O fantasma no muro de pedra

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Por algum motivo, Faith, Una e Carl não conseguiram se livrar da impressão que a história de Henry Warren causara em suas mentes. Eles nunca acreditaram em fantasmas. Conheciam muitas histórias, Mary Vance já tinha contado algumas muito mais aterrorizantes do que aquela, mas eram todos casos sobre pessoas, assombrações e lugares longínquos e desconhecidos. Depois da onda prazerosa de medo e emoção inicial, eles logo se esqueciam delas. Porém, aquela história os acompanhou até em casa. O velho jardim dos Bailey ficava praticamente na porta da casa deles, quase no amado Vale do Arco-Íris. Por ali eles passavam constantemente, por ali haviam colhido flores e cortado caminho quando queriam ir direto da vila para o Vale. Agora... Nunca mais! Depois daquela noite, eles não voltaram a se aproximar do jardim nem sob ameaça de morte. Morte! O que era a morte comparada à possibilidade de cair nas garras do fantasma rastejante de Henry Warren?

Os três estavam sentados sob as Árvores Enamoradas em uma tarde agradável de junho, sentindo-se um pouco solitários. Ninguém tinha ido ao vale naquele dia. Jem Blythe estava em Charlottetown para prestar os exames de admissão. Jerry e Walter Blythe foram velejar com o velho capitão Crawford. Nan, Di, Rilla e Shirley tinham ido ver Kenneth e Persis Ford, que vieram com os pais para uma visita rápida à Casa dos Sonhos. Nan chamou Faith para ir com eles, mas a menina recusou o convite. Ela jamais admitiria que sentia um pouco de inveja da esplêndida beleza e do glamour da cidade grande da Persis, de quem ouvira falar tanto. Não, ela não iria até lá para ser ofuscada por ninguém. Una e Faith liam seus livros de história enquanto Carl estudava insetos na beira do riacho, estavam felizes até se darem conta de que anoitecia e que estavam perigosamente próximos do velho jardim dos Bailey. Carl sentou-se perto das garotas. Os três desejaram ter ido embora mais cedo, apesar de ninguém ter dito nada.

Nuvens enormes, aveluladas e púrpuras surgiram a Oeste e se espalharam sobre o vale. Não havia vento e de repente tudo ficou estranhamente quieto. O pântano estava repleto de milhares de vagalumes. Com certeza, as fadas haviam sido convocadas para uma conferência em algum lugar. O Vale do Arco-Íris não era um lugar muito acolhedor naquele momento.

Faith olhou com medo na direção do velho jardim dos Bailey. Então, o sangue da menina congelou. Os olhos de Carl e Una seguiram o olhar hipnotizado dela e calafrios subiram e desceram pelas costas deles. Debaixo do grande lariço que havia ao lado do mudo de pedras tombado e coberto de ervas daninhas do jardim dos Bailey, havia alguma coisa branca... Algo branco e sem forma definida sob o brilho lúgubre do poente. Os três Meredith ficaram ali, olhando, paralisados.

- É... É o bezerro - sussurrou Una, por fim.

- É... grande... demais... para ser... um bezerro... - sussurrou Faith. Seus lábios estavam tão secos que mal conseguiu articular as palavras.

De súbito, Carl anunciou:

- Está vindo para cá.

As meninas lançaram um último olhar agonizado. Sim, aquilo vinha na direção deles sobre o dique de pedra, como um bezerro não seria capaz. A razão desapareceu diante do pânico repentino e dominador, pois naquele momento o trio estava convencido de que era o fantasma de Henry Warren. Carl saiu correndo como um raio. Com um grito simultâneo, as garotas os seguiram, eles cruzaram a colina, a estrada e entraram em casa como loucos. A tia Martha não estava mais costurando na cozinha. Os três então correram para o escritório, que estava escuro e vazio. Segundo um impulso mútuo, deram meia volta e partiram para Ingleside, não pelo Vale do Arco-Íris. Nas asas do terror selvagem que sentiam, eles voaram colina abaixo e pela rua central de Glen, com Carl na liderança e Una na retaguarda. Ninguém tentou detê-los, mas todos que os viram se perguntaram que diabos que as crianças da casa ministerial estavam aprontando agora. No portão de Ingleside eles se depararam com Rosemary West, que fora devolver alguns livros.

Ela viu a expressão de pavor e os olhos arregalados das crianças e percebeu que suas pobres almas estavam amedrontadas por causa de alguma coisa. Ela colocou um braço sobre os ombros de Carl e o outro sobre os de Faith. Una a abraçou, desesperada.

- Meus queridos, o que aconteceu? O que assustou vocês?

- O fantasma de Henry Warren - respondeu Carl, entre os dentes que batiam.

- O fantasma de Henry Warren! - exclamou Rosemary, que nunca tinha ouvido a história.

- Sim - soluçou Faith, histérica. - Está lá, no dique de pedra dos Bailey, nós o vimos e ele nos perseguiu.

Rosemary levou as três criaturinhas perturbadas até a varanda de Ingleside. Gilbert e Anne também tinham ido à Casa dos Sonhos. Susan abriu a porta, séria, prática e vivinha da silva.

- Que tumulto todo é esse?

Arquejando, as crianças repetiram o conto de terror, enquanto Rosemary os mantinha abraçados, acalmando-os sem precisar de palavras.

- Provavelmente era uma coruja - disse Susan, impassível.

Uma coruja! Depois desse comentário, os filhos do ministro nunca mais tiveram uma boa impressão da inteligência da Susan!

- Era maior de que um milhão de corujas - disse Carl, soluçando. Ah, como Carl ficou envergonhado daqueles soluços alguns dias depois. - E... E estava rastejando do jeito que a Mary disse... Arrastando-se pelo muro de pedra para nos pegar. Por acaso corujas rastejam?

Rosemary olhou para Susan.

- Eles devem ter visto algo, para ficarem tão assustados - disse.

- Vou verificar - disse Susan friamente. - Acalmem-se, crianças. O que quer que tenham visto, não era um fantasma. Quanto ao pobre Henry Warren, tenho certeza de que ele ficou contente em poder descansar em paz quando chegou à tumba. Não há porque temer que ele volte, escrevam o que estou dizendo. Agora, se puder ajudá-los a pensar com clareza, senhorita West, vou descobrir a verdade por trás disso.

Susan partiu em direção ao Vale do Arco-Íris, agarrando com valentia um forcado que encontrou encostado na cerca onde o doutor havia trabalhado em seu modesto campo de feno. Um forcado talvez não fosse útil contra uma "assombração", mas era uma arma reconfortante. Não havia nada de relevante no Vale do Arco-Íris quando Susan chegou lá. Nenhum visitante branco parecia espreitar pelas sombras do velho e abandonado jardim dos Bailey. Susan caminhou corajosamente por ele e bateu o forcado na porta da pequena cabana onde a senhora Stimson vivia com as duas filhas.

Em Ingleside, Rosemary tinha conseguido acalmar as crianças. Ainda estavam um tanto assustados por causa do choque, mas começavam a suspeitar que haviam feito papel de bobos. A suspeita transformou-se em certeza quando Susan finalmente retornou.

- Descobri o que era o fantasma de vocês - disse, com um sorriso sardônico, ao sentar-se no balanço da varanda e abanar-se. - A velha senhora Stimson colocou um par de lençóis de algodão para branquear por uma semana no jardim dos Bailey. Ela os estendeu sobre o dique debaixo do lariço porque a grama ali é curta e limpa. Esta tarde, ela foi buscá-los. Como estava com o tricô nas mãos, ela colocou os lençóis sobre os ombros para carregá-los. Só que uma das agulhas caiu e se perdeu... Aliás, ela ainda não a encontrou. Ela então ficou de joelhos e começou a procurá-la, foi aí que ela ouviu uma gritaria vinda do vale e viu três crianças passarem correndo, descendo a colina. Ela achou que algum deles tinha sido picado por alguma coisa, a coitada levou um susto tão grande que não conseguiu se mover nem falar e continuou agachada até que eles foram embora. Em seguida ela cambaleou até em casa e vem sendo tratada com estimulantes desde o ocorrido. Está com o coração tão fraco que disse que não vai se recuperar tão cedo do susto.

Os Meredith permaneceram sentados e coraram, sentindo tamanha vergonha que nem a simpatia e compreensão da Rosemary podiam aplacar. Eles foram embora de Ingleside e quando se encontraram com Jerry no portão da casa ministerial, confessaram com arrependimento o que haviam feito. Uma reunião do Clube da Boa Conduta foi agendada para a manhã seguinte.

- A senhorita West não foi um amor conosco hoje? - sussurrou Faith na hora de dormir.

- Sim - admitiu Una. - É uma pena que as pessoas mudem tanto ao se tornarem madrastas.

- Não creio que isso seja verdade - disse Faith com lealdade.

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