Alfonso
Mas, no fim, nada estava dando certo. Eu não tinha conseguido cumprir
aquele acordo singelo.
E nem mesmo a boa notícia que Christian me trouxera naquela manhã me animava.
— Foi uma bela conveniência que o juiz Thompson tenha adoecido,embora eu não deseje mal ao homem, é claro. — Christian Chavez ajeitou os óculos quadrados no rosto.
— Mas, de fato, isso veio a calhar para nós. Porque nossa audiência acontecerá em quinze dias, na segunda-feira após o baile das Magnólias de Yolanda.
Assenti com a cabeça, quase que de forma mecânica.
— E não se preocupe, senhor Herrera. Nós estaremos preparados
—Christian entendeu meu sinal como estímulo. — Tessa Hart tem pontos o suficiente contra ela mesma para conseguir ficar com a guarda de Maite.
Principalmente agora que o senhor tem uma esposa.
Sim, eu tinha uma esposa. Linda, inteligente e que com certeza terminaria a próxima semana me odiando para sempre.
Ao menos você está fazendo sua parte.
Era o pensamento no qual eu vinha me agarrando. E era também o pensamento que me fazia ficar grande parte do dia fora de Blackwood Park,me entupindo de trabalho. Tudo para não ficar perto de Anahi. Para não a ver ouvindo, admirada, as histórias da minha avó sobre a nossa família. Nem
a ver sorrindo, animada, ao jogar badminton com Maite.
O pior é vê-la esforçando-se para aprender a língua de sinais e se comunicar cada vez melhor com a minha irmã.
A cena invadiu minha mente, abafando a voz de Christian nos meus ouvidos.
Eu estava voltando da piscina, pela manhã. O sol ainda estava nascendo
quando atravessei a casa. Ao chegar no corredor do quarto que dividia com Anahi, escutei a voz dela. A porta estava ligeiramente aberta e eu me aproximei devagar para ver o que acontecia dentro do quarto.
Foi com uma pontada no peito quando a vi através do espelho. Ela estava no meio da cama, com Maite entre os joelhos. Minha irmã agarrava as mãos dela e a ajudava a fazer os sinais, movimentado os dedos. Anahi estava completamente concentrada, e Maite riu algumas vezes das tentativas falhas dela.No final, Anahi apenas virou Maite e explicou com alguns dos sinais arbitrários que acabara de aprender:
— Então é isso. As meninas têm borboletinhas entre as pernas.
Fiquei surpreso pela curiosidade de Maite, muito embora ela já tivesse oito anos e frequentasse a escola. Ao mesmo tempo, fiquei aliviado de não ser
eu o responsável a explicar o assunto. Ao menos naquela primeira vez.
Maite sequer piscava, prestando atenção. Eu também não piscava.
Estava impressionado com a forma como Anahi tinha aprendido rápido.
Aquilo deveria ter requerido um belo esforço.
— Já os bebês são sementinhas.
— Anahi continuou — Os maridos plantam nas esposas.
— Plantam onde? — Vi Maite perguntar, ansiosa.
Eu devia sair de lá. Deixá-las na privacidade de seus assuntos femininos.
Mas a visão me atraía demais. Era bonita e muito familiar... A verdade é que
me agradou mais do que eu poderia supor um dia.
— Plantam no umbigo — Anahi revelou depois de algum tempo, e
precisei comprimir os lábios para não rir.
Sim, pelo umbigo, mas pelo lado de dentro.
No entanto, minha diversão passou no momento seguinte.
— Meu irmão já plantou no seu? — Maite tinha os olhos arregalados,enquanto movia as mãos naquela pergunta.
Eu fiz pior: engasguei. Elas ouviram e fui obrigado a entrar no quarto.
Foi inesquecível ver as duas corando praticamente juntas. Tentei agir como se não tivesse ouvido nada e simplesmente fui para o meu banho.
— Posso ver que está sorrindo de tanta felicidade, senhor Herrera.
—Christian quebrou meus pensamentos, fazendo mais uma leitura errada da minha expressão. Para um advogado, ele era péssimo nisso. Ele se levantou da poltrona diante de mim, satisfeito — Se é assim, nós nos veremos daqui a
seis dias. E teremos motivos para comemorar.
Levantei-me e limitei-me a concordar com ele, apertando sua mão
franzina. Mas antes que meu advogado deixasse meu escritório, tão pálido
quanto ele, ouvi-me perguntando:
— É casado, não é,Christian?
Ele pareceu surpreso por um instante, mas depois abriu um sorriso orgulhoso como eu nunca tinha visto antes.
— Há quinze anos, com a mulher mais incrível do mundo,Lise.
O rosto dele tinha se transformado. Percebi, com surpresa, que ele
estava sendo honesto em cada palavra e se considerava um homem de sorte.
Por um instante, o invejei por ser dono de uma felicidade assim.
— Quando acredita — eu não sabia por que tinha começado a falar
aquilo, mas não havia mais escolha, senão ir até o fim — Acredita estar em
falta com Lise, o que...
Não consegui terminar a frase, mas Christian lançou um olhar cheio de compreensão. Ele se aproximou e firmou sua mão no meu ombro, como
se, de súbito, tivéssemos nos tornado melhores amigos.
— Tudo que se pode fazer é correr atrás do prejuízo. — Ele me deu um tapa e se afastou. — Comprar algo que ela goste, desde que não seja o clichê,como bombons e flores, também pode ajudar.
Assenti com a cabeça, querendo finalizar o assunto que sequer devia ter começado.
Christian também assentiu e pegou sua maleta na outra poltrona, mas antes de sair, voltou a falar.
— Eu costumo levar algum livro para Lise. Ela também gosta do café com caramelo do Starbucks, tenho que pegar um Uber Lux para chegar com ele ainda quente, mas vale a pena quando a encontro sorrindo e esperando por mim. Como em todas as noites — ele divagou, com um sorriso
— É. Sempre vale a pena.
Outra pontada de inveja me atingiu.
— Obrigado, Christian.
— Tudo bem — ele sorriu — Boa tarde, senhor Herrera.
Christian saiu, e assim que minha porta foi fechada, eu tirei o telefone do
gancho. Era improvável que eu encontrasse qualquer coisa para suprir a falta que eu ainda estava causando a Anahi, mas continuar a evitando por mais uma semana, depois de concordar com sua amizade, também não era a postura correta.
Eu tinha que tentar alguma coisa. Qualquer coisa por aquela mulher que abraçava minha irmã com tanto carinho.
— Sim, senhor Herrera — Hugh atendeu ao segundo toque.
— Prepare o carro, Hugh. Estou saindo do escritório agora e vamos a Poole.
Tive de forçar o surfista de araque a abrir a porta para mim. Depois tive de aceitar ser extorquido por ele em mais de duzentas libras. Mas a primeira coisa, em muito tempo, estava dando certo. Os pratos de sobremesa pintados à mão estavam seguros na caixa branca em minhas mãos. Ao passar pela porta do antiquário, o sino fez o mesmo som monótono, e ele ainda ressoava
quando dei um primeiro passo na calçada.
— AlfonsoHerrera.
Um arrepio de desgosto se concentrou na minha nuca.
Ela riu. O som arrogante, mas perfeitamente controlado.
Apertei a caixa enfeitada nas mãos. Não tinha vontade alguma de me virar e encarar a mulher, mas também não estava com medo, como ela
deveria supor. Por isso, respirei fundo e me voltei em sua direção.
— Tessa.
Segurando sacolas de lojas de grife, a ex-viúva do meu pai não fez questão alguma de esconder seu olhar cobiçoso sobre mim. Tessa era mais
velha do que eu, pouco mais de dez anos. Seus experientes olhos cinzas correram pelo meu corpo com luxúria preguiçosa, em seguida, ela sorriu,predadora.
— Por um momento, pensei estar vendo seu pai. — Analisei-a também.
Ela parecia mais magra do que o normal. — Você está cada vez mais parecido com ele. Mas uma versão melhorada, sweet baby.
O velho apelido me fez retesar. Eu tinha visto Tessa poucas vezes antes
e após seu casamento com meu pai. E o casamento ocorreu três anos depois
da morte da minha mãe.
Após agredi-la por longos anos, divorciar-se foi a única coisa boa que ele cedeu a ela. Uma pena que essa atitude tenha sido tardia. Mesmo após reunir coragem para contar a verdade à família e pedir o divórcio, minha mãe
já colecionava feridas tão profundas pelo abuso sofrido que não conseguiu
aguentar. A depressão a definhou e a levou de nós, mesmo quando já
estávamos sob a proteção da minha avó.
Apesar de a verdade ter sido exposta a todos, a família privilegiada do meu pai o apoiou. E pela pouca legislação favorável à mulher na época,grande parte do escândalo foi taxado pelos jornais sensacionalistas como“mal de amor”.
Nunca soube se meu pai também fizera o mesmo mal a Tessa. Apesar de
ver que algo mudara nele. Não, não uma regeneração. Não achava que isso fosse possível. Talvez tivesse algo a ver com o medo de todas as maldições que eu, sua própria carne, lancei sobre ele quando se atreveu a aparecer no funeral dela.
Eu era apenas um garoto cheio de fúria. E isso se transformou em algo
pior no funeral dele, nove anos depois. O câncer no esôfago o tinha corroído,
e lembro-me de ver todas as maldições que haviam saído da minha boca se
voltarem contra mim.
Foi quando percebi nossa semelhança pela primeira vez. Eu não poderia
ser muito melhor do que ele. Levando o mal à minha própria família.
— Como vai, Tessa? — tentei soar formal, como se nossos advogados não estivessem se engalfinhando na corte superior pela guarda de Maite.
Tessa lançou o cabelo castanho para trás dos ombros e se aproximou.
Não é preciso tanta formalidade, meu garoto.
— Não sou seu sweet baby e nem seu garoto, Tessa — observei.
— E também não temos nada a conversar fora dos tribunais.
Comecei a me afastar, mas Tessa me deteve pelo punho que abraçava a caixa com o presente de Anahi.
— O que é isso? É uma aliança... De casamento? — Ela parecia aturdida.
— Sim — respondi, tranquilo. — Eu me casei.
O ódio que vi em seu olhar me pegou de surpresa. Mas foi o tom possessivo dela que realmente me assustou.
— Casou-se com quem? — Ela soou quase histérica na segunda pergunta — Quem é essa mulher, Alfonso?
— Isso não interessa a você.
— Interessa, sim! — ela berrou.
Deus, que reação era aquela? De repente, percebi que havia algo errado nos olhos de Tessa. Eles estavam inquietos e as pupilas dilatadas.
Era verdade que Tessa sempre insistia em flertar comigo nas vezes em que nos encontrávamos para mais uma extorsão de dinheiro pela guarda de Maite. Mas aquilo era diferente.
Tessa parecia quase fora de si.
— Eu tenho que ir — resolvi voltar ao tom diplomático e afastei a minha mão dela.
Mas antes que eu me virasse, Tessa voltou a falar. Dessa vez, de maneira quase sóbria.
— Saiba que seja quem for essa mulher, ela não ficará no meu caminho,
Alfonso — ela disse, incisiva — Eu vou ter o que quero.
— Isso nós veremos no tribunal, Teresa
— avisei em tom tão duro
quanto o dela — Mas saiba que não irei desistir da minha irmã.
Não esperei por mais nenhum evento bizarro naquela conversa.
Atravessei a calçada e entrei no Bentley.
Um acidente na estrada nos atrasou. Dessa forma, quando adentrei o hall, não havia sinal de que alguém estivesse fora da cama.
Senti-me irritado. Havia sido um dia longo, com vários quilômetros cansativos de viagem, e ainda um encontro bastante desagradável com Tessa.
E, no final, eu tinha voltado ao começo.
Nada tinha dado certo.
Entretanto, antes que eu pudesse deixar a caixa abandonada sobre o
aparador ali mesmo, um barulho distante, mas preciso, chamou a minha
atenção.
Nossos empregados não costumavam dormir na casa, salvo em ocasiões
especiais. Minha avó dizia que todas as pessoas precisavam retornar para as suas famílias no final de um dia e que nós também precisávamos da nossa intimidade.
Por isso, segui na direção do barulho, atravessando os corredores.
Nós tínhamos um bom sistema de alarmes, sem contar a guarita de
segurança no portão principal. Mas eu não superestimava nada disso. Além disso, às vezes receava que alguém houvesse descoberto sobre as passagens secretas construídas por meu avô durante a guerra e as usado. E se houvesse qualquer invasor na casa, eu seria o melhor adversário.
Felizmente, pouco antes de chegar ao limiar da porta de onde o barulho vinha, um gritinho feminino afastou todas as probabilidades de estarmos sendo roubados.
Quando parei na entrada da cozinha, eu a vi. Enrolada no robe de xadrez vermelho e preto que fazia parte do meu pijama. Anahi tinha as mangas dele dobradas até os cotovelos enquanto controlava uma panela sobre o fogão. A cozinha estava repleta de um cheiro delicioso. Mas, de repente, ela desligou o fogo.
— Já chega, Anahi. Vá dormir — Ela disse para si mesma, ainda de costas para mim — O homem é seu marido apenas no papel. Você não tem que perder o sono, preocupada com que horas ele voltará para casa ou o que ele vai jantar...
— Nem se ele trouxer os pratos para a sobremesa?
Anahi deu um pequeno salto de susto e se virou para me encarar.
Ela estava linda na minha roupa. De um jeito que apagou tudo que era
sensato da minha mente.
— Eu não esperava... — ela gaguejou — Quer dizer, eu esperava, mas não...
Anahi calou-se quando eu adentrei dois passos na cozinha, mas seu
olhar não vacilou ao encontrar o meu.
O calor que se espalhou pelo meu corpo, ao deter minha atenção nela mais uma vez, avisou-me de que aquela poderia ser uma noite perigosa. Mas
não me importei. Depois de tantos dias me mantendo afastado dela, eu acreditava ter ao menos o direito de uma conversa. Uma conversa sem quaisquer segundas intenções.
Por isso, abri meu sorriso mais imprudente antes de deixar as palavras
saírem:
— Seja qual for a espera, acredito que ela acabou para nós dois.
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Algemas de Diamante.
RomanceSinopse: Anahi e Giovanna são irmãs gêmeas. Idênticas na aparência e diferentes na alma. Anahi sempre muito correta e doce. Giovanna caprichosa e ambiciosa. E por serem tão diferentes Anahi poderá pagar um preço muito caro por causa das ambições de...