Capítulo 3

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Ela sentiu as grandes portas de madeira da igreja se fechando atrás dela e estava visivelmente perturbada pelo encontro que teve. Um frio percorria sua espinha e todos os seus instintos gritavam que havia algo errado. Era a mesma sensação que a acompanhava todos os dias e sentia urgência em algo que não sabia explicar, como se uma voz dentro de si estivesse gritando, mas ela não podia ouvir o que dizia. Sua boca estava seca, suas mão transpiravam e suas pernas não se moviam.

- Se mova. - Ela dizia a si mesma em sua mente, mas suas pernas não respondiam.

Ela precisava entender o que o homem de preto lhe disse. Ela sabia que seus lábios haviam se movido e algo dentro dela dizia que precisava saber o que ele disse.

- Droga Ane, o que ele disse? Você precisa se concentrar. Pensa rápido, pensa rápido... 

Os pensamentos dela foram subitamente interrompidos pela poderosa e autoritária voz do padre Gilbert.

- Ane? - ela olhou assustada para ele - Está tudo bem?

Gilbert não se parecia com um padre. Era muito alto e bem mais forte do que todos os homens que conhecia. Tinha a barba longa presa em uma trança e olhos profundos e negros como uma noite sem lua. Seus cabelos estavam brancos nas laterais indicando que já tinha uma certa idade, o que também se notava no rosto endurecido e envelhecido. Sua voz era assustadoramente forte e intimidava quem ouvia, e naquele momento, Gilbert olhava para ela de forma assustadora.

- Ane? - repetiu o padre de forma ríspida e impaciente.

Ane tentou controlar os pensamentos e voltar ao controle do próprio corpo enquanto todos os olhos dentro da igreja estavam voltados para ela, incluindo os frios olhos de sua mãe. Ela se assustou ao perceber alguns puxões em sua roupa, e ao olhar para baixo pôde finalmente se reconectar com a realidade ao encontrar os olhos amorosos da filha.

- Mamãe você não vai se sentar? - Ane afagou os cabelos da filha forçando um sorriso e agradecendo por tê-la ao seu lado. Ela se abaixou e bateu com o dedo na ponta do nariz da filha - Me desculpe meu amor, acho que me distraí. Vamos?

A igreja jamais pareceu tão grande, fria e assustadora como naquela manha, fazendo com que estremecesse, e pela primeira vez se pegou perguntando no porque havia uma igreja tão grande em uma cidade tão pequena, mas não era hora de se perder em pensamentos novamente. Ela ainda sentia as pernas tremulas, porém pegou a filha pela mão e caminhou lentamente até onde a mãe as aguardava com um olhar de reprovação.

- O que está passando pela sua cabeça, quer me matar de vergonha? - Sua mãe estava ainda mais irritada e ela preferiu não responder, se sentando rapidamente antes que as pernas falhassem e ela caísse no chão. 

Após isso o culto seguiu normalmente, com Gilbert fazendo seus longos e moralistas discursos, enfatizando a importância de se manterem unidos como sociedade e se afastarem dos pecados do mundo. 

Ela não conseguia se concentrar, não importava o quanto ela tentasse, pois a imagem do homem de preto passando por ela não saia da sua cabeça e ela se forçava constantemente a voltar naquele exato momento. Fechava os olhos e revivia a cena, vez após vez, movendo os lábios junto com os do estranho, tentando entender o que ele disse.

- Me ajude pelo menos uma vez na vida sua memória inútil - ele disse a si mesma, no exato momento em que finalmente compreendeu.

Ane abriu os olhos completamente aterrorizada e com a respiração ofegante. Sua boca secou novamente e com as mãos trêmulas e ainda sem se mover, procurou desesperadamente as mãos da filha que estava ao seu lado, enquanto proferia, vez após vez o que o homem de preto havia lhe dito.

As Crônicas de Luz e Sombra - AneOnde histórias criam vida. Descubra agora