O que vivi foi muito pior do que levar uma surra. Sair daquela forma do apartamento de Ellen foi humilhante para mim. Em toda minha vida, nunca havia precisado me esconder ou esconder quem eu sou de verdade. Desde quando entendi minha sexualidade, conversei com minha família e deixei bem claro para o mundo o que eu sentia.
Eu me sentia realmente humilhada e sentia que seria extremamente difícil reparar o dano que aquela situação me causou. Apesar de saber que eu estava bastante envolvida com Ellen, eu não sentia vontade de ouvir o que ela tinha a dizer nem de dar uma chance para se explicar. Para mim, aquilo não tinha explicação.
Sem pestanejar, eu tinha tomado minha decisão de colocar uma pedra sobre o que vivemos, mesmo que tenham sido poucos momentos, eles já tinham grande importância para mim. Bloqueei o contato de Ellen assim que recebi uma mensagem dela perguntando se eu tinha conseguido sair do apartamento. Ela não falaria mais comigo.
Mas não me importava, eu não cederia a Ellen novamente, não queria vê-la e faria de tudo para retomar minha vida como ela sempre foi. Faria meu melhor para viver como se nunca tivesse conhecido Ellen. Ela voltaria a ser apenas a dona da marca de sapatos que mais amo no mundo.
Em um momento, me culpei por aceitar receber esse tratamento. Segundo as minhas crenças, a gente só aceita o que acha que merece, isso faz sentido para mim, então não conseguia ainda entender por que julguei que merecia isso.
Os dias que se passaram serviram para me ajudar a me reconectar comigo mesma, fiz minha rotina matinal de sempre com muito mais força e convicção. Em momentos como aquele, se eu não tivesse fé e esperança na realização dos meus sonhos, eu não conseguiria seguir.
Acho que essa reconexão me ajudou, porque na semana seguinte eu consegui um trabalho freelancer com um valor sensacional, eu ia poder comprar meu tão sonhado sapato e ainda sobraria uma boa quantia.
Agora, eu só tinha que correr para entregar o quanto antes e receber a aprovação do cliente. O trabalho se tratava de uma edição de texto de um escritor independente, o livro tinha mais de cem mil palavras e eu demoraria um bom tempo para conseguir terminar. Eu só podia continuar rezando para que meu tão sonhado scarpin esperasse por mim na loja de Ellen Gardner.
Confesso que me sentia uma completa idiota por ainda me sentir tão apaixonada pela linha de sapatos de Ellen, mas o que eu podia fazer? Aquele amor tinha surgido muito antes do que a decepção que sofri e eu não permitiria que ela acabasse com algo que era tão importante para mim.
Os dias começaram a passar muito rápido com o novo trabalho que peguei, eu não tinha muito tempo livre porque queria entregar o quanto antes, então estava realmente dedicada a fazer isso.
Em um dia mais ameno, durante o horário de almoço, resolvi espairecer um pouco a cabeça ao invés de continuar enfurnada no escritório adiantando meu freelancer. Tomei um pouco de ar e acabei parando na Ellen Shoes, fazia um tempo que eu não ia até lá e eu aproveitaria para ver Erica e perguntar se ainda tinha algum par do meu número disponível.
-Oi, Julie! Seja bem-vinda. Faz tempo que não nos vemos, achei que tinha desistido da gente.
-Imagina, é mais fácil eu desistir de qualquer outra coisa. Como você está, Erica? - Tentei ser simpática, mas era inevitável pensar em Ellen dentro daquela loja.
-Estou bem e você? O que anda fazendo?
-Estou trabalhando muito. Peguei um trabalho extra para conseguir reunir o valor total dessa belezinha. Por falar nisso, ainda tem meu número?
-Sim, ainda tem. Confesso que estou de dedos cruzados pra que esse par espere por você, toda vez que alguém vem comprar eu fico nervosa. Temos apenas mais dois pares, um deles é o seu número.
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À sua disposição (Romance sáfico)
Literatura KobiecaJulie Rodrigues é uma jovem de 26 anos que é apaixonada por uma marca de sapatos. É formada em Letras e trabalha como revisora de uma editora do Rio de Janeiro. Ellen Gardner é estilista e dona da marca de sapatos que Julie tanto ama. Ellen é determ...