Anahi
Há coisas piores do que ter o coração partido por um magnata dos
diamantes.
Sim. Como carregar cerca de sete caixas pesadas com vasos artesanais,
pintados a mão. Os vasos eram perfeitos. Mas
minha coluna já não respondia por ela mesma há trinta minutos.
— Onde eu posso colocar essas? — Dennys Angelaki, agora marido da minha irmã, respirou com dificuldade por sobre uma delas.
Quem diria que enquanto eu me casava de mentira para cuidar do nome
de Giovanna, ela se casaria de verdade com o ex-namorado grego. A vida poderia ser uma ironia cruel, às vezes.
Mas eu não negava. Estava feliz por Giovanna.
— Pode colocá-las lá dentro do depósito, Dennys — pedi.
Ele assentiu, balançado os cachos escuros, e passou por mim. Dois segundos depois, sua esposa entrava pela porta do meu mais novo antiquário,fazendo soar a antiga sineta que mandei colocar sobre a porta.
Giovanna sorriu, animada como nunca antes, e mesmo perto de desequilibrar-se nos saltos gigantes enquanto carregava minha porcelana.
— Cuidado! — Afastei-me do balcão para ir até ela e ajudá-la, mas ela
se esquivou.
— Eu consigo. Deixa comigo!
Observei-a, agoniada, colocar a caixa pesada sobre o meu balcão.
— Ufa. —Giovanna recostou-se em frente à caixa — Essas velharias pesam demais. — Ela riu.
Não consegui rir. Infelizmente, a palavra “velharia” me fez recordar de outro momento, há muito tempo. E precisamente do outro lado do Atlântico.
Giovanna ficou constrangida de imediato. Como vinha acontecendo com frequência, desde que voltei da Inglaterra.
— Desculpe. — Ela se aproximou e segurou minha mão. Já tinha me
pedido perdão tantas vezes que eu já não sabia mais como reagir — Você
sabe que super apoio o seu antiquário. Mesmo que tenha deixado de ser
minha assessora por causa dele.
—Giovanna, você sabe que esse era o único caminho e...
— Não, Any. Não estou reclamando — minha irmã se adiantou — Na verdade, eu talvez nem merecesse sua amizade, depois de tudo o que aconteceu. Eu não planejava fugir, Dennys me atraiu para uma armadilha pouco antes do desfile.
— Uma surpresa romântica, ágape mou — foi a interferência de Dennys lá de dentro do depósito.
Ri.
— Eu não devia ter embarcado no avião para a Grécia — Giovanna
continuou, o olhar cheio de culpa — Não sem antes devolver o colar, mas eu não pensei direito na hora. Para falar a verdade, esqueci-me do colar por um tempo. No passado, acreditei ter perdido Dennys para sempre. Então, quando o vi, esperando por mim...
— Você se deu conta de que o amava — apertei a mão dela na minha com sinceridade — Está tudo bem,Giovanna. Se esse amor faz bem a você, eu também estou feliz que o tenha reencontrado.
E era a mais pura verdade.
Giovanna era uma nova pessoa desde que nos encontramos, há três semanas.
Ela estava leve. Assim como na minha viagem, a estada na Grécia também
tinha transformado a minha irmã. Suas ambições e visões de mundo tinham mudado. Em grande parte, por causa da nova vida que desabrochava dentro
dela todos os dias.
— Quero que saiba que mudei — ela insistiu, ainda assim. E colocou a
mão livre sobre a própria barriga. — Na verdade, estou mudando. Para melhor.
— Eu sei — confirmei e coloquei minhas mãos sobre o meu sobrinho
que crescia a cada instante — E estou muito orgulhosa disso,Giovanna.
E então, minha irmã me abraçou apertado.
— Obrigada por tudo, Any. Sei que errei muito com você no passado,mas prometo recompensá-la a cada novo dia. — Ela estava chorando, o que me fez derramar algumas lágrimas também. — A começar por um belo acerto salarial.
Nós duas rimos.
— Eu te amo, Any — ela sussurrou.
— Amo você também,Gio.
Ficamos algum tempo abraçadas e depois rimos do fato mais uma vez.
— Estamos duas bobas emotivas — falei, indo até a caixa de porcelanas
sulistas e tirando as peças para organizá-las nas prateleiras.
Giovanna me imitou.
— Bem, pelo menos eu tenho a desculpa de estar grávida.
— É uma bela desculpa — concordei.
Nós trabalhamos em silêncio por algum tempo. Mas eu sabia que a pergunta de todos os dias, desde que eu chegara, viria.
— Alfonso não ligou?
— Ele não vai ligar — dei a mesma resposta — Nunca fui tão importante para ele assim,Giovanna.
— Eu não entendo — Minha irmã meneou a cabeça enquanto limpava
uma xícara antiga — Quando ele me pediu para não contar sobre a devolução, não pareceu nada maquiavélico. Ele apenas não parecia... Querer perdê-la. Eu pensei que ele estava apaixonado por você.
— Alfonso Herrera manipula as mulheres,Giovanna. Esse é o jogo dele.
— falei, ríspida.
Giovanna se encolheu de imediato.
— Desculpe — pedi.
— Não, está tudo bem. Eu também fui ingênua. Acreditando que um
pedido desses estivesse ligado a um romance. Mas eu estava tão feliz na
Grécia. Pensei que o mesmo poderia estar acontecendo a você. Queria muito
que também estivesse acontecendo a você. Se eu soubesse que ele tinha a obrigado a se casar...
— Giovanna, está tudo bem — interrompi-a com gentileza e pousei minha
mão no seu braço. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas novamente —
Tudo já terminou. E eu já sobrevivi. De qualquer forma, foi uma experiência
que me transformou em uma nova pessoa. Mais livre e mais certa do que
quer. Então também foi bom.
E eu sorri, tentando passar credibilidade Até para mim mesma. Porque era naquilo que eu vinha me agarrando
desde que voltei da Inglaterra. A cada noite fria, sozinha no meu quarto. Por
isso eu tinha me empenhado tanto em deixar de ser assessora de Giovanna e abrir o antiquário em tempo recorde.
Eu estava reformando a minha vida. Algo que sempre tinha adiado
antes, mas que agora me parecia a única coisa importante.Já que enquanto eu lançava paredes ao chão, proclamando a minha liberdade, toda a bagunça
acobertava os destroços do meu coração.
Provavelmente, em algum momento, eu teria de lidar com eles. Mas não agora.
No fim, não soube se Giovanna acreditou nas minhas palavras também,
porque quando ela estava prestes a falar alguma coisa, um braço musculoso
envolveu sua cintura.
— Que tal eu levar minha bela esposa e nosso bebê para comer alguma
coisa? — Dennys falou, depois de beijar o ombro dela com devoção — E
você também está convidada, cunhadinha.
Ri.
— Muito obrigada, mas não estou com fome. Devorei um sanduíche de
atum antes de vocês chegarem. Mas vão e aproveitem. Eu vou para casa daqui a pouco também.
— Sim — Giovanna concordou, autoritária, e afastou-se do marido para segurar meus ombros — E descanse de verdade. A inauguração é amanhã e todos precisamos estar ótimos.
Assenti, e depois de receber um beijo e um abraço, vi Giovanna se afastar aninhada nos braços do marido.
Diante disso, não consegui evitar olhar para minha mão. Tinha sido tão rápido e ao mesmo tempo suficiente para a marca do anel de Alfonso
permanecer ali.
Seria assim também no meu coração?
Desconfiei de uma resposta positiva, enquanto colocava o vidro com várias moedas em um lugar seguro atrás do balcão.
Assim como o porta-retrato com a foto dos meus pais. Eu passaria boa parte do dia ali e queria aqueles objetos amados perto de mim. Emanando a
essência do amor deles.
Entretanto, na tentativa de espremer os dois no mesmo lugar, o pote de
vidro tombou e parte das moedas rolou pelo chão.
— Ah, droga!
Xinguei quando algumas delas rolaram na direção do depósito. Deixei as
outras e fui procurar as moedas mais desgarradas. Reuni algumas, até me
virar à procura de mais e encontrar um par de lustrosos sapatos italianos.
— Acho que essa é minha agora.
Hiperventilei e meu coração acelerou-se.
— E se não me engano — ele continuou —, se for coroa, quem a encontrar terá sorte o dia todo.
— Não é coroa — foi tudo o que consegui dizer.
Ele se abaixou, junto de mim. Naquele movimento elegante e econômico já tão familiar para fazer meu coração doer. Com seus dedos longos, Alfonso virou a moeda.
— Então acho que minha sorte dependerá de você agora, Angel. — Ele
sorriu, e seus olhos fisgaram os meus — Na verdade, meu coração já
depende.
Não tive tempo para responder àquela declaração que me deixou pasma.
Porque bracinhos delicados agarraram o meu pescoço e me fizeram cair
sentada no chão.
—Maite! — ri e a abracei de volta — Ah, minha querida Maite...
A saudade, que tinha prensado o meu peito por longas noites,
desapareceu. E as lágrimas trouxeram alívio, pela primeira vez em semanas.
Quando olhei para Alfonso, em meio aos meus sentimentos, ele não vacilou.
— Espero que não se importe — Um sorriso quase tímido e nunca visto antes surgiu nos lábios dele — Entramos pela porta dos fundos, na esperança de que as palavras das plaquinhas de sua mãe se tornem reais.
Ah, Deus. Será que eu estava sonhando?
Se estivesse, eu não queria acordar mais.
Mas quando me ergui, ainda com Maite nos braços, a mão de Alfonso,que tocou a minha, tornou tudo maravilhosamente real.
— Será que podemos dar uma volta na praia?
— Muita coisa mudou desde que você foi embora — Alfonso começou tão logo nos afastamos da minha loja.
Maite ficou com Giovanna. Surpreendi-me ao vê-la do lado de fora do
antiquário, perto da praia. Ela tinha um sorriso contente nos lábios. Até mesmo Dennys Angelaki sorria. Foi difícil não compartilhar da alegria deles,mas eu me contive.
Tinha que ser cuidadosa. Controlar a esperança que desabrochara no
meu coração no momento em que vi aqueles olhos verdes.
— Mudou? — perguntei, meio sem jeito e cruzando os braços.
Era estranho. No fundo dos meus pensamentos, em um lugar que eu não
me permitia analisar desde que tinha retornado de Londres, eu tinha devaneado com aquilo. Com Alfonso. Mas agora que acontecia, eu ainda não sabia ao certo o que devia fazer com o bolo de sentimentos na minha garganta.
A maresia de Cancún soprou sobre nós, naquele final de tarde dourado,
antes que Alfonso me respondesse.
— Sim — Ele enfiou as mãos no bolso da calça clara despojada
— Por exemplo, descobrimos que Lady é, na verdade, “O Lady”.
Olhei para ele, surpresa.
— Isso é verdade?
Alfonso riu e assentiu.
— Sim. Descobrimos quando Camille, a Setter irlandês, teve filhotes dele.
Foi a minha vez de rir.
— Bem, ao menos a família aumentou agora. Parabéns — congratulei,
sincera.
Fez-se alguns instantes de silêncio, enquanto massacrávamos cascalhos.
— Eu também enviei os papéis de divórcio. Há quatro dias — ele pontuou. Eu sabia que ele faria aquilo, mas ainda assim doeu — Tudo voltará ao seu lugar. Em breve, se depender dos meus advogados.
— Isso é bom — menti. Para mim mesma e para ele. — Realmente
muito bom.
E estava prestes a deixar o concreto para pisar na areia, quando uma
mão firme envolveu meu cotovelo. Ele parecia ansioso quando me virei para olhá-lo.
Alfonso abriu e fechou a boca duas vezes. Então suspirou e, por fim,soltou:
— E eu... Eu trouxe seus pratos. Você os esqueceu.
Que tortura olhar para o homem que eu amava e me esforçar para não
sentir nada. Não desejaria isso a ninguém.
— Não esqueci
— concentrei-me em dar à minha voz um tom neutro —Não eram meus.
Nunca me pertenceram. Como ele.
Ele continuou a me fitar. Sem esboçar qualquer reação e aumentando a
compressão no lado esquerdo da minha caixa torácica.
— O que você veio fazer aqui, Alfonso? — perguntei enquanto ainda
conseguia manter o controle.
Alfonso ficou subitamente sério.
— Os pratos são seus. E você deve guardá-los.
Suspirei.
— Atravessou o oceano Atlântico para me entregar pratos australianos?
Bem. Talvez fosse só isso mesmo. Ricos tinham suas extravagâncias
sem sentido. Ele podia ter vindo por todas aquelas coisas e para anunciar o
divórcio. Notificar o encerramento do nosso acordo. Simplesmente isso. Fui a única que tinha passado os últimos meses acreditando em contos de fada.
— Sim. Quero pedir que os guarde — Alfonso prosseguiu, mas em
seguida, suas mãos encontraram seus bolsos. Ele tirou de um deles, um
cupom de inauguração. Da minha inauguração. Provavelmente, o que eu
tinha mandado para Maite a pedido dela, como se fosse um cartão postal,
por causa da foto bonita estampada. — Mas esse cupom também me guiou
até aqui por outro motivo. Eu vim pedir para que guarde outra coisa. É velha e não funciona bem. Você pode ter que consertá-lo algumas vezes. Mas pessoas donas de antiquários valorizam esse tipo de bugiganga, não é?
Ele deixou escapar um pequeno sorriso. Tudo o que consegui foi franzir
o cenho, confusa.
— Eu não entendi.
O sorriso dele aumentou.
— Eu gostaria de saber — Os olhos dele se tornaram mais brilhantes quando ele segurou a minha mão direita e a guiou até o peito dele.
Precisamente para o lado esquerdo — Se pode encontrar um lugar para isso.
No meio das suas velharias.
— Alfonso... — ofeguei.
— É mais fácil perder um coração quando não se tem alguém para
guardá-lo, Any. E eu tinha certeza de que tinha perdido o meu, até você
encontrá-lo para mim.
Eu não conseguia pronunciar qualquer palavra, a emoção começava a escapar de mim pelas lágrimas.
— Agora não há outro destino para ele, senão você, meu amor — Uma lágrima solitária ficou presa no olhar dele também — Sei que a magoei e peço perdão. Posso prometer que não haverá nenhuma mentira entre nós de novo Nunca mais. Será que ainda tenho qualquer chance, depois de tudo o
que fiz a você?
Não respondi. Apenas o abracei.
Como nos meus sonhos. Com todos os sentimentos mais profundos que
se misturavam dentro de mim.
— Perdão, perdão, meu amor — ele disse contra os meus cabelos,enquanto também me apertava de volta — Por tudo que causei a você.
— Me perdoe também, Alfonso. Por tudo o que disse antes de voltar. —
pedi — Eu não odeio você.
— Graças a Deus — ele respirou, aliviado, contra o meu pescoço. Então
afastou-me de seus ombros e segurou meu rosto com as duas mãos — Eu amo você, Anahi. Daria todos os meus diamantes pelo seu coração.
Sorri em meio às lágrimas.
— Você não precisa. Ele já é seu, Alfonso. Apenas seu.
Seus lábios encontraram os meus. E em seguida, nossos corações também se encontraram enquanto nos abraçávamos ali. Tendo o mar como testemunha e um pôr do sol, que eu sabia, não esqueceria jamais.
— Eu só enviei os papeis de divórcio porque queria que começássemos
de novo, Angel. Do jeito certo dessa vez — Alfonso beijou os nós dos meus dedos, como um legítimo cavalheiro inglês — Quero que tenha tudo da forma como sempre mereceu. Deus sabe que vou me esforçar para isso todo santo dia.
— Alfonso... — sibilei, emocionada.
— Quero começar a amá-la como merece agora, Any. Mas prometo que será para sempre— ele disse quando se afastou um pouco.
Ri, inebriada pela felicidade enquanto me pendurava no pescoço dele.
— Você faz promessas demais, Alfonso Herrera.
Ele sorriu. Mas não de um jeito romântico. Do jeito perverso que eu
amava tanto e que tinha me seduzido desde a primeira vez em que o vi.
— É porque tenho o prazer em cumpri-las — ele repetiu, como naquela primeira noite — Mas apenas para você. Sempre para você, my Angel.
Alfonso afastou meu cabelo dos ombros e encontrou minha nuca para acariciá-la. Quase me derreti e tive a intuição de que aquele toque familiar estava destinado a acontecer por muitas vezes.
Pelo tempo que começava ali e se estendia, longo e forte. Como os raios de sol sobre o mar. E bem diante dos nossos olhos.
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Algemas de Diamante.
RomanceSinopse: Anahi e Giovanna são irmãs gêmeas. Idênticas na aparência e diferentes na alma. Anahi sempre muito correta e doce. Giovanna caprichosa e ambiciosa. E por serem tão diferentes Anahi poderá pagar um preço muito caro por causa das ambições de...