- Hoje é o tipo de dia em que você sente que as coisas podem acontecer - disse Faith, sob o encanto do ar cristalino e as colinas azuladas. Ela abraçou a si mesma e ensaiou alguns passos de sapateado irlandês ao redor do banco de pedra sobre o túmulo do velho Hezekiah Pollock, para o horror de duas anciãs que passavam por ali no instante em que ela pulava sobre um pé só e agitava o outro pé e os braços no ar.
- E aquela - disse uma das anciãs - é a filha do nosso ministro.
- O que mais se pode esperar da família de um viúvo? - resmungou a outra. As duas balançaram a cabeça.
Era sábado de manhã e os Meredith haviam saído para o mundo encharcado de orvalho para aproveitar o dia de folga, eles nunca tinham nada para fazer aos sábados. Até Nan e Di Blythe tinham certos afazeres domésticos nos sábados de manhã, mas as filhas do ministro da igreja eram livres para vagarem por aí desde o amanhecer até o anoitecer, se desejassem. Era algo que agradava a Faith imensamente, entretanto, Una sentia uma humilhação secreta e amargurada porque elas nunca aprendiam nada. As outras garotas da classe sabiam cozinhar, costurar e tricotar, enquanto ela era uma ignorante.
Jerry sugeriu que fossem explorar, então foram passear pelo bosque de pinheiros. Eles encontraram Carl no caminho, que estava agachado sobre o mato úmido estudando suas queridas formigas. Para além do bosque eles entraram nos campos do senhor Taylor, salpicado pelos fantasmas brancos dos dentes-de-leão. Em um canto remoto havia um celeiro abandonado, onde o senhor Taylor às vezes guardava o excedente da colheita de feno, fora isso, o lugar em ruínas não tinha mais nenhum propósito. As crianças avançaram na direção dele e exploraram o piso térreo por vários minutos.
- O que foi isso? - sussurrou Una de repente.
Eles ficam em alerta. Havia um farfalhar sutil, porém distinto, no palheiro de cima. Os Meredith se entreolharam.
- Tem alguma coisa lá - cochichou Faith.
- Vou ver o que é - afirmou Jerry.
- Ah, não! - Una agarrou o braço dele.
- Vou sim.
- Bem, então todos nós vamos - disse Faith.
Os quatro subiram a escada bamba, Jerry e Faith intrépidos, Una lívida de medo e Carl distraído pela possibilidade de encontrar um morcego. Ele queria muito ver um morcego na luz do dia.
Ao saírem da escada eles se depararam com o que estava provocando o barulho, e ficaram atônitos por alguns instantes.
Em uma espécie de ninho em meio ao feno havia uma garota encolhida, como se tivesse acabado de despertar. Ela se levantou ao vê-los, um tanto trêmula e sob a luz do sol forte que entrava pela janela repleta de teias de aranha atrás dela, então eles viram que seu rosto fino e queimado de sol estava muito pálido. Seus cabelos lisos e espessos da cor da estopa estavam presos em duas tranças e seus olhos eram peculiares, "olhos brancos", pensaram as crianças da casa ministerial, quando ela os encarou com um misto de coragem e tristeza. Eram de um azul tão claro que realmente pareciam brancos, especialmente em contraste com o aro fino e negro que os circundavam. Estava descalça e sem luvas, usava um vestido xadrez velho, desbotado, surrado, muito curto e apertado. A idade era indefinida, levando em conta o rostinho enrugado, mas pela altura parecia ter por volta de 12 anos.
- Quem é você? - perguntou Jerry.
A menina olhou ao redor como se procurasse uma forma de escapar. Então, ela pareceu render-se com um débil suspiro de desespero.
- Eu me chamo Mary Vance - disse.
- De onde você veio? - foi a pergunta de Jerry.
Mary, ao invés de responder, de repente sentou-se, melhor dizendo, jogou-se no feno e começou a chorar. Faith imediatamente ajoelhou-se ao lado dela e envolveu os ombros frágeis e trêmulos da menina.
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Vale do Arco-Íris
RandomOs seis filhos de Anne e Gilbert já estão crescidos e perseguindo aventuras. Em uma delas descobrem o Vale do Arco-Íris e começam a visitar o local para brincar. Então, novas crianças chegam a Glen St. Mary: os travessos Meredith. Contrariando as ex...