão a essa família que foi tão gentil com você, insultando e perseguindo uma das amiguinhas deles?

- Sim, foi muita maldade da minha parte - admitiu Mary sem hesitar. - Não sei o que me deu. Aquele velho bacalhau pareceu tão útil! Mas eu me arrependi profundamente, até chorei antes de dormir, juro que é verdade. Pode perguntar para a Una. Eu não quis lhe contar o motivo da minha vergonha e então ela chorou também, porque achou que alguém tinha ferido meus sentimentos. Maldição, não tenho nem sentimentos para serem feridos. O que me preocupa é que a senhora Wiley não veio me procurar. Não é do feitio dela.

A senhorita Cornelia também achou um tanto peculiar. Todavia, ela meramente advertiu Mary para não tomar liberdades com o bacalhau do ministro de novo e foi até Ingleside contar o resultado do interrogatório.

- Se a história da menina é verdade, é preciso investigar o assunto - disse. - Eu sei algumas coisas sobre a senhora Wiley, acredite em mim. O Marshall a conhecia bem quando morava do outro lado do porto. Lembro que ele contou alguma coisa no verão passado sobre uma criada que a mulher tinha, provavelmente essa mesma Mary. Alguém lhe contou que a criança trabalhava à exaustão e mal tinha o que comer e vestir. Sabe, querida Anne, sempre evitei me envolver com o povo do outro lado do porto, porém vou mandar o Marshall até lá para averiguar a verdade. Sabia que os filhos do ministro encontraram essa menina morrendo de fome no velho celeiro do James Taylor? Ela havia passado a noite toda lá, com frio, com fome e sozinha. Enquanto dormíamos nas nossas camas quentinhas depois de jantar.

- Pobrezinha - disse Anne, imaginando um de seus amados bebês nas mesmas circunstâncias. - Se ela estava sendo maltratada, senhorita Cornelia, ela não deveria voltar para aquele lugar. Já fui uma órfã em condições muito similares.

- Teremos que consultar o orfanato de Hopetown - disse a senhorita Cornelia. - De qualquer forma, ela não pode ficar na cama ministerial. Só Deus sabe o que aquelas pobres crianças podem aprender com ela. Pelo que sei, ela tem o hábito de praguejar. Agora, dá para acreditar que ela está lá há duas semanas e o senhor Meredith não se deu conta? Como pode um homem desses ter uma família? Ora, querida Anne, ele deveria ser um monge.

Duas noites depois, a senhorita Cornelia retornou a Ingleside.

- Inacreditável! A senhora Wiley foi encontrada morta na cama depois que aquela Mary fugiu. O coração dela dava sinais de fraqueza há anos, e o médico já tinha avisado que poderia acontecer a qualquer momento. Ela havia dispensado o empregado e não havia ninguém na casa. Alguns vizinhos a encontraram no dia seguinte. Eles notaram a ausência da criança, mas pensaram que a senhora Wiley a tinha enviado para a casa da prima em Charlottetown, como vinha dizendo que faria. Como a prima dela não compareceu no funeral, ninguém descobriu que a Mary tinha sumido. As pessoas com quem Marshall conversou contaram coisas sobre a maneira como ela tratava a menina que fizeram o sangue dele ferver, como ele mesmo disse. Você sabe que o Marshall fica enfurecido quando ouve falar de maus-tratos a uma criança. Disseram que ela a açoitava impiedosamente por qualquer coisa ou errinho. Teve gente que até pensou em escrever para as autoridades do orfanato, só que como ninguém quis se meter nos problemas alheios, nada foi feito.

- Lamento que essa senhora tenha falecido - disse Susan com ferocidade. - Adoraria ir até lá e lhe falar poucas e boas. Bater e deixar uma criança sem comer, querida senhora! Você sabe muito bem que defendo umas boas palmadas, mas não mais que isso. E o que vai ser dessa pobre criança agora, senhora Marshall Elliott?

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