Ato II - O Bem e o Mal

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A vista era inacreditável. Ane desceu da carroça e ficou de pé junto do Padre, que também via a Cidade dos Piratas pela primeira vez na vida. Após contornarem a montanha, o terreno se abria em direção ao mar e tudo o que se via era areia branca e fina e um mar de aguas cristalinas. Ao  fim da praia uma enorme feira ao ar livre se erguia, protegida por um enorme paredão de pedra onde um rio morria no topo e formava uma queda d'agua gigantesca, que alimentava o maior moinho de água que eles já haviam visto.

Altair sorria, enquanto soltava os cavalos da carroça e tirava a sela deles.

- Obrigado meus amigos - eles os acariciou e deu um tapa para que corressem livres, olhando enquanto sumiam no horizonte.

- Eu nunca imaginei que a Cidade dos Piratas, fosse na verdade uma enorme feira ao ar livre - o Padre disse apertando o cajado nas mãos e admirando a paisagem, coroada por um sol escaldante que começava a se por.

- Está olhando pro lugar errado Padre - Ane o interrompeu apontando para o mar, onde uma cidade gigantesca se erguia acima da água - como vocês conseguiram construir uma cidade sobre a água?

- Se eu tentasse te explicar, provavelmente não chegaria nem perto do tamanho da genialidade da Maia - ele se espreguiçou enquanto bocejava e olhou curioso para Ane que estava abaixada desamarrando os sapatos - O que está fazendo?

Ela retirou os sapatos e os jogou para longe enquanto corria livre pela areia em direção ao mar. Estava feliz, gritava e corria até que a água atingiu sua cintura, mergulhando e saindo da água várias e várias vezes. Altair e o Padre se sentaram e ficaram olhando enquanto ela se divertia.

- Eu não a conheci antes, mas não consigo acreditar que essa menina é o monstro que derrubou a Fortaleza de Pedra. Eu a procurei por dez anos em respeito ao último pedido do meu mestre, mas não é bem o que eu esperava encontrar.

- Eu vivi mil anos com ela Padre, e antes disso persegui um fantasma por tanto tempo que perdi as contas mundo afora, e eu posso te garantir, essa menina não é a Ane que você procurava. A Ane da queda dos deuses, da corte dos vampiros ou de Abraham carregava um peso sobre si que eu nunca compreendi. Eu a vi governar nações, dar festas monumentais, fazer orgias sem qualquer pudor. Eu a vi fazer guerra e lutar com uma ferocidade incontrolável, e também a vi simplesmente navegar livre por ai, e ela jamais chegou perto de estar tão feliz quanto essa Ane. Ela passou pelo inferno, perdeu a filha e ainda assim está aqui, sorrindo, confiando que dois estranhos e inimigos naturais vão encontrar e resgatar sua filha. A Ane que conheci teria colocado fogo no mundo se fosse preciso para encontrar alguém - ele suspirou e se sentia cansado - mas essa menina simplesmente confia em mim e em você. Seja como for, nós temos um dever agora, e aconteça o que acontecer, nós precisamos cumpri-lo. 

Gaivotas sobrevoavam a praia que era cercada por paredões de pedras onde pássaros faziam ninhos. O rosto do Padre estava levemente queimado pelo sol e ele cobria os olhos para vê-la correr de um lado para o outro, até que ela caiu de joelhos e gritou olhando pro céu, enquanto chorava descontroladamente. O Padre imediatamente fez o movimento para se levantar e ir até ela, mas foi impedido por Altair.

- Deixe ela sentir um pouco. Desde que eles tentaram matá-la, ela não teve um momento sozinha pra chorar e exorcizar sua dor. Ela esta bem Padre, só precisa de tempo.

O Padre a olhava socar o chão e gritar até não ter mais forças e se deitar na areia. Viu um pássaro pousar ao seu lado e considerou um sinal de sorte.

- Você é um homem estranho Altair.

- Ja fui chamado de muitas coisas Padre, mas estranho é a primeira vez.

- Bem ela não é o que eu esperava encontrar, mas ela não é ela mesma. Mas você é, e ainda assim é tão diferente do que imaginei quanto ela. Em toda história, você é mencionado como um assassino frio, cruel e sanguinário. Nas histórias de terror que usam para fazer as crianças não saírem de casa a noite, você está lá, a espreita na noite como o bicho papão. Eu estava mesmo disposto a matá-lo naquela noite, e você poderia ter feito o mesmo comigo, mas tudo que vi desde então é um homem extremamente habilidoso em combate como as lendas dizem, mas também encontrei um homem igualmente gentil, doce e carinhoso. Eu realmente não esperava por isso.

As Crônicas de Luz e Sombra - AneOnde histórias criam vida. Descubra agora