Eu não estava acreditando naquele par de sapatos que a Ellen Gardner estava lançando e me perguntava até onde iria essa minha obsessão pelos sapatos desenhados por essa mulher. Se você me perguntar, eu não vou saber dizer quando esse vício começou, mas eu não estava muito preocupada com isso.
Não era como se eu tivesse um closet cheio de sapatos como essas mulheres dos filmes hollywoodianos, eu era obcecada apenas pelos sapatos da Ellen Shoes. Isso porque a dona da marca tinha a incrível habilidade de fazer pedacinhos do céu em forma de sapatos.
Esse último modelo, pelo qual eu estava praticamente em delírio, parecia ter nascido para testar todos os meus limites como compradora compulsiva. O valor dele era, nada mais, nada menos do que quase três meses de trabalho (isso sem pagar minhas contas!), contudo, eu não tinha dúvidas de que aquele modelo era a personificação da perfeição.
O scarpin rosa tinha um detalhe em pedraria na ponta e eu já imaginava todos os lugares perfeitos para eu usar aquele modelo, esquecendo-me completamente que eu não tinha dinheiro para comprá-lo e que, provavelmente, não conseguiria arrecadar o valor antes que todos os pares acabassem.
Ah, pois é, a Ellen teve mesmo a coragem de produzir um modelo tão perfeito com quantidade limitada de vendas. Como eu me culpava por não ter ouvido minha mãe quando ela dizia para que eu me formasse em Direito, mas não, a louca dos livros teve que se formar em Letras para seguir o grande sonho de ser uma revisora renomada.
Bem, revisora eu era, agora renomada... eram outros quinhentos. O calor que fazia no Rio de Janeiro estava me consumindo, não adiantaria de nada ficar olhando para a tela do computador admirando o scarpin naquele momento. Levantei-me e fui até o banheiro, tirando o sutiã e a calcinha, que eram as últimas peças que me cobriam.
Fitei meu reflexo no espelho e admiti mais uma vez o quanto eu era uma grande gostosa. Não é por nada não, mas olha, que corpo, que curvas, que rosto maravilhoso, disso eu não podia reclamar, eu era uma verdadeira obra de arte. Agradeci aos meus pais mentalmente por tamanha beldade e entrei na ducha fria, a fim de me refrescar.
No verão carioca, não existe jeito de se refrescar, a não ser que você possa passar o seu dia inteiro dentro de uma piscina que não esteja exposta ao sol. Até mesmo quando você corre para o banho, se frustra intensamente ao abrir o chuveiro e sentir o jato de água quente bater no seu corpo.
Eu já sabia que era assim e mesmo com meus vinte e seis anos vivendo nesse estado, não tinha me acostumado ainda com um absurdo desse. Certamente, quem gosta desse calor não precisa trabalhar, não é possível! Permaneci debaixo da água até que ela esfriasse, precisava disso ou não conseguiria dormir.
Quando me dei por satisfeita, saí do banho e me enrolei na toalha, eu morava sozinha e adorava a minha independência e privacidade. Segui para o meu quarto, deixando um rastro de passos molhados para trás, mas não me importei muito porque, diferente da casa da minha mãe, meu apartamento tinha o chão de porcelanato e não de piso laminado, logo, aquela água evaporaria em breve e não tinha chance de estragar o piso.
Vesti uma calcinha de renda branca e já me senti suficientemente vestida para dormir, liguei o ar condicionado e antes que minha consciência me alertasse que a conta de luz subiria no final do mês, consolei-me dizendo o quanto eu merecia ter uma boa noite de sono para talvez ter uma solução em sonho para garantir aqueles sapatos maravilhosos.
Deitei de bruço, ajustei o alarme do celular para o dia seguinte e fiz minhas orações em voz baixa para então encostar a cabeça no travesseiro e pensar, pensar e pensar até o sono me dominar e eu apagar.
O dia seguinte começou cedo, meu celular despertou e eu fiz todo o meu ritual da manhã. Levantei-me, coloquei o café para passar e fui para a sala para cumprir os meus vinte minutos de exercício matinal, pulei corda por cinco minutos, fiz polichinelos por outros cinco minutos e os últimos dez minutos foram revezados entre prancha, agachamento e abdominal.
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À sua disposição (Romance sáfico)
ChickLitJulie Rodrigues é uma jovem de 26 anos que é apaixonada por uma marca de sapatos. É formada em Letras e trabalha como revisora de uma editora do Rio de Janeiro. Ellen Gardner é estilista e dona da marca de sapatos que Julie tanto ama. Ellen é determ...